Kleber Mendonça Filho diz que manterá Aquarius na disputa por uma vaga ao Oscar
É oficial. O diretor Kleber Mendonça Filho disse que manterá a inscrição de “Aquarius” na disputa pela vaga brasileira no Oscar 2017. O cineasta pernambucano não vai aderir ao protesto que ele próprio incentivou, ao insinuar-se perseguido politicamente, e que culminou na desistência de dois de seus concorrentes, “Boi Neon”, de Gabriel Mascaro, e “Mãe Só Há Uma”, de Anna Muylaert. Mascaro e Muylaert anunciaram a retirada de seus filmes em solidariedade a Filho, que estaria sofrendo retaliações, após denunciar que “O Brasil não é mais uma democracia”, com placas contra um “golpe de estado” no país, durante o Festival de Cannes. Filho, porém, assumiu que não tem intenção de realizar o mesmo gesto. “Tenho interesse em ver o processo se completar dentro das regras democráticas”, ele afirmou ao jornal Folha de S. Paulo. Assim, se valerá da vantagem de não contar com dois de seus concorrentes mais destacados para tentar conquistar a vaga. E só não terá o caminho mais facilitado porque outros diretores optaram por não servir de tapete vermelho para seu “interesse”. Os três diretores e Roberto Berliner, que também mantém “Nise: No Coração da Loucura” na competição, protestam contra a inclusão do crítico Marcos Petrucelli na comissão que escolherá o candidato brasileiro ao Oscar. Para eles, é inadmissível que o jornalista tenha sido escolhido após emitir opinião contrária à manifestação de Filho e da equipe de “Aquarius” em Cannes, e assim decidiram denunciar a “imparcialidade questionável” da comissão, no dizer de Mascaro. É importante lembrar que os mesmos defensores da imparcialidade desta comissão do Ministério da Cultura, que perseguem e atacam um jornalista exclusivamente por conta de suas opiniões, não realizaram qualquer tipo de manifestação quando “Lula, o Filho do Brasil” foi vergonhosamente escolhido como representante do Brasil ao Oscar em 2010, em pleno governo Lula. Uma falta de ética como nunca se viu antes na história deste país. “Acho incrível o que [Mascaro e Muylaert] fizeram”, disse Filho à Folha de S. Paulo. “O governo interino não tem familiaridade com a área da cultura e com a forma como nós somos unidos.” Curiosamente, esta união parece ter limites, já que o incentivador não pretende pular no mesmo abismo, após ver a concorrência pular sozinha, de forma inocente e muito útil, por sinal. Por sua vez, o Ministério da Cultura emitiu um comunicado, reiterando sua “confiança na comissão de seleção do filme” e na “isenção do processo de escolha”. “A comissão é formada por nomes de reconhecida reputação e conhecimento técnico, que passaram, inclusive, pelo crivo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Destaca-se que a seleção do filme representante será feita à margem de critérios de natureza política, sendo inócua a criação de ambiente de pressão ou constrangimento com vistas a favorecer ou prejudicar qualquer produção. Passada a etapa de seleção, o Ministério estará engajado na torcida para que nosso filme figure entre os cinco finalistas.”
Anna Muylaert retira Mãe Só Há Uma da disputa pela vaga brasileira no Oscar 2017
A diretora Anna Muylaert revelou que pretende seguir o gesto de Gabriel Mascaro e também retirar seu filme “Mãe Só Há Uma” da disputa pela indicação do Brasil à categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2017. Mascaro retirou “Boi Neon” para prestar solidariedade ao filme “Aquarius”, num protesto à parcialidade – ou “imparcialidade questionável”, como se expressou – com que o processo seletivo estaria sendo conduzido. A razão para as duas desistências seria a inclusão do crítico paulista Marcos Petrucelli na comissão do Ministério da Cultura que escolherá o representante brasileiro. Ele virou alvo por discordar da postura política e igualmente pública do diretor Kleber Mendonça Filho, de “Aquarius”. Com isso, já são dois cineastas que tomam para si a decisão que não foi tomada por Kleber Mendonça Filho, que se diz perseguido após a photo-op do Festival de Cannes para denunciar que “O Brasil não é mais uma Democracia”, devido a um “golpe de estado” – o processo de Impeachment de Dilma Rousseff. Em nome da defesa da liberdade de expressão da equipe de “Aquarius”, Muylaert, Mascaro e Filho lançam assim um inacreditável movimento contra a liberdade de expressão de um crítico, que discordou do uso político de verbas públicas no protesto realizado em Cannes. Como o próprio Filho assumiu, seu filme foi realizado com verbas incentivadas e sua viagem à França financiada pelo Programa de Apoio à Participação de Filmes Brasileiros em Festivais Internacionais e de Projetos de Obras Audiovisuais Brasileiras em Laboratórios e Workshops Internacionais, da Ancine. A propósito, estas são as frases do crítico, publicadas em seu Facebook, que geraram a polêmica. “Vergonha é o mínimo que se pode dizer sobre a equipe e o elenco de ‘Aquarius’”, ele opinou na data do protesto com os cartazes em Cannes. Cinco dias depois, quando saiu o anúncio dos vencedores, ele completou: “Então foi assim: filme feito com dinheiro público vai a Cannes representar o Brasil e não leva prêmio algum. Ou seja, a mentira sobre o suposto golpe no País por meio de frases em papel A4 no tapete vermelho não adiantou muito além de expor o Brasil ao ridículo.” Aparentemente, três dos nossos cineastas mais brilhantes acharam ruim que um dos eleitores do representante do Brasil no Oscar tenha feito o que se espera de sua profissão: um comentário crítico. Ou, de forma reducionista, manifestado-se publicamente a respeito de uma manifestação pública. Trata-se de um ataque mal-disfarçado à liberdade de expressão e opinião, a ponto de visar até o símbolo máximo da democracia: o direito ao voto. Não querem que um crítico vote, porque não gostarão de seu voto. É isso, simplesmente. “Achamos que este é o ano de ‘Aquarius’. É o filme certo”, disse Muylaert ao jornal Folha de S. Paulo, num prato cheio para quem gosta de teorias de conspiração e já delira com Kleber Mendonça Filho segurando placas de “Yankees Go Home” no tapete vermelho do Oscar 2017. Além da dupla de cineastas desistentes, o diretor e produtor mineiro Guilherme Fiúza Zenha, um dos nove integrantes da comissão do governo, também anunciou que não irá mais participar do comitê “por questões pessoais”. Procurado, o diretor de “O Menino no Espelho” (2014) disse que não falaria com a imprensa. Mas é pouco provável que muitos outros se juntem a eles. Ouvidos pela Folha de S. Paulo, os diretores de alguns dos filmes concorrentes mantiveram a postura de disputar a vaga. E encontram o caminho menos apinhado, com a saída de “Boi Neon” e “Mãe É Só Uma” do páreo. “Por que tirar o filme? Acredito nele. Respeito a atitude [dos outros diretores], mas não pretendo retirar. A decisão é do comitê”, disse Afonso Poyart, de “Mais Forte que o Mundo – A História de José Aldo”. Ele é ecoado pelo diretor David Schurmann, para quem seu filme “Pequeno Segredo” “tem uma temática que pode interessar ao Oscar”. “Investimos muito tempo e paixão para fazer um filme tecnicamente impecável e emocionante”, resumiu. Já Roberto Berliner decidiu manter “Nise: No Coração da Loucura”, mas não sem emitir um comunicado de solidariedade a Filho, dizendo que compartilha “das mesmas posições políticas”, sem esquecer de atacar o crítico em questão por suas “declarações infelizes” – em defesa da “liberdade de expressão”, é claro – , e incluindo até a um anedótico “Fora Temer!” no texto. Fazendo a ressalva que Muylaert e Mascaro preferiram ignorar, Berliner lembrou do respeito que deve “à equipe do filme, aos milhares de espectadores, aos outros jurados e demais concorrentes”, salientando a “confiança no filme que fizemos e pela importância de levar essa história ao conhecimento do maior público possível”. Mas completa propondo escorraçar o crítico da comissão, numa celebração de totalitarismo – ou, pelo menos, falta de capacidade de convívio democrático. Afinal, como se chama mesmo quem busca enquadrar opositores, calar os dissidentes e buscar impedir o direito de votar? De todo modo, o “martírio” dos colegas está sendo tratado, até aqui, com mesquinharia por Filho, que tem se aproveitado das desistências para reforçar sua posição na eleição e aparecer ainda mais na mídia. Após a desistência de Mascaro e Muylaert, em solidariedade à perseguição que o cineasta estaria sofrendo – e isto inclui a classificação etária elevada de seu filme – , ele mantém “Aquarius” na disputa.
Diretor tira Boi Neon da disputa da vaga brasileira ao Oscar 2017
O cineasta pernambucano Gabriel Mascaro anunciou que retirou seu filme “Boi Neon” da disputa pela indicação do Brasil à categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2017. A decisão foi feita em protesto pela parcialidade – ou “imparcialidade questionável” – com que o processo seletivo estaria sendo conduzido. Seu comunicado é sucinto. “Decidimos tornar pública a nossa decisão de não submeter o filme ‘Boi Neon’ à comissão brasileira que indica o representante nacional ao Oscar 2017. É lamentável que o Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, endosse na comissão de seleção um membro que se comportou de forma irresponsável e pouco profissional ao fazer declarações, sem apresentação de provas, contra a equipe do filme ‘Aquarius’, após o seu protesto no tapete vermelho de Cannes. ‘Aquarius’ foi o único filme latino-americano na competição oficial de Cannes, tendo sido aclamado pela crítica internacional. Diante da gravidade da situação e contrários à criação de precedentes desta ordem, registramos nosso desconforto em participar de um processo seletivo de imparcialidade questionável”. Mascaro tomou a decisão depois que o diretor de “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho atacou o crítico citado, convidado pelo Ministério Público para participar da comissão de seleção. Já o filme “Aquarius”, claro, é a produção que motivou a photo-op em Cannes para denunciar que “O Brasil não é mais uma Democracia”, devido ao “golpe” conhecido como processo de Impeachment de Dilma Rousseff. Com prêmios nos festivais de Veneza, Toronto e muitos outros, “Boi Neon” foi também o grande vencedor do último Festival do Rio. Era o único filme brasileiro que fazia sombra a “Aquarius” no exterior. Sua desistência, teoricamente, estende o tapete vermelho para “Aquarius” conquistar a vaga, além de tirar a oportunidade dos intérpretes, técnicos e profissionais variados do filme, que não poderão incluir no currículo uma provável representação do país no Oscar. Claro que a revolta terceirizada, de um segundo diretor em relação a uma situação que supostamente atinge apenas um terceiro, não deixa de criar uma saia justa para o próprio terceiro. Afinal, como fica agora Filho, que vê seu principal rival à indicação sair da disputa, numa demonstração de solidariedade a seu discurso de perseguido político? Filho vai usar essa vantagem para garantir a classificação de “Aquarius” ou tomará a atitude ética de, para dar sentido às consequências de sua retórica e em nome do “fair play”, anunciar também sua desistência? Sempre é válido lembrar que não houve nenhuma revolta ou manifestação sobre “imparcialidade questionável” quando, há apenas seis anos, “Lula, o Filho do Brasil” foi selecionado pelo Ministério da Cultura do governo de Luis Inácio Lula da Silva como candidato do Brasil à mesma vaga. Não foi ético em 2010. E agora veremos o que é considerada uma atitude ética em 2016.
Diretor de Aquarius ataca crítico escolhido para integrar comissão que escolherá candidato brasileiro ao Oscar 2017
O diretor Kleber Mendonça Filho publicou uma carta aberta no jornal Folha de S. Paulo e no Facebook nesta sexta (19/8) para, com a justificativa de defender seu filme “Aquarius” como candidato brasileiro ao Oscar 2017, atacar um crítico de cinema. O problema estaria no fato de Marcos Petrucelli, que discorda publicamente de suas posições políticas, ter sido convidado a participar da comissão do Ministério da Cultura que definirá o filme escolhido para representar o Brasil na busca de uma vaga na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Mesmo dizendo que “tecnicamente” o jornalista “seria um nome adequado” para compôr a comissão, Mendonça ataca o posicionamento “estridente” de Petrucelli contra seu “protesto democrático” no Festival de Cannes. Ele se refere, obviamente, ao fato de ter levantado, junto a integrantes de sua equipe, placas em inglês e francês que afirmavam que “Um golpe ocorreu no Brasil”, “O Brasil não é mais uma democracia” e “O mundo não pode aceitar esse governo ilegítimo”, enquanto estava no tapete vermelho do festival francês. Segundo o cineasta, o comportamento do jornalista “faz da sua participação nesta comissão algo constrangedor”, dizendo que a questão se tornava ainda mais “séria”, porque “alguns desses ataques sugerem publicamente mentiras sobre a equipe de mais de 30 profissionais de ‘Aquarius’ ter ido a Cannes ‘de férias'”, com suas estadias “pagas pelo dinheiro público”. “É triste ter que corrigir com fatos, puros e simples, o tipo de mentira destrutiva que um comunicador tem espalhado de forma tão irresponsável. E essa pessoa está numa comissão que deveria defender os interesses do país, para julgar um filme que ele mesmo vem caluniando da forma mais torpe imaginável”, ele completa. A polêmica merece algumas considerações. Na verdade, Petrucelli escreveu no Facebook: “Vergonha é o mínimo que se pode dizer sobre a equipe e o elenco de ‘Aquarius’, filme que está em Cannes esse ano. Ao passar pelo tapete vermelho, os brasileiros protestaram contra o impeachment com cartazes que diziam ‘O Brasil não é mais uma democracia’. Ah não? Qual regime é esse, então, que permitiu ao diretor do filme levar 30 pessoas da equipe para tirar férias na Riviera Francesa? Nem blockbuster de Hollywood comparece a Cannes com tantas pessoas”. A comparação do contraste entre os protestos pela falta de democracia e a existência de liberdade para a equipe do filme ir à Cannes em peso, tratada ironicamente como “férias na Riviera Francesa”, ultrajou Filho, que ignorou a pergunta “Que regime é esse” e transformou o verbo “permitir” (antônimo de proibir, como numa ditadura) em “financiar”, para justificar um ataque num jornal de grande circulação e repercussão nacional. Além disso, a publicação da Carta Aberta à Comissão Brasileira do Oscar, que detalha frases nunca ditas ou escritas por Petrucelli, conquistou apoio de vários outros cineastas e repercutiu com a complacência do silêncio da Abraccine (a suposta Associação dos Críticos de Cinema do Brasil). Vale observar que, embora o crítico não tenha escrito nem mesmo em seu Facebook pessoal que a viagem para o Festival de Cannes foi paga pelo governo, o filme “Aquarius” recebeu, sim, verba da Ancine para participar do evento, dentro do Programa de Apoio à Participação de Filmes Brasileiros em Festivais Internacionais e de Projetos de Obras Audiovisuais Brasileiras em Laboratórios e Workshops Internacionais, que prevê pagamento de passagens, hospedagem, transportes, alimentação e “despesas afins” para diretor, produtor e ator/atriz. Levando em conta que o cineasta gostaria de corrigir o que chama de calúnia, seria interessante, em nome da transparência, que os valores destas despesas financiadas fossem tornados públicos, evitando assim “mentiras destrutivas” com a apresentação de “fatos, puros e simples”, para encerrar de vez a mera retórica inflamada – e inflamatória. Também seria interessante, em nome do “processo democrático”, respeitar a opinião de quem lhe contesta. Não é a primeira vez que o diretor bate boca publicamente com quem discordou de sua photo-op em Cannes. Mas, assim como Kleber Mendonça Filho teve o direito democrático de realizar seu protesto de gala, as vozes contrárias têm o mesmo direito de se manifestarem. Qualquer outra atitude não passa de autoritarismo com disfarce politicamente correto. Leia a carta de Kleber Mendonça Filho na edição da Folha e também no Facebook oficial do filme “Aquarius”.
Editorial: A politização da cultura brasileira na era de Aquarius
A politização de cineastas e atores brasileiros tem se mostrado um fenômeno saudável, pois os recentes choques de opinião e manifestação de artistas contrários ao governo federal transmitem sinais inequívocos da estabilidade institucional no pais. Não há convulsão social nem governo de exceção censurando protestos, como seria característica de um golpe de Estado. Há, inclusive, um clima de tolerância com a ocupações de espaços públicos e uma mídia disposta a ouvir quem quiser afirmar que se vive um golpe. Obviamente, o direito de opinião e manifestação não é exclusivo de uma classe ou apenas de quem pensa igual. Quem discorda do que é dito ou feito também vai opinar e se manifestar em contrariedade. Um ambiente democrático se enriquece com essa pluralidade de opiniões. Mas nesses tempos de redes sociais se vive com mais força o acirramento. A repercussão da polêmica iniciada pela equipe do filme “Aquarius” no Festival de Cannes é um exemplo de como as posições estão acirradas. No tapete vermelho do evento francês, o diretor Kleber Mendonça Filho, os atores Sonia Braga, Humberto Carrão e Maeve Jinkings, entre outros envolvidos na produção, levantaram cartazes que chamavam de golpe de estado o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Um dos cartazes chegava a afirmar, em inglês, que “O Brasil não é mais uma democracia”. Na ocasião, os principais integrantes da produção também deram entrevistas, reiterando o ponto de vista de que a democracia brasileira teria sofrido um golpe político. Como reação, grupos contrários manifestaram a intenção de organizar um boicote ao filme. Ao mesmo tempo, a tese de criminalização da Lei Rouanet, que incentiva filmes como “Aquarius”, ganhou terreno. Houve até uma tentativa de incluir produtores culturais na malha da Lava Jato, rechaçada pelo juiz Sérgio Moro. A raiva despertada pelo protesto francês tem, embutida, o discurso da defesa da imagem do Brasil. Esta tese foi reverberada em entrevista do Ministro da Cultura ao programa “Preto no Branco”, exibido no domingo (5/5) no Canal Brasil. “Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento”, disse o ministro Marcelo Calero, demarcando o limite democrático. “Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”, ele esclareceu, evocando a tese de que afirmar que houve um golpe é alinhar o Brasil às repúblicas de bananas dos clichês latinos. Calero elevou o tom. “Estão comprometendo [a imagem do país] em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 1964. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho [o protesto] de uma irresponsabilidade quase infantil.” As críticas aconteceram no contexto de uma entrevista a um programa de TV, no qual o ministro foi incentivado a dar sua opinião sobre o assunto. Anteriormente, a equipe de “Aquarius” também deu, em entrevistas, suas opiniões sobre a situação do Brasil e a breve extinção do Ministério da Cultura. Passou batido, porém, a ocasião em que Kleber Mendonça Filho afirmou que o país era uma democracia e que, por isso, poderia se manifestar como quisesse. “A gente vive numa democracia. Essa é a minha resposta”, ele disse em maio, logo após o protesto, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, respondendo se temia retaliação – além de cineasta, ele tem um cargo numa fundação ligada ao Ministério da Cultura. “A gente vive numa democracia, e eu tenho direito de expressar o que acho sobre temas políticos”, reforçou, poucas horas após sua equipe levantar cartazes em se podia ler que o Brasil já não era uma democracia. E quando o repórter insistiu, veio a confirmação final: “Queria entender se o Brasil que era quando eu viajei para cá já mudou. Ainda continuo me comportando como se estivesse numa democracia”, discursou. Em suma, Kleber Mendonça Filho defende seu legítimo direito de manifestação por viver numa democracia, mesmo que seja para dizer no exterior que não vive numa democracia. Com o que o próprio ministro Marcelo Calero concorda, “fora de questionamento”. Entretanto, a opinião do ministro sobre o protesto foi questionada pelo diretor e pela atriz Sonia Braga nas redes sociais, como se ele, por sua vez, não tivesse esse direito, nem sequer no contexto de uma entrevista. Mas o ministro goza da mesma liberdade de expressão que é assegurada ao cineasta e à atriz, que, inclusive, replicam como querem, comprovando que há anos a democracia não é tão discutida e vivenciada neste país. Entretanto, chama atenção o tom de “calaboca” nos posts replicantes, onde se percebe uma arrogância do tipo “saiba com quem está falando” que não condiz com o ideal democrático defendido, supostamente, por ambos os lados. “Caro Ministro Calero, talvez isso aqui redefina sua noção de o nosso país passar vergonha internacionalmente”, escreveu Mendonça, incluindo em seu post um link para um texto sobre um editorial do jornal The New York Times, que versa sobre a corrupção no governo Temer. “O The New York Times é o mesmo jornal de influência mundial que incluiu meu filme anterior – ‘O Som ao Redor’ -, fruto do MinC, entre os 10 Melhores de 2012, um orgulho para a Cultura Brasileira”. Nunca é demais lembrar que a corrupção citada no post do cineasta não começou após o afastamento da presidente Dilma Rousseff há poucas semanas, sendo fruto de 13 anos de governo petista, em aliança com os partidos de Temer e Maluf. E que “O Som ao Redor” é mesmo um ótimo filme. Mas o que isso acrescenta na discussão, além de ego e tegiversação? Sonia Braga foi ainda mais fundo em seu post, arrancando urros de júbilo nas redes sociais, além de render algumas manchetes reveladoras. “A diva e o guri: Sonia Braga manda ‘ministro’ Marcelo Calero se situar”, descreveu o blog de Luis Nassif, festejando a enquadrada. “Estrela de filme pernambucano, Sonia Braga dá ‘aula de história’ a ministro da Cultura”, ponderou o jornal Diário de Pernambuco, sugerindo ironia. E, em outro espectro: “Sonia Braga não aceita ser criticada por ministro mais novo: ‘É inadmissível'”, titulou o Blasting News, mais divertido que os demais. Vale a pena conferir o subtítulo da matéria: “De acordo com atriz, Ministro é muito novo para entender problemas dos artistas”. De rolar de rir. Publicado no Facebook, o texto da atriz tem a intenção de ser sério. Ele começa dando uma “aula de história para o senhor Marcelo Calero, 33 anos de idade. Eu, só de profissão, tenho 50”. E passa a narrar a luta pelo reconhecimento da profissão de ator nos anos 1970, embutindo no meio realizações pessoais. “Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos”, ela diz, de forma impressionante. E nisso encaixa uma crítica à entrevista de Calero. “Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro? Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato. Uma coisa é certa: estamos juntos”. O trecho que chama mais atenção tem enunciado mais claro e impactante. “O Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”. Entra-se num terreno muito delicado. Uma opinião passa a ser tratada como ofensa. “O Ministro da Cultura ofendendo artistas” é uma frase forte e, convenhamos, tão sensacionalista quanto a manchete do Blasting News. Mas não poderia o mesmo ministro dizer que artistas brasileiros ofendendo o Brasil é inadmissível? A narrativa do golpe se diferencia da narrativa do Impeachment neste quesito. Dependendo do ponto de vista, dizer que houve golpe, que não há democracia no Brasil e conclamar nações a não reconhecerem o governo pode, sim, ser considerado ofensivo – no mínimo. Felizmente, a democracia brasileira já está madura o suficiente, com apenas 28 anos – mais jovem, portanto, que o ministro – para fazer prevalecer a tolerância. Para completar seu raciocínio, Sonia cita as críticas “fabulosas” que “Aquarius” recebeu no exterior como um “ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior”. E encerra com o que não tem outro nome: uma lição de moral. “Senhor Ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito”. A Pipoca Moderna sempre apoiou o cinema brasileiro de qualidade, como os filmes de Kleber Mendonça Filho, e pretende continuar usando sua pequena ressonância para lutar por maior espaço no circuito para essas obras. Boicotes são legítimos numa democracia, assim como nossa postura assumida e conhecida de rechaçar grupos intolerantes. Para ficar claro: jamais promoveremos boicotes e sempre destacaremos filmes de conteúdos sociais relevantes, assim como apoiamos o direito de manifestações pacíficas, como têm sido as realizadas em torno de “Aquarius”. Do mesmo modo e pelas mesmas razões, tampouco simpatizamos com patrulhas ideológicas. Quando o discurso em prol da democracia embute desprezo ao contraditório, escancara o que esquerda e direita têm em comum: um viés totalitário, na busca de uma visão hegemônica de mundo. Ao contrário disso, a democracia se fortalece com a convivência de vozes divergentes. O protesto em Cannes só é legítimo na medida em que se pode criticá-lo. Talentosos como são Kleber e Sonia, eles sabem que narrativas maniqueístas só convencem quem quer ser convencido, enquanto, para os demais, mostram-se inverossímeis, sem muito acrescentar.
Sonia Braga e Kleber Mendonça Filho polemizam com Ministro da Cultura
A atriz Sonia Braga e o diretor Kleber Mendonça Filho responderam às críticas feita pelo Ministro da Cultura Marcelo Calero ao protesto político da equipe de “Aquarius” no tapete vermelho do Festival de Cannes. O Ministro fez seu comentário durante entrevista no programa “Preto no Branco”, do Canal Brasil, o cineasta e a atriz responderam com um posts no Facebook. O motivo da nova polêmica foram as expressões usadas por Calero, que classificou o protesto de “quase infantil” e “até um pouco totalitário”. Vale lembrar o caso. No tapete vermelho do Festival de Cannes, o diretor Kleber Mendonça Filho, os atores Sonia Braga, Humberto Carrão e Maeve Jinkings, entre outros envolvidos na produção, levantaram cartazes que chamavam de golpe de estado o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Um dos cartazes chegava a afirmar, em inglês, que “O Brasil não é mais uma democracia”. Calero disse que o ato pode ter prejudicado a imagem do país internacionalmente. “Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento. Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”, ele afirmou durante a entrevista. “Estão comprometendo [a imagem do país] em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 1964. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho [o protesto] de uma irresponsabilidade quase infantil.” Em seu Facebook, Mendonça Filho respondeu com o post de uma reportagem a respeito de um editorial do jornal “The New York Times” que questiona o compromisso do presidente Michel Temer em combater a corrupção. O texto menciona a ficha suja de ministros do governo. Junto do link, o cineasta escreveu: “Caro Ministro Calero, talvez isso aqui redefina sua noção de o nosso país passar vergonha internacionalmente. O The New York Times é o mesmo jornal de influência mundial que incluiu meu filme anterior – ‘O Som ao Redor’ -, fruto do MinC, entre os 10 Melhores de 2012, um orgulho para a Cultura Brasileira. Abs, Kleber”. Sonia Braga foi ainda mais aguda. “Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro?”, indagou Sonia. “Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato”, disse. Ela é mais clara na parte que sobe o tom: “o Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”. A atriz abre o texto lembrando da diferença de idade entre os dois — Calero tem 33 anos, enquanto Sonia completa 66 nesta quarta-feira, 50 deles dedicados à profissão. “Na época da Abertura, os artistas não tinham sequer uma lei que regulasse a profissão. Essa lei foi promulgada em 1978, depois de muita luta, da qual tive a honra de participar. Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos”, relembrou, em tom professoral. Por fim, Sonia lembra que “Aquarius”, longa dirigido por Kleber Mendonça Filho, foi um sucesso de crítica no 69º Festival de Cannes: “A propósito, as críticas para ‘Aquarius’ foram fabulosas. Quatro estrelas em jornais franceses, italianos, poloneses, russos e três citações no The New York Times. Ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior”. Ela encerra o texto com uma lição de moral: “senhor ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito”.
Ministro da Justiça critica protesto de artistas em Cannes
O Ministro da Cultura Marcelo Calero criticou o protesto que a equipe do filme “Aquarius” realizou durante o Festival de Cannes, em maio, classificando-o como “quase infantil” e “até um pouco totalitário”. No tapete vermelho do evento, o diretor Kleber Mendonça Filho, os atores Sonia Braga, Humberto Carrão e Maeve Jinkings, entre outros envolvidos na produção, levantaram cartazes que chamavam de golpe de estado o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Um dos cartazes chegava a afirmar, em inglês, que “O Brasil não é mais uma democracia”. Calero disse que o ato pode ter prejudicado a imagem do país internacionalmente. “Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento. Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”, ele afirmou durante entrevista realizada no programa “Preto no Branco”, do Canal Brasil, exibida no domingo (5/6). “Estão comprometendo [a imagem do país] em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 1964. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho [o protesto] de uma irresponsabilidade quase infantil.” Em entrevista ao jornal ‘Folha de S.Paulo’ após a manifestação em Cannes, Kleber Mendonça ignorou os próprios cartazes que levantou (lembrando: “O Brasil não é mais uma democracia”), afirmando que o país é uma democracia e que, por isso, tem o direito de expressar o que acha sobre temas políticos. “O protesto em Cannes foi um gesto simbólico. O país está dividido”, ele avaliou. Em sua entrevista, Calero teve o cuidado de não demonizar a Lei Rouanet, responsável pelo incentivo fiscal à Cultura no Brasil, após o ato de “Aquarius” ampliar um preconceito cada vez mais disseminado contra artistas que viveriam às custas do Estado. Fazendo críticas à gestão de seu antecessor, Juca Ferreira, que aprovou projetos claramente comerciais, ao mesmo tempo em que usou isso como exemplo contra a própria a lei, na busca de aprovar um substitutivo controverso, o Ministro da Cultura defendeu a importância dos incentivos fiscais. “A gente não pode pegar um ou outro caso, de um musical que poderia ter conseguido, sem a Lei Rouanet, a sua viabilidade, e dizer que a lei é uma porcaria e jogar tudo na lata do lixo. Hoje, a Lei Rouanet patrocina orquestras Brasil afora, museus importantíssimos. Se não fosse a Rouanet, a Orquestra Sinfônica Brasileira não existiria.” O Ministro informou ainda que estuda fazer ajustes no mecanismo de incentivo cultural, mas destacou que, do total de isenções fiscais concedidas pela União, apenas 0,6% são para a Cultura. “É muito pouco. Não justifica esse discurso do ódio contra a Lei Rouanet.”





