Ensaio poético de Laurie Anderson faz de Coração de Cachorro um fluxo de maravilhas
Laurie Anderson, uma artista que já trafegou por diversos tipos de arte, inclusive o rock, abre seu coração e expõe, com seu talento, seus sentimentos de luto sobre a perda de sua cachorra, Lolabelle, e sobre outras perdas que a afligiram, de uma maneira ou de outra, como a perda da mãe e o sentimento que atingiu todos os americanos depois do ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. “Coração de Cachorro” é um desses trabalhos singulares, que combina documentário pessoal e animação para adotar um tom ensaístico, lembrando até um pouco o olhar de Jean-Luc Godard em “Adeus à Linguagem” (2014), mas que tem uma identidade bem própria, até por ser mais acessível, com o uso de suas referências intelectuais – a filósofos como Kirkegaarde e Wittgenstein – de forma mais ilustrativa. Não funcionam exatamente como hipertextos, já que o que mais importa é o sentimento das histórias de Anderson. E essas histórias são fascinantes. Não apenas a de Lolabelle, os seus últimos dias na Terra e a ligação que a diretora faz, de modo fascinante com o “Livro Tibetano dos Mortos”, entre outros momentos memoráveis, mas também as reflexões sobre momentos de sua infância e adolescência, experiências que ela costura de maneira muito sutil e elegante ao longo da narrativa. O processo criativo da diretora pode causar confusão sobre o porquê de determinados assuntos serem abordados, como a questão das câmeras escondidas, do quanto os Estados Unidos guardam de dados sobre todos seus cidadãos, mas aos poucos se percebe o quanto isso se liga com a história de Lolabelle. Ainda assim, algumas coisas ficam um pouco soltas na teia que ela constrói, como a morte de irmãos gêmeos amigos dela. Mas até isso ajuda a passar a ideia de que o filme adota um fluxo de consciência, semelhante ao usado por escritores como Virginia Woolf, James Joyce e Clarice Lispector. Essa fluidez, por sinal, é um dos maiores trunfos do filme. Também a mistura de música (de autoria da própria Anderson, exceto a canção final, de Lou Reed) com poesia escrita e visual é admirável, bem como a delicadeza com que assuntos espinhosos são tratados. O maior exemplo é a relação da diretora com sua mãe. No fim das contas, a reconciliação, a partir de uma forte lembrança de infância, acaba sendo um dos momentos mais líricos e emocionantes do filme. No mais, além de o uso da fotografia e do som serem muito sofisticados, há tanta coisa que o filme ensina ou lembra: sobre o bardo, sobre o olhar dos cães, sobre as lembranças que nós mesmos tratamos de apagar por serem muito dolorosas, e o mais bonito de tudo, sobre a morte ter uma ligação direta com o amor. Por tudo isso, é um trabalho maravilhoso.
Esquadrão Suicida estreia em número recorde de salas no Brasil
O lançamento de “Esquadrão Suicida” vai ocupar o maior número de salas de um lançamento no Brasil neste ano. O longa, que teve uma “pré-estreia” paga em mais de 800 salas na quarta (3/8), entra agora em seu circuito completo: 1.405 salas, incluindo um total de 912 telas 3D e todas as 12 de IMAX no país. O recorde pertence a “Star Wars: O Despertar da Força”, lançado em dezembro passado em 1.504 salas. Vale lembrar que quando “Jogos Vorazes: Em Chamas” foi lançado em 1310 salas em 2014, o impacto no circuito gerou reuniões, deliberações e ameaças da Ancine, que renderam um compromisso nunca levado a sério para impedir que isso voltasse a se repetir. Neste ano, “Batman vs. Superman”, também da Warner, já tinha sido lançado em 1331 salas. A tática da Warner é a mesma do filme anterior: tentar conquistar a maior bilheteria possível na arrancada, de preferência com algum recorde, já que a crítica odiou o filme. Apesar da antecipação alimentada por alguns dos melhores trailers do ano, “Esquadrão Suicida”, infelizmente, é uma grande decepção, que só atingiu 31% de aprovação no site Rotten Tomatoes (22% se considerar apenas as publicações relevantes, isto é, sem a opinião dos blogueiros geeks). Com os desastres se acumulando, não será surpresa se vier uma intervenção pesada nas produções de super-heróis do estúdio. Com quase 50% das salas do país inteiro ocupadas por um único filme, o segundo maior lançamento da semana chegará em apenas 85 telas. Trata-se de “Negócio das Arábias”, novo drama estrelado por Tom Hanks (“Ponte dos Espiões”). Com 70% de aprovação no Rotten Tomatoes, o filme segue um empresário à beira da falência, que viaja até a Arábia Saudita em busca de um último negócio que pode salvar sua carreira. Outro filme americano escanteado, a comédia “A Intrometida” traz Susan Sarandon em 20 salas, como uma mãe inconveniente que quer voltar a conviver com a filha (Rose Byrne, de “Os Vizinhos”), fazendo de tudo para encontrar-lhe um marido e sufocando-a com amor maternal. Os críticos americanos adoraram, com 86% de aprovação no Rotten Tomatoes. O circuito limitado também espreme três produções nacionais. Em 29 salas, “Vidas Partidas” aborda a violência doméstica em estilo televisivo, na estreia do diretor Marcos Schechtman. 11 salas passam “Fome”, de Cristiano Burlan (“Mataram Meu Irmão”), que acompanha um sem-teto (o cineasta Jean-Claude Bernardet) pelas ruas de São Paulo. E 5 mostram “A Loucura Entre Nós”, documentário que explora as fronteiras entre a sanidade e a loucura. A programação inclui ainda duas produções europeias. A comédia francesa “Um Amor à Altura”, do especialista no gênero Laurent Tirard (“As Férias do Pequeno Nicolau”), mostra em 25 salas como o baixinho Jean DuJardin (“O Artista”) se apaixona por uma mulher alta. Já o filme belga “Os Cavaleiros Brancos” dramatiza um caso real polêmico, ao acompanhar um grupo de “salvadores” brancos que contrabandeia ilegalmente crianças órfãs africanas para lares adotivos da França. Segundo melhor filme da semana, rendeu o prêmio de Melhor Direção para Joachim Lafosse (“Perder a Razão”) no Festival de San Sebastian e será exibido apenas em duas salas de São Paulo. Por fim, o melhor filme da semana é uma produção mexicana, que chega em sete salas (pulverizado entre São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte). “O Monstro de Mil Cabeças” rendeu diversos prêmios ao diretor Rodrigo Plá (“Zona do Crime”) e à atriz Jana Raluy (“Despedida de Amor”), em festivais como Varsóvia, Havana e Biaritz, além de ter vencido o troféu Ariel (o Oscar mexicano) de Melhor Roteiro de 2016. A trama gira em torno de uma mulher (Raluy), que tenta garantir o melhor tratamento ao marido doente, em estado terminal. Quando a companhia de seguros dificulta o atendimento, ela resolve confrontá-los violentamente. Com 89% de aprovação no Rotten Tomatoes, este é o verdadeiro filme de supervilões da semana, mostrando médicos, farmaceutas e burocratas estimulados a rejeitar pacientes para que os planos de saúde rendam lucro, em vez de tratamentos. O pior crime, cometido por verdadeiros monstros contra os mais fracos e inocentes.

