Um Amor Impossível acompanha evolução feminina por meio século
Pelo título, “Um Amor Impossível”, de Catherine Corsini, parece uma dessas obras bem água com açúcar, mas o que temos aqui é uma verdadeira pedrada, que trata não apenas da relação entre um homem e uma mulher, mas também da evolução da mulher ao longo de algumas décadas, começando no final dos anos 1950. A história é contada por Chantal (Jehnny Betty, na fase adulta) e a personagem principal é sua mãe, Rachel (Virginie Efira, que vive a mesma personagem desde a tenra juventude até a velhice, o que é sempre um risco). A princípio, o foco da narrativa, baseada no best-seller de Christine Angot, gira em torno do relacionamento entre Rachel e Philippe (Niels Schneider). Ela vem de classe mais humilde da sociedade; ele é um rapaz que conseguiu escapar da guerra da Argélia por causa de influências de sua família, rica e culta. A relação dos dois parece correr muito bem, mas Rachel fique triste quando Philippe revela que tem entre seus princípios jamais se casar. E essa decisão não muda nem mesmo quando Rachel se descobre grávida. Mas a posição covarde de Philippe em não reconhecer oficialmente a paternidade se torna até pequena diante do que o filme ainda guarda para a pobre mãe solteira. Embora a figura de Philippe continue sendo de fundamental importância para a história, aparecendo para visitar a filha e Rachel de vez em quando, “Um Amor Impossível” se transforma em um filme sobre a relação de proximidade entre mãe e filha, e sobre o quanto o pai distante fará parte da vida da jovem. A cineasta Catherine Corsini vem de um belo filme sobre a relação afetiva entre duas jovens mulheres – “Um Belo Verão (2015) – e volta a mostrar um cinema interessado em lidar com as questões do lugar da mulher no mundo moderno. Sua nova protagonista é por demais sofrida, seja por causa de uma paixão não correspondida, seja pela sociedade que não vê com bons olhos uma mãe solteira. Nesse sentido, é também um modelo da evolução do papel da mulher na sociedade ocidental (ou pelo menos francesa) entre o século 20 e o início do 21.
Um Belo Verão mostra romance lésbico nos anos 1970
O trabalho da diretora francesa Catherine Corsini ainda é pouco no Brasil, embora dois de seus filmes mais recentes tenham aportado por aqui em circuito reduzido, casos de “Partir” (2009) e “3 Mundos” (2012). Desta vez, além da curiosidade dos cinéfilos, “Um Belo Verão” ainda pode atrair um público interessado em histórias sobre relações homoafetivas. Não que “Um Belo Verão” seja um novo “Azul É a Cor Mais Quente” (2013). Trata-se de um trabalho bem mais modesto, inclusive na produção, que se passa na década de 1970, mas que não gasta muito dinheiro na recriação de época, pois a maior parte da ação se passa no campo, onde mora uma das protagonistas: Delphine (Izïa Higelin, de “Samba”), uma jovem que tem preferência por mulheres. Sua partida para estudar em Paris faz com que ela descubra um novo mundo, mas o que mais a interessa é mesmo a agitadora feminista Carole, vivida por Cécile De France, revelada em filmes tão distintos quanto “Albergue Espanhol” (2002) e “Alta Tensão” (2003). Em “Um Belo Verão”, ela vive com o namorado, que apoia suas causas, mas que logo percebe que está a perdendo para outra mulher. Delphine vem chegando de mansinho para transformar o que seria apenas uma aventura, de experimentar algo diferente, em uma paixão arrebatadora. E talvez o problema maior do filme seja esse: essa paixão não é devidamente passada para o lado de cá da tela. Tudo transcorre de maneira muito calma e harmoniosa. Não que isso seja um grande problema, principalmente quando o filme mostra os belos corpos nus das moças, seja nos quartos, seja em espaços abertos. Além do mais, em nenhum momento “Um Belo Verão” é um filme aborrecido. É sempre muito simpático e agradável. Mas a diretora prefere uma abordagem mais, digamos, resumida. O mérito do filme está na forma como as duas atrizes se doam para as personagens, mais do que no roteiro simples, escrito pela própria Corsini em parceria com a estreante Laurette Polmanss. De todo modo, o filme vai ficando mais interessante e divertido quando Delphine volta para o campo por causa de um problema de saúde do pai, e a namorada mais velha, louca de paixão, decide indo atrás, causando um pouco de confusão naquela comunidade tradicional, nada acostumada a relacionamentos entre duas mulheres. Em certo momento, Delphine tem que decidir entre a família e a namorada. E isso não é fácil.
Estreias: A Era do Gelo – O Big Bang derrete em mais de mil cinemas
“A Era do Gelo – O Big Bang” é o blockbuster da semana. Trata-se de mais uma continuação animada, como “Procurando Dory”. A diferença é que já é o quinto episódio da franquia, que a esta altura já está parecendo uma série e faria mais sentido na TV. O filme leva a 1.159 salas mais um desastre natural que Manny e seus amigos terão que sobreviver, sendo 619 em 3D e 12 salas IMAX. A história não só parece, como é repetitiva, resultando em algumas das piores críticas de uma animação em 2016 – só 8% de aprovação no Rotten Tomatoes. A versão brasileira ainda destaca dublagem de certo Youtuber, o que pode ser considerado incentivo ou o prego final, dependendo do ponto de vista. Como ainda há muitos blockbusters em cartaz, os demais lançamentos ficaram restritos a um circuito bem menor. O maior deles é “Florence – Quem é essa Mulher?”, estrelado por Meryl Streep, que leva a 90 salas um déja vu. Vítima do cronograma de estreias nacionais, o filme chega aos cinemas apenas duas semanas após o francês “Marguerite” contar basicamente a mesma história, com outra personagem real. Tanto Florence quanto Marguerite foram socialites ricas que, paparicadas pelos amigos, convenceram-se que eram grandes cantoras de ópera, sem sequer soarem afinadas. Detalhe: ambos os filmes são ótimos, com qualidades próprias. A programação, por sinal, está bastante feminina. Outro longa intitulado com nome de mulher é “Julieta”, de Pedro Almodóvar (“A Pele que Habito”). Selecionado no último Festival de Cannes, leva a 55 telas uma adaptação livre de contos da escritora canadense Alice Munro, vencedora do Nobel de literatura, acompanhando a personagem-título por várias décadas e duas atrizes diferentes. Ainda que mais dramático que o costume, o filme repete o tema da mãe com problemas emocionais e carrega as cores que tanto marcam a filmografia do espanhol. “Janis – Little Girl Blue” é um documentário sobre a cantora Janis Joplin, da premiada documentarista Amy Berg (“West of Memphis”), narrado por outra cantora, Cat Power, através de cartas escritas pela própria Janis ao longo dos anos. Sensível, talvez seja a obra mais reveladora sobre a roqueira que amava o blues, mas também o sexo, as drogas e o álcool, e nesse sentido não deixa de ter eco no impactante “Amy”. Em 39 salas. O único lançamento nacional da semana também é um documentário, “Menino 23”, de Belisário Franca (“Amazônia Eterna”), sobre um projeto criminoso de eugenia conduzido por admiradores do nazismo no Brasil, nos anos 1930. O testemunho dos únicos sobreviventes é um escândalo que os livros de história não contam. Muito bem conduzido, com ritmo de investigação, o trabalho de Franca contextualiza o horror racista que chegou a fazer até parte da Constituição brasileira da época. Impressionante e obrigatório, o filme não teve seu circuito divulgado. A programação se completa com o drama “Um Belo Verão”, que ocupa duas salas em São Paulo. Infelizmente para poucos, o longa de Catherine Corsini (“Partir”) foi um dos destaques do cinema francês do ano passado, premiado em festivais e indicado ao César. Passado nos anos 1970, acompanha o romance entre uma professora feminista e uma jovem que esconde seu lesbianismo da família, até que têm sua ligação testada quando se mudam para o interior, numa época de preconceitos irredutíveis.


