Goran Paskaljević (1947 – 2020)
O diretor sérvio Goran Paskaljević, que realizou 18 filmes, incluindo os premiados “Tango Argentino” e “Barril de Pólvora”, morreu na sexta-feira (25/9) em Paris, de câncer de pulmão, aos 73 anos. A doença não o impediu de terminar seu último filme, “Nonostante la Nebbia”, que foi rodado na Itália no ano passado. Nascido em Belgrado em 22 de abril de 1947, Paskaljević estudou cinema na Tchecoslováquia na ilustre escola FAMU durante a primavera de Praga. Lá, ele fez seus primeiros curtas-metragens, enfrentando a censura comunista por seus temas de compaixão pelos desprezados pelo sistema. Após a invasão soviética em Praga, em 1968, ele teve a carreira interrompida e retornou à então Iugoslávia, só lançando seu primeiro longa oito anos depois, o drama “Beach Guard in Winter” (1976), que competiu em Berlim e lhe renceu o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema de Pula. A obra foi co-escrita por Gordan Mihić, que se tornou seu parceiro de roteiro de longa data. Os filmes de Paskaljević geralmente traçavam a vida de pessoas comuns em circunstâncias dramáticas e se tornaram sucessos no circuito dos festivais internacionais. Quatro de seus filmes tiverem première em Cannes: “Special Treatment” (1980), “Guardian Angel” (1987), “Time of Miracles” (1989) e seu único filme ambientado nos EUA, “Someone Else’s America” (1995). E “Tango Argentina” (1992) ganhou o prêmio do público em Veneza. Com o tempo, o humor gentil de seus primeiros trabalhos deu lugar à ironia e tragédia sombrias, mas sempre de forma a defender os oprimidos, fossem crianças, deficientes, judeus, ciganos ou imigrantes. Embora ele sempre tenha se negado a se definir como um cineasta político, ele também admitiu que “não se pode evitar a política”, e repetidamente seus trabalhos e entrevistas irritaram os nacionalistas da antiga Iugoslávia. Com o desmembramento do país e a onda crescente de nacionalismo na Sérvia, Paskaljević e sua esposa, Christine Gentet-Paskaljević, mudaram-se para Paris em 1992 e ele tornou-se um cidadão francês. Ele só voltou para casa em 1998 para filmar o memorável “Barril de Pólvora”, que capturou a violência nas ruas de Belgrado e venceu o prêmio da crítica em Veneza e no European Film Awards. Seus filmes posteriores, muitos dos quais ele mesmo escreveu, dirigiu e produziu, mantiveram o padrão elevado, com destaque para a produção irlandesa “How Harry Became a Tree” (2001) e o alegórico “Midwinter Night’s Dream” (2004), que criticou corajosamente o papel da Sérvia na guerra dos Balcãs. Entre seus filmes finais estão “When Day Breaks” (2012), em que um professor judeu aprende sobre seu passado, e “Land of the Gods” (2016), ambientado na Índia. Assim como o derradeiro longa, “Nonostante la Nebbia”, todos tiveram première no Festival de Valladolid, na Espanha.
Dusan Makavejev (1932 – 2019)
O diretor e roteirista sérvio Dusan Makavejev, responsável por clássicos provocantes como “W.R. – Mistérios do Organismo” (1971) e “Montenegro” (1981), morreu na sexta-feira (25/1) em Belgrado, aos 86 anos. Makavejev foi um dos pioneiros da escola cinematográfica Black Wave que surgiu na antiga Iugoslávia no início dos anos 1960. Seus filmes empregaram provocação subversiva, sensualidade e humor para comentar e denunciar elementos cotidianos da vida sob o governo socialista autoritário de Tito. Muitos de seus trabalhos foram banidos na Iugoslávia e resultaram na sua saída do país para viver e filmar na Europa ocidental e na América do Norte. Seus filmes, conhecidos por cenas de nudez e sexo explícito, muitas vezes centravam-se na liberação sexual de uma personagem feminina. “Você descobre que não há nada tão engraçado, tão louco, tão perigoso, excitante e problemático quanto o sexo”, disse ele certa vez. Seus problemas com os censores comunistas começaram em 1958, com dois curtas-metragens, o erótico “Don’t Believe in Monuments” e “Damned Holiday”. Este último foi admirado pelo cineasta escocês John Grierson, o que pavimentou o caminho para sua exibição na televisão escocesa, dando início à notoriedade internacional de Makavejev. Mas quanto mais se tornava conhecido no exterior, mais ele foi censurado em casa. Sua peça “The New Men of Flower Market” foi tirada de cartaz à força em 1962 e, durante o mesmo ano, outro curta, “Parade”, foi proibido por ser “desrespeitoso”. Era uma mistura louca de música, fotografias e citações, todas satirizando a pompa bombástica da máquina militar soviética. E então começaram os longas. O primeiro foi “O Homem Não É um Pássaro” (1965), que explorava amor e sexo numa cidade mineira, sob a sombra do comunismo, e introduziu um estilo de abordagem de falso documentário que, após se aprimorar em “Um Caso de Amor ou o Drama de uma Empregada da Companhia Telefônica” (1967), se tornaria marca registrada de seu cinema. O auge desse estilo materializou-se em seu terceiro longa, “W.R. – Mistérios do Organismo” (1971), que deu o que falar. O filme começava como uma investigação sobre as controvertidas teorias sexuais do psicanalista radical Wilhelm Reich, antes de implodir em uma narrativa livre sobre a liberação sexual, zombando de tudo, incluindo o culto a Stalin e a visão da 2ª Guerra Mundial entre os soviéticos. “WR” foi considerada a crítica mais intensa da Revolução bolchevique produzida em um país comunista, e acabou premiado pela crítica no Festival de Berlim. Seu reconhecimento internacional culminou em seu exílio. “A melhor maneira de descrever o que aconteceu é que fui gentilmente expulso da Iugoslávia”, ele disse ao jornal Los Angeles Times em 1981. Para seu próximo longa, “Um Filme Doce” (1974), Makavejev buscou financiamento de estúdios franceses, com apoio do cineasta Louis Malle. Mas a violência e a sexualidade animal da obra assustaram até os produtores. O fiapo de trama acompanha uma Miss Canadá virgem que embarcava numa jornada de depravação surreal pela Europa, com cenas de vômito e defecação e onde nem o Holocausto escapava. Em sua crítica, a revista Time afirmou que, apesar do título, aquilo não era um filme, mas “uma doença social”. A controvérsia aumentou seu prestígio e Makavejev arranjou emprego como professor de cinema na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1978. Foi onde encontrou o produtor sueco Bo Jonsson, que lhe sugeriu uma mudança de trajetória, provocando-o a fazer uma comédia leve e de apelo popular, com um título como “Casablanca”. Ele ironizou a sugestão, dizendo que faria algo de nome similar, “Montenegro”, citando a região montanhosa da Iugoslávia que se tornaria independente em 2006. Produzido por Jonsson e filmada na Suécia, “Montenegro” acabou virando o maior sucesso comercial da carreira de Makavejev. Comédia de humor negro, acompanhava uma entediada dona de casa americana (Susan Anspach) em Estocolmo, que tem uma aventura com um grupo de ciganos iugoslavos. As cenas incluem sexo selvagem com um deles, chamado, justamente, de Montenegro, além de uma famosa sequência envolvendo vibradores. O final “engraçado” era a transformação da dona de casa em serial killer. Ele tentou se tornar mais comercial em seu filme seguinte, “Coca-Cola Kid” (1985), bancado por produtores australianos e estrelado por Eric (irmão de Julia, pai de Emma) Roberts no papel de um jovem executivo de marketing da Coca-Cola que tenta entender porque uma comunidade australiana preferia refrigerantes locais à marca multinacional. Com menos sexo que o habitual – envolvendo uma secretária vivida pela italiana Greta Scacchi – , acabou não tendo a mesma repercussão e sucesso. Seu único filme americano também foi contido. “Manifesto por uma Noite de Amor” (1988), adaptação de Émile Zola, era uma farsa sobre a tentativa de assassinar um tirano europeu, numa cidadezinha obcecada por sexo. Com a queda do comunismo nos anos seguintes, ele voltou para o Leste Europeu para filmar seu último longa de ficção, “Gorilla Bathes at Noon” (1993), enquanto seu país se dilacerava em guerras étnicas e territoriais. Ele ainda participou de uma antologia com o provocante título “Danish Girls Show Everything” (garotas dinamarquesas mostram tudo) e assinou sua última obra em 1994, o documentário “A Hole in the Soul”, que era parte autobiografia, parte meditação sobre a luta da identidade nacional iugoslava, ilustrando como a morte violenta da sua pátria deixou-o sentindo-se roubado de sua alma. Em uma entrevista de 2000, Makavejev explicou que tinha virado cineasta para tentar dar sentido ao mundo. “É muito difícil dizer o que faz você se envolver com o cinema. Os filmes sempre nos seguem como um material de referência ou como algum tipo de material onírico para lidar com coisas que não entendemos em nossas vidas. Os filmes nos dão soluções ou fornecem um comentário sussurrante sobre o que está acontecendo ao nosso redor”.

