Novos “Smurfs” e “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” são os destaques de cinema
Dois grandes lançamentos disputam as salas nesta semana, enquanto drama biográfico e novas produções de arte ocupam o circuito limitado
“Emilia Pérez” vence César de Melhor Filme
Filme superou expectativas e conquistou seis prêmios na cerimônia do "Oscar francês" nesta sexta
Jean-Louis Trintignant (1930–2022)
O ator Jean-Louis Trintignant, um dos maiores intérpretes do cinema francês, morreu nesta sexta-feira (17/6) aos 91 anos. Ele tinha câncer e sua mulher, Mariane Hoepfner Trintignant, informou que ele morreu “pacificamente, de velhice, esta manhã em casa no Gard, cercado por seus entes queridos”, de acordo com o jornal Le Monde. Ao longo de quase 70 anos de carreira e mais de 130 filmes – sem contar dezenas de peças de teatro – , ele foi dirigido pelos principais mestres do cinema europeu, demonstrando enorme versatilidade ao encarar de dramas artísticos da nouvelle vague a comédias comerciais, épicos históricos e até western spaghetti. Originalmente, Trintignant queria ser diretor. Mas para pagar o curso na escola de cinema IDHEC em Paris começou a assumir pequenos papéis na tela. Até que chamou atenção em 1956 como um dos três homens envolvidos com Brigitte Bardot no famoso filme “E Deus Criou a Mulher” (1956), de Roger Vadim. O cineasta ficou com ele mente, mesmo que Trintignant ainda não levasse a carreira de ator à sério, especialmente pelas condições da época – após filmar o clássico de Vadim, ele foi convocado pelo serviço militar e levado a lutar na Guerra da Argélia. Após três anos, Vadim o reencontrou para integrar o elenco de sua adaptação de 1959 de “Ligações Perigosas”, de Choderlos de Laclos – lançada no Brasil como “Ligações Amorosas” – , onde contracenou com Jeanne Moreau e Boris Vian. E a partir daí Trintignant não parou mais. No mesmo ano, fez seu primeiro papel de protagonista naquele que também foi seu primeiro trabalho estrangeiro: o drama de guerra “Verão Violento”, filmado na Itália por Valerio Zurlini. E em seguida foi integrar o elenco internacional de seu primeiro épico, um filme de Napoleão com o especialista Abel Gance, “Com Sangue se Escreve a História” (Austerliz, 1960), ao lado de estrelas de Hollywood (Jack Palance, Orson Welles, Leslie Caron), da Cinecittà (Claudia Cardinale, Vittorio de Sica) e compatriotas (Jean Marais, Pierre Mondy, Martine Carol). O sucesso dos dois longas o tornou requisitado tanto na França quanto na Itália, fazendo sua filmografia inflar. Nos cinco anos seguintes, fez nada menos que 20 filmes, incluindo “Paixões e Duelo” (1962), de Alain Cavallier, como um terrorista casado com Romy Schneider, e duas comédias muito populares com Vittorio Gassman: “Aquele Que Sabe Viver” (1962), de Dino Risi, e “Minha Esposa é um Sucesso” (1963), de Mauro Morassi. Também estrelou coproduções entre França e Itália, como “Castelos na Suécia” (1963), dirigido por Roger Vadim e coestrelado por Monica Vitti, e a aventura romântica “Maravilhosa Angélica” (1964), de Bernard Borderie. Trintignant ainda estrelou o primeiro de seus filmes com Costa Gavras, “Crime no Carro Dormitório” (1965), antes de embarcar no papel que o projetou como nenhum outro, “Um Homem, uma Mulher” (1966), de Claude Lelouch. Considerado um dos filmes românticos mais famosos de todos os tempos, a história de amor vivida pelo ator e Anouk Aimée venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes e dois Oscars – Melhor Filme em Língua Estrangeira e Melhor Roteiro. O filme foi tão marcante que resultou num reencontro entre o casal e o diretor na continuação “Um Homem, uma Mulher: 20 Anos Depois”, lançada em 1986. Seu alcance mundial também transformou Trintignant num dos maiores astros do cinema francês. Por isso, mesmo aumentando a pilha de projetos, ele passou a aparecer em filmes cada vez mais importantes. A lista é enorme, destacando o drama de guerra “Paris Está em Chamas?” (1966), de René Clement, que disputou dois Oscars, o célebre filme lésbico “As Corças” (1968), de Claude Chabrol, premiado no Festival de Berlim, o politizado “Z” (1969), de Costa Gavras, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, o romântico “Minha Noite com Ela” (1969), de Éric Rohmer, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, o icônico “O Conformista” (1970), de Bernardo Bertolucci, também indicado ao Oscar e responsável por um dos melhores desempenhos de Trintignant, entre muitos, muitos outros. Com tantos trabalhos marcantes, o próprio ator começou a receber prêmios, a partir de “O Homem que Mente” (1968), de Alain Robbe-Grillet, que lhe rendeu o Urso de Prata no Festival de Berlim. No ano seguinte, foi a vez do Festival de Cannes saudá-lo por “Z”. Mas o César, considerado o Oscar francês, só passou a considerá-lo numa fase mais madura de sua carreira. Na década de 1970, embarcou em novos projetos artísticos do diretor Robbe-Grillet (os cultuados “Deslizamentos Progressivos do Prazer” e “O Jogo com o Fogo”), retomou sua química com Romy Schneider em outros romances (“O Último Trem”, “Escalada ao Poder”), fez mais uma colaboração sensacional com o diretor Valerio Zurlini (“O Deserto dos Tártaros”) e até estreou em Hollywood, contracenando com Burt Reynolds e a conterrânea Catherine Deneuve em “Crime e Paixão” (1975), de Robert Aldrich. Depois de consagrado e rico, o grande astro ficou ainda mais exigente, o que compactuou com sua longevidade artística. Escolhendo a dedo seus projetos, ele só não viveu um renascimento nas décadas seguintes porque sua carreira nunca decaiu. Vieram três parcerias consecutivas com Ettore Scola: “O Terraço” (1980), premiado no Festival de Cannes, “Paixão de Amor” (1981) e “Casanova e a Revolução” (1982), vencedores de vários prêmios David di Donatello (o Oscar italiano). Veio seu melhor filme americano: “Sob Fogo Cerrado” (1983), de Roger Spottiswoode, indicado ao Oscar e vencedor da categoria de Melhor Filme Estrangeiro no David di Donatello. Veio a protelada colaboração com o mestre François Truffaut: “De Repente num Domingo” (1983), indicado ao César e ao BAFTA (o Oscar britânico). E, principalmente, veio a primeira indicação ao César de Trintignant, como Ator Coadjuvante em “A Mulher de Minha Vida” (1986), de Régis Wargnier. Mas ele ainda estava só começando. Com mais de 60 anos, passou a acumular indicações ao César como Melhor Ator: por “A Fraternidade é Vermelha” (1994), de Krzysztof Kieslowski, “Fiesta” (1995), de Pierre Boutron, e “Os que Me Amam Tomarão o Trem” (1998), de Patrice Chéreau. Mostrando-se disposto a se revigorar, passou a trabalhar com uma nova geração de cineastas de visões originais, com destaque para Enki Bilal, um artista de quadrinhos transformado em diretor de ficção científica, com quem filmou três filmes: “Bunker Palace Hotel” (1989), “Tykho Moon” (1996) e “Immortal” (2004). Também fez dobradinha com Jacques Audiard (“O Declínio dos Homens” e “Um Herói Muito Discreto”) e participou de uma das melhores fantasias de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet, dublando um cérebro falante em “Ladrão de Sonhos” (1995). Essa dedicação ao cinema foi recompensada com outro papel importante no fôlego final de sua carreira. Trintignant viveu o marido octogenário e solitário, que opta pela morte misericordiosa de sua esposa (Emmanuelle Riva), após ela sofrer derrame em “Amor” (2012). O filme do austríaco Michael Haneke venceu a Palma de Ouro e o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. E rendeu ao astro veterano o César de Melhor Ator, que tantas vezes escapou de seu alcance. Sobre o filme, o ator disse ao Le Journal du Dimanche: “O personagem me emocionou enormemente. Como ele, estou no fim da minha vida. E como ele, penso muito em suicídio. Qualquer que seja o papel que Haneke queira me escalar a seguir, eu vou aceitar.” De fato, ele voltou a atuar para Haneke em “Happy End” (2014), antes de se despedir das telas com um último drama. O ator foi casado com a atriz Stéphane Audran, que o trocou pelo diretor Claude Chabrol – e depois os três filmaram juntos “A Corsas”. Sua segunda esposa, Nadine Marquand, também foi atriz, roteirista e diretora – e dirigiu o marido em alguns filmes. Eles tiveram três filhos: o diretor Vincent Trintignant, Pauline (que morreu no berço em 1969) e Marie Trintignant, que se tornou uma atriz de sucesso, antes de ser assassinada pelo namorado em 2003, aos 41 anos. Em 2018, Trintignant anunciou que tinha sido diagnosticado com câncer de próstata e não procuraria tratamento. Seu velho amigo, Claude Lelouch, o procurou na ocasião para fazer um filme-homenagem, “Os Melhores Anos de Uma Vida”, título perfeito para o reencontro final de um homem, uma mulher e um diretor. Em sua despedida das telas, Trintignant voltou a contracenar com Ainouk Aimée como um idoso tentando lembrar o grande amor de sua vida, com direito a flashbacks de cenas em que todos eram jovens encantados. “Envelhecer é apenas uma série de problemas”, disse ele em entrevista recente. “Mas, no final, foi bom eu ter permanecido vivo por tanto tempo. Eu pude conhecer muitas pessoas interessantes.”
Jacques Perrin (1941–2022)
O ator e cineasta francês Jacques Perrin, que emocionou o mundo ao estrelar “Cinema Paradiso”, morreu na quinta-feira (21/4) aos 80 anos em Paris, de causa não revelada, mas “em paz”, segundo comunicado da família. Com quase uma centena de filmes na carreira, Perrin apareceu pela primeira vez nas telas aos cinco anos de idade, como figurante em “Portas da Noite” (1946). Depois disso, só voltou ao cinema aos 16 anos, mas a partir daí nunca mais saiu da vista do público. Rapidamente, acumulou um punhado de clássicos do cinema francês, como “Os Trapaceiros” (1958), de Marcel Carné, e “A Verdade” (1960), de Henri-Georges Clouzot. Até estourar aos 20 anos com “A Garota da Valise” (1961), de Valerio Zurlini, seu primeiro trabalho como protagonista e também sua primeira produção italiana, em que contracenou com a icônica Claudia Cardinale. Perrin repetiu imediatamente a parceria com Zurlini em seu filme seguinte, “Dois Destinos” (1962), em que viveu o irmão caçula de Marcello Mastroianni. E com o sucesso passou a estrelar diversas produções italianas. Pouco tempo depois venceu a Coppa Volpi, como Melhor Ator do Festival de Veneza por seu papel no drama existencial “Um Homem Pela Metade” (1966), de Vittorio De Seta. Fez 30 longas só nos anos 1960, incluindo títulos históricos como o musical “Duas Garotas Românticas” (1967), de Jacques Demy, a comédia mod “Viver à Noite” (1968), de Marcel Camus, e o impactante drama político “Z” (1969), de Costa-Gavras, indicado ao Oscar de Melhor Filme. Costa-Gavras se tornou um de seus maiores parceiros. Perrin trabalhou durante uma década e em cinco filmes da fase mais polêmica do politizado cineasta grego, desde sua estreia em 1965, com “Crime no Carro Dormitório”. Além de estrelar, também produziu os trabalhos mais famosos do diretor: “Z”, “Estado de Sítio” (1972) e “Sessão Especial de Justiça” (1975), todos proibidos pela censura da ditadura militar no Brasil. Perrin tomou gosto pelo trabalho de produtor, e ao voltar a atuar para Zurlini, assegurou-se de ter um lugar atrás das câmeras de “O Deserto dos Tártaros” (1976), o que lhe rendeu o troféu David di Donatello (o Oscar italiano) como produtor do Melhor Filme do ano. Como ator, sua performance em “Cinema Paradiso” (1988) ainda é lembrada por ter levado o público mundial às lágrimas. Ele interpretou a versão adulta do menino Totó, criando um dos momentos mais tocantes da obra de Giuseppe Tornatore, numa homenagem à sétima arte. A parceria com o cineasta ainda se estendeu a “Estamos Todos Bem” (1990), mas logo em seguida Perrin passou a se dedicar cada vez mais aos bastidores, trabalhando como produtor, roteirista e diretor de séries e documentários, até relegar a atuação cinematográfica a pequenas participações. Ele chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Documentário como diretor do naturalista “Migração Alada” (2001) e venceu o César (o Oscar francês) da categoria por “Oceanos” (2009). Seu último trabalho como ator foi no filme “Goliath”, de Frédéric Tellier, lançado no mês passado na França, mas ainda deixou dois longas encaminhados como produtor.
Mari Törőcsik (1935–2021)
Mari Törőcsik, uma das atrizes mais célebres da Hungria, vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes e estrela de dois filmes indicados ao Oscar, morreu na sexta-feira (16/4) em Budapeste após uma longa enfermidade. Ela tinha 85 anos. Törőcsik se destacou logo na estreia, “Carrossel do Amor” (1956), aos 20 anos de idade, como uma camponesa que se apaixona por um menino camponês contra a vontade de seu pai. O filme de Zoltán Fábri teve première no Festival de Cannes e chamou atenção da crítica francesa para o talento da jovem. Então jornalista, o futuro diretor François Truffaut chegou a escrever em sua crítica do filme: “sem que a artista de 20 anos soubesse, ela era a maior estrela do festival”. Três anos depois, ela foi premiada como Melhor Atriz no Festival de Karlovy Vary, o mais importante do Leste Europeu, por “Kölyök” (1959), de Mihály Szemes e Miklós Markos, tornando-se rapidamente uma das atrizes mais requisitadas de sua geração. Ela trabalhou com os principais mestres do cinema húngaro, como Miklós Jancsó, Márta Mészáros, István Gaál, István Szabó, Gyula Maár, Károly Makk e o próprio Zoltán Fábri, em várias ocasiões. Uma de suas muitas parcerias com Fábri, “Esta Rua é Nossa” (1968), disputou o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, assim como uma de suas colaborações com Makk, “Cat’s Play” (1974),igualmente indicado ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA Em 1971, ela recebeu uma Menção Especial do Júri do Festival de Cannes por seu desempenho em “O Amor” (1971), outro drama de Makk, e no ano seguinte voltou a conquistar o prêmio de interpretação em Karlovy Vary, por “Holt Vidék” (1972), de Gaál. Mas foi somente em 1976, 20 anos após debutar na Croisette, que ela conquistou o prestigioso troféu de Melhor Atriz de Cannes pelo desempenho como uma atriz de teatro envelhecida em “A Locsei Fehèr Asszony”, de Gyula Maár. A parceria com Maár ainda lhe rendeu o troféu de Melhor Atriz no Festival de Taormina no ano seguinte, por “Teketória” (1977). Ao longo do último meio século, foram mais de 100 papéis cinematográficos, a grande maioria no cinema húngaro, mas ela também contracenou com astros de Hollywood, em filmes como “Muito Mais que um Crime” (1989), de Costa-Gavras, filmado nos EUA com Jessica Lange, “Corações Covardes” (1990), coprodução italiana estrelada por Keith Carradine, Miranda Richardson e Kristin Scott Thomas, e o premiado sucesso internacional de István Szabó, “Sunshine – O Despertar de um Século” (1999), protagonizado por Ralph Fiennes. Seu último trabalho foi lançado no ano passado, “Psycho 60”, um curta experimental dedicado a recriar a cena do chuveiro de “Psicose” com 60 atrizes diferentes, uma para cada take, nos 60 anos de lançamento do clássico de Alfred Hitchcock.
Governador do DF indica filme para Bolsonaro aprender o que é Estado de Sítio
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, rebateu uma fala de Jair Bolsonaro com a sugestão de um filme. O político, que supostamente também é bolsonarista, não gostou de ouvir de Bolsonaro que tinha decretado um “estado de sítio” em Brasília e sugeriu que o presidente assistisse ao clássico “Estado de Sítio”, de Costa-Gavras, para aprender como é “o terror de viver sob repressão”. Bolsonaro comparou o toque de recolher decretado por Ibaneis, para conter a transmissão do coronavírus, a um Estado de Sítio durante sua live de quinta (11/3). “Uma medida extrema dessa, só eu, o presidente da República, e o Congresso Nacional, poderiam tomar”, disse Bolsonaro, antes de fazer alusões cifradas à quebra-quebras e tumulto social (até aqui inexistentes) por todo o Brasil. “O presidente da República, Jair Bolsonaro, por quem eu tenho respeito e apreço, disse que o Distrito Federal está sob estado de sítio. Desta vez eu discordo dele. O DF está sim com restrição na mobilidade das pessoas a partir de 22h por uma medida sanitária”, escreveu Ibaneis Rocha no Twitter. “O objetivo é claro, reduzir a disseminação do coronavírus”, acrescentou. Na sequência, Ibaneis indicou o filme de 1972, que retratou uma situação real. Em 1970, o cônsul brasileiro Aloysio Gomide e o agente da CIA Dan Mitrione foram sequestrados em Montevidéu, no Uruguai, pelo Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, organização terrorista uruguaia. O americano foi executado e Gomide só foi libertado sete meses depois, após o governo uruguaio concordar em suspender um estado de sítio que tinha decretado no país. “Quem quiser saber o que é o terror de viver sob repressão, recomendo que veja o filme ‘Estado de Sítio’, de Costa Gravas, lançado em 1972”, afirmou Ibaneis, incluindo até um link para uma cópia (possivelmente pirata) da obra no YouTube. Apesar do uso como ferramenta pedagógica, há uma ironia histórica na citação ao longa, que foi proibido pela Ditadura no Brasil, assim como todos os longas de Costa-Gavras desde “Z” (1969), sobre censura e acobertamento de crimes políticos por militares. O cineasta grego foi o diretor mais censurado do regime que Bolsonaro costuma idolatrar. “Estado de Sítio” só foi exibido nos cinemas brasileiras quase uma década após seu lançamento e sob ameaça de bombas, após o último general-presidente, Figueiredo, anunciar a “abertura política” (“É pra abrir mesmo. Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!”), em meio à vários atentados terroristas de grupos que não queriam abrir mão de dizer o que os brasileiros podiam ver, falar e fazer. O objetivo é claro, reduzir a disseminação do Coronavírus. Quem quiser saber o que é o terror de viver sob repressão, recomendo que veja o filme Estado de Sítio, de Costa Gravas, lançado em 1972, e que está na íntegra e com legendas no YouTube: https://t.co/GauTW3ToSj (2/2) — Ibaneis Oficial (@IbaneisOficial) March 12, 2021
Michel Piccoli (1925 – 2020)
Michel Piccoli, um dos atores mais importantes do cinema da França, morreu na semana passada (1/5), aos 94 anos de idade. A notícia só se tornou pública nesta segunda-feira (18/5), em comunicado da família à imprensa. Responsável por papéis inesquecíveis em dezenas de clássicos, Piccoli morreu de um acidente vascular cerebral, segundo declaração da família. Também produtor, diretor e roteirista, Michel Piccoli deixou uma obra com mais de 200 títulos em uma carreira que abrangeu sete décadas de cinema, além de papéis na televisão e teatro, ao longo das quais colaborou com mestres da estatura de Alfred Hitchcock, Henri-Georges Clouzot, Jacques Rivette, Costa-Gavras, Luis Buñuel, Jean Renoir, René Clément, Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Agnès Varda, Jacques Demy, Marco Ferreri, Mario Bava, Manoel de Oliveira, Theodoros Angelopoulos, Nani Moretti, Marco Bellocchio e Louis Malle. O reconhecimento a seu talento foi atestado por uma profusão de prêmios, incluindo o de Melhor Ator no Festival de Cannes – pela atuação em “Salto no Escuro” (1980), de Bellocchio. Nascido em Paris em 27 de dezembro de 1925, ele era filho de músicos – a mãe era pianista e o pai um violinista suíço. Mas apesar de estrear nas telas aos 20 anos, em uma breve figuração em “Sortilégios” (1945), de Christian-Jaque, sua carreira demorou para engatar, o que só aconteceu depois de uma década, em filmes como “French Can Can” (1955), de Renoir, e “O Calvário de uma Rainha” (1956), de Jean Delannoy. Mas o que o tirou dos papéis de coadjuvantes foi sua amizade com Buñuel. “Escrevi para esse diretor famoso pedindo que ele viesse me ver em uma peça. Eu, um ator obscuro! Era a ousadia da juventude. Ele veio e nos tornamos amigos”, Piccoli contou, em uma entrevista antiga. O ator apareceu em seis filmes de Buñuel, geralmente representando uma figura autoritária. A primeira parceria se manifestou em 1956, como um padre fraco e comprometido, que viajava pelas florestas brasileiras em “A Morte no Jardim”. Em “O Diário de uma Camareira” (1964), viveu o preguiçoso e lascivo monsieur Monteil, obcecado sexualmente por Jeanne Moreau, intérprete da empregada do título. E num de seus principais desempenhos, deu vida a Louche, o cavalheiro burguês responsável pela transformação de Catherine Deneuve em “A Bela da Tarde” (1967). No filme, a atriz vivia a esposa de um médico respeitável que era convencida por Louche a passar as tardes trabalhando em um bordel de alta classe com clientes excêntricos. Piccoli reprisou o papel quase 40 anos depois, em “Sempre Bela” (2006), de Manoel de Oliveira. Para Buñuel, ainda encarnou um versão charmosa do Marquês de Sade em “Via Láctea” (1969), foi sutilmente dominador como secretário do Interior em “O Discreto Charme da Burguesia” (1972) e sinistro como chefe da polícia no penúltimo filme do diretor, “O Fantasma da Liberdade” (1974). Durante esse período, Piccoli fez parte da cena dos cafés filosóficos de Paris, que incluía os escritores Boris Vian, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, além da cantora Juliette Gréco, com quem se casou em 1966 – separaram-se em 1977. Ele também se tornou um membro ativo do partido comunista francês. Os anos 1960 foram sua década mais criativa e variada, em que se juntou à novelle vague, atuando em obras memoráveis. Seu primeiro papel de protagonista no movimento que revolucionou o cinema francês foi como o marido de Brigitte Bardot em “O Desprezo” (1963), de Godard. No filme, ele interpreta um roteirista disposto a vender a própria esposa a um produtor (Jack Palance) para que seu roteiro saísse do papel e virasse filme dirigido por Fritz Lang (interpretado pelo próprio). Entre suas performances em clássicos da nouvelle vague ainda se destacam “A Guerra Acabou” (1966), de Alain Resnais, e “As Criaturas” (1966), de Agnès Varda. Mas Piccoli se projetou mais com sucessos de público, como “O Perigoso Jogo do Amor” (1966), de Roger Vadim, na qual contracenou com a americana Jane Fonda, o filme de guerra de René Clement “Paris Está em Chamas?” (1966), e principalmente o clássico musical “Duas Garotas Românticas” (1967), de Jacques Demy. A carreira do astro francês se internacionalizou após o filme de Demy, que chegou a ser indicado ao Oscar. Em 1968, ele estrelou a cultuada adaptação de quadrinhos italianos “Perigo: Diabolik” (1968), de Mario Bava, como o policial que tenta prender o criminoso do título. E no ano seguinte começou sua parceria de sete filmes com outro mestre italiano, Marco Ferreri – iniciada por “Dillinger Morreu” – , sem esquecer sua estreia em produções de língua inglesa, no suspense “Topázio”, de ninguém menos que Alfred Hitchcock. A consagração continuou nos anos 1970, marcada pelo principal e mais escandaloso filme de Ferreri, “A Comilança” (1973), e por uma das melhores obras de Chabrol, o noir “Amantes Inseparáveis” (1973). Com a fama adquirida, ele aproveitou para começar a produzir – a partir de “Não Toque na Mulher Branca” (1974), outra parceria com Ferreri. Piccoli também integrou a produção norte-americana de Louis Malle, “Atlantic City” (1980), estrelado por Burt Lancaster e Susan Sarandon, fez “Paixão” (1982), de Godard, e trabalhou com Marco Belocchio (em “Salto no Escuro” e “Olhos na Boca”) e Jerzy Skolimowski (“O Sucesso É a Melhor Vingança”), antes de viver o vilão que ajudou a lançar um dos principais nomes da geração de cineastas dos anos 1980. Premiado no Festival de Berlim, “Sangue Ruim” (1986) deslanchou a carreira de Leos Carax (então em seu segundo longa) e popularizou mundialmente a atriz Juliette Binoche. A lista de papéis clássicos não diminuiu com o tempo, rendendo “Loucuras de uma Primavera” (1990), de Malle, e “A Bela Intrigante” (1991), de Jacques Rivette, em que pintou – e consagrou – a nudez de Emmanuelle Béart. Sua trajetória teve muitas outras realizações, novas parcerias com Rivette, filmes com Édouard Molinaro, Jean-Claude Brisseau, Raoul Ruiz, Bertrand Blier, mais Manoel de Oliveira, dezenas mais. Tanta experiência o levou a escrever e dirigir. Ele assinou três longas, um segmento de antologia e um curta, mas apenas um repercutiu entre a crítica – “Alors Voilà” (1997). Como intérprete, porém, não lhe faltou consagração, incluindo o David di Donatello (o Oscar italiano) de Melhor Ator por um de seus últimos papéis, como papa em “Temos Papa” (2011), de Nani Moretti. Outros desempenhos importantes no final de sua carreira incluem o último longa do grego Theodoros Angelopoulos, “Trilogia II: A Poeira do Tempo” (2008). E após ser homenageado pela Academia Europeia de Cinema com um troféu pela carreira, ainda emplacou três lançamentos premiados em 2012: “Vocês Ainda Não Viram Nada!”, de Resnais, “Holy Motors”, de Carax, e “Linhas de Wellington” (2012), de Valeria Sarmiento. A despedida das telas se deu logo em seguida, com “Le Goût des Myrtilles” (2014), de Thomas De Thier. Ele deixa sua terceira esposa, a roteirista Ludivine Clerc, com quem se casou em 1978, e sua única filha, Anne-Cordélia, fruto de seu primeiro casamento com Eléonore Hirt.






