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Jonas Mekas (1922 – 2019)
Morreu o cineasta Jonas Mekas, ícone da vanguarda nova-iorquina e um dos grandes pioneiros na luta pela preservação de filmes independentes clássicos. Ele faleceu nesta quarta (23/1), aos 96 anos. O diretor Martin Scorsese assinou um longo texto para louvar o colega e amigo, dizendo que “Jonas Mekas fez e significou tanto para tantas pessoas no mundo do cinema que você precisaria de um dia e uma noite apenas para começar a falar dele”. E começou: “Ele era um profeta. Ele era um empresário. Ele foi um provocador no sentido mais verdadeiro e fundamental – ele provocou as pessoas em novas maneiras de pensar sobre o que uma imagem era, o que era um corte, o que era um filme, o que era compromisso. Quem foi mais comprometido do que Jonas com a arte do cinema? Eu me pergunto”. Nascido na Lituânia, Mekas foi um agitador cultural que trabalhou no jornal The Village Voice, fundou a célebre revista Film Culture e se tornou um dos grandes nomes do cinema experimental, firmando parcerias com artistas como Andy Warhol, John Lennon e Yoko Ono, Allen Ginsberg e Salvador Dalí. Seu primeiro longa, “Guns of the Trees” (1961), acompanhava uma mulher suicida enquanto pessoas tentavam dissuadi-la. Em 1964, ele venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes por “The Brig”, sobre o cotidiano de uma prisão de fuzileiros navais no Japão. Também filmou inúmeros curtas sobre seus amigos Dali, Lennon, Warhol, Ginsberg, José Luis Guerín, etc., num período que se estendeu por cinco décadas, de 1964 a 2013. Entre sua vasta filmografia, destaca-se seu trabalho como diretor de fotografia de “Empire”, o filme em preto e branco de oito horas de duração de Andy Warhol, que não era nada mais que um registro estático do edifício Empire State. Ele ainda registrou o famoso bed-in, como se chamou o protesto pela paz do casal Lennon e Ono, e imagens raras da banda Velvet Underground, de Lou Reed. Apaixonado por cinema, Mekas também realizava exibições especiais e chegou a ser preso em 1964 por conta de uma delas, quando programou uma sessão dupla gay com “Flaming Creatures” (terror sexualmente explícito de 1963), de Jack Smith, e o curta “Canção de Amor” (1950), de Jean Genet. Mas talvez sua maior contribuição ao mundo cinematográfico tenha sido a fundação em 1970 do Anthology Film Archives, descrito como “o centro internacional para a preservação, estudo e exibição de filmes e vídeos, com um foco particular em cinema independente, experimental e de vanguarda”. Prestes a completar 50 anos, o Anthology Film Archives existe até hoje e, por iniciativa própria, restaurou e preservou quase mil filmes, numa média de 25 por ano. “Eu tenho tantas lembranças maravilhosas de Jonas, memórias de momentos em que eu podia sentir o chão mudando sob meus pés”, escreveu Scorsese. “Houve a exibição de ‘Scorpio Rising’ (1963) que ele organizou no centro da cidade, reunindo toda a comunidade underground de Nova York. Houve a vez em que ele e seu irmão Adolfas vieram ao meu hotel, depois que ‘Caminhos Perigosos’ (1973) passou no Festival de Nova York, com pêssegos e champanhe para me receber na família do cinema”, contou o cineasta, que ainda lembrou a última vez que o viu. “Ele discordava apaixonadamente da ideia de que a tecnologia nova e barata desencadearia o caos e marcaria a morte do cinema: ‘Não é a morte do cinema, é o nascimento do cinema! Com todas essas novas ferramentas, imagine a liberdade para os jovens experimentarem – pode haver Mozarts por aí!!’” “Jonas sempre foi alegre, sempre esperançoso. Foi alguém que realmente se dedicou de verdade e sinceramente ao que ele amava. Acho que estamos apenas começando a entender o quanto ele nos deu”, concluiu.
Rei transforma narrativa de épico histórico em cinema experimental
Quem tem o hábito de ver muitos filmes, tem hora que se cansa da repetição de temas, de personagens e, principalmente, da forma de tratá-los. Além de encontrar com frequência os mesmos atores e atrizes em papéis principais, sobretudo na produção de países dominantes no cinema, como Estados Unidos e França. As narrativas clássicas, que contam uma história com começo, meio e fim, nessa ordem, com finais felizes, estão em baixa. No entanto, recursos como ir e voltar no tempo ou misturar o real com o imaginado, sonhado ou desejado, não chegam a alterar muita coisa. A forma como os conflitos são resolvidos, correndo contra o tempo até o último minuto, já se tornou algo insuportável. Finais muito abertos e indefinidos nem sempre acrescentam algo ao espectador, além de confundi-lo. E por aí vai. Há grandes cineastas de talento que, usando a narrativa clássica, aliada à criatividade no uso das câmeras, no modo de filmar, produzem grandes obras. Em todo caso, é bom buscar novidades e estar aberto a provocações. Nem tudo o que é novo é bom, é claro, mas não custa conferir. Tudo isso a propósito de um filme experimental que chegou aos cinemas e que merece atenção. “Rei”, do chileno Niles Atallah, tem uma narrativa fragmentada, como a história que ele conta. Aborda um personagem francês, um aventureiro, que em 1860 partiu para a região de Araucanía, no sul do Chile, com a intenção de formar um reino e dele se tornar rei. Supostamente, com o aval do chefe indígena da região. Ao chegar lá, com a ajuda de um guia, descobre que esse chefe está morto e fica difícil justificar sua viagem diante do governo chileno, que o prende e o acusa de usurpação indevida de território e traição ao país, ainda que a região pretendida pelo aventureiro fosse inóspita e estivesse nas mãos dos indígenas. Teriam eles o direito de sagrá-lo rei de Araucanía e Patagônia? É uma história estranha, misto de realidade, fantasia, delírio. Uma coisa de sonhos, memórias perdidas, fantasmagorias. Registros precários e lendas sobre um estranho rei: Orélier-Antoine de Tounens. Para penetrar nessa curiosa e inusitada trama, em que faltariam muitos pedaços, o diretor de “Rei” se utiliza de sofisticadas filmagens, produzidas como filmes antigos, cheios de bolas, borrões, riscos, imperfeições na tela. Inclui fragmentos de filmes realmente existentes? Talvez. Mas não importa. Cria-se um mundo ilusório de pesquisa imagética, com referências a um passado remoto, anterior à criação do cinema. E filma-se, também, o que seria a reconstrução da saga do viajante francês em encenações atuais, com boa qualidade de imagens. O suposto julgamento pelo governo chileno é encenado com os personagens cobertos por máscaras grossas, o que impede qualquer representação realista dos supostos fatos. Descaracteriza a representação cênica dos atores, que fica resumida a bonecos falantes. O filme alterna esses fragmentos narrativos e as diferentes formas filmadas, sem pretender chegar a contar uma saga coerente ou completa. Mas reconstrói, ao menos parcialmente, a lenda e vai além da simples loucura ou delírio extravagante, para se perguntar: o que há de relevante e coerente em tudo isso? O que significa uma figura como essa, que ocupa a cena, quando já estaria desaparecendo de qualquer registro ou memória, se não fosse resgatada em um filme? Esse resgate é importante? Por quê? Enfim, não se trata de uma busca de respostas. Mas, sim, de um exercício de investigação e recuperação da memória e dos sonhos, matéria prima do humano e do coletivo. “Rei” foi vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse, na França, em 2017.



