Big Jato encontra beleza e poesia no delírio e na imundice
Claudio Assis se firmou como grande autor de cinema com apenas três longas-metragens, que se caracterizam pela agressividade e também pela forte carga sexual. Mas em “Febre do Rato” (2011) já se percebia uma transição em sua obra, que desemboca agora em “Big Jato”. Ambos os filmes fazem homenagem à poesia, cada um à sua maneira. Se “Big Jato” não tem a mesma força e inspiração dos demais, talvez isso se deva em parte por não contar com um roteiro original. Seu roteirista, o também diretor Hilton Lacerda (de “Tatuagem”), adaptou o livro de Xico Sá, e por isso muito daquilo que vemos no filme é do escritor. Não deixa de ser um sinal de generosidade por parte de Assis, embora a sua marca na direção esteja presente tanto na apresentação de tipos marginalizados, quanto no uso de enquadramentos que lembram “Baixio das Bestas” (2006) – como a cena que mostra a visão de cima de um prostíbulo ou o travelling se afastando da casa dos protagonistas em uma das sequências finais. Na quarta parceria de Matheus Nachtergaele com Assis, o ator interpreta dois irmãos. Um deles é um pai de família, que trabalha com um caminhão pipa usado para limpar fossas imundas em lugares que não contam com saneamento básico. O outro é um locutor de rádio metido a hippie. No meio dos dois, há o garoto Chico, personagem autobiográfico vivido pelo garoto Rafael Nicácio. O garoto tem talento para poesia, tem um interesse especial pelas coisas pouco práticas da vida, embora respeite o trabalho do pai, com quem viaja durante o dia, ajudando-o. Mas o tio o aconselha a fugir daquela cidade, que é um lugar conhecido apenas por seus fósseis. O tio tem uma teoria de que as pessoas que não saem dali o quanto antes correm o risco de ficarem fossilizadas. E como o ciclo migratório do sertão para a cidade grande vem de muito tempo, o lugar representado no filme poderia ser qualquer lugarejo do interior do Nordeste. “Big Jato” mistura empatia e estranheza no carinho com que mostra a trajetória de descoberta do menino. A primeira transa em um puteiro, uma paixão platônica que o deixa aflito e desperta ainda mais seus instintos de poeta, o bullying na escola, sua amizade com um poeta de rua vivido pelo cantor Jards Macalé, a relação conflituosa com o irmão mais velho e as relações com o pai e o tio, tudo isso é visto de maneira leve e terna pelas lentes de Assis. Há também elementos divertidos manifestados no tio radialista, para quem os Beatles teriam sido influenciados por uma banda brasileira desconhecida chamada Os Betos, que a indústria fonográfica britânica, poderosa que é, tratou de silenciar. Também são engraçados os termos em falso inglês pra enganar a população local, que acabam ganhando uma conotação bem bonita à medida que o filme se aproxima de seu final. “Lerilái” vira uma espécie de ode à liberdade.
As Tartarugas Ninja dominam os shoppings em semana com cinco estreias nacionais
Mais de uma dezena de filmes chega aos cinemas nesta quinta (15/6), mas apenas três estarão disponíveis num cinema perto de sua casa. Vale destacar que nenhum deles é brasileiro, apesar das estreias nacionais somarem cinco títulos na lista. Água mole em uma situação bem conhecida, já crônica, que entretanto não gera maiores discussões: o gargalo da distribuição. Estranhamente, o tema não é abordado em entrevistas, não rende debates nem motiva protestos em festivais. Enquanto artistas se unem em defesa de um status quo ineficiente e corrupto, o cinema de uma geração inteira já se tornou invisível, sem nem sequer existir em Blu-ray. Entra e sai de cartaz sem deixar maiores vestígios que registros de críticas na internet. Maior lançamento da semana, em 791 salas, o filme “As Tartarugas Ninja – Fora das Sombras” tem apelo exclusivo para crianças, já que inspirado em desenhos animados, repleto de personagens coloridos, e não nos quadrinhos originais – bem mais anárquicos. O roteiro é puro nonsense, o que desagradou aos adultos da crítica americana, obtendo apenas 35% de aprovação no site Rotten Tomatoes. Mesmo assim, já é um avanço em relação ao primeiro filme (22%). “Como Eu Era Antes de Você”, novo romance de “doença” que teve pré-estreias lotadas no Dia dos Namorados, também chega longe, com 582 telas. A sinopse sugere uma versão romântica de “Intocáveis” (2011), o sucesso francês sobre a amizade entre um cadeirante e seu cuidador pouco ortodoxo. No lugar de um imigrante africano, surge a bela Emilia Clarke (série “Game of Thrones”). E em vez de um velho milionário, há um jovem milionário, vivido pelo igualmente desejável Sam Claflin (franquia “Jogos Vorazes”). A trama, porém, prefere o desfecho de “Mar Adentro” (2004). O juvenil “Tini – Depois de Violetta” é o terceiro e último a chegar nos shoppings, levando a 90 salas uma continuação da telenovela “Violetta”, do Disney Channel. O produto é uma espécie de “Hannah Montana” para o mercado latino, com direção do argentino Juan Pablo Buscarini, que anteriormente comandou animações e a coprodução infantil canadense “O Inventor de Jogos” (2014). O melhor filme internacional da semana, claro, não chega nem perto deste circuito, exibido em apenas duas salas de “cinema de arte” do Rio de Janeiro. O drama estoniano “Na Ventania” acompanha a vida de uma mãe e uma filha num campo de trabalhos forçados durante a 2ª Guerra Mundial. Baseado em fatos reais, mostra as deportações forçadas da população estoniana para a Sibéria, sob o regime comunista. Venceu vários prêmios internacionais, mas a fotografia em preto em branco é rejeitada pelo mercado. Ainda há dois filmes americanos e dois franceses com estreias limitada. A razoável comédia indie “Elvis e Nixon”, sobre o encontro do Rei do Rock com o Presidente dos EUA em 1970, chega em 14 salas. Já o suspense “Doonby”, com elenco televisivo e apelo de DVD, estreia em uma sala em São Paulo. Os franceses são “Doce Veneno”, remake da comédia “Um Momento de Loucura” (1977), e “Vida Selvagem”. Ambos trazem pais impulsivos. Enquanto o primeiro apela para o sexo com a filha do melhor amigo (em 11 salas), o segundo trilha a reclusão social com os filhos (em duas salas). Nenhum dos dois é especialmente memorável. Por fim, sobra para as cinco estreias nacionais – número impressionante, que poderia ser celebrado como tese da prosperidade do cinema brasileiro, #SQN – espremer-se entre 19 e 4 salas. O maior lançamento é “Big Jato”, o quarto longa do premiado diretor pernambucano Cláudio Assis (“A Febre do Rato”). Inspirado na obra homônima de Xico Sá, traz Matheus Nachtergaele (“Trinta”) em papel duplo: como o pai limpador de fossas e o tio radialista do jovem protagonista (Rafael Nicácio) de uma estranha fábula sobre o rito do amadurecimento. Repleto de escatologia e ternura, “Big Jato” foi o grande vencedor do último Festival de Brasília, onde conquistou os prêmios de Melhor Filme, Roteiro (do cineasta Hilton Lacerda, de “Tatuagem”, e Ana Carolina Francisco), Ator (Nachtergaele), Atriz (Marcelia Cartaxo) e Trilha (DJ Dolores). Coprodução entre Brasil e Argentina, “Paulina” leva a 15 telas um tópico dos noticiários atuais, acompanhando a história de uma professora estuprada por um grupo de alunos, numa região desolada da fronteira argentina. Polêmico, o filme tenta debater a importância da educação na chamada “cultura do estupro”. Dirigido pelo argentino Santiago Mitre (“O Estudante”), foi premiado em diversos festivais importantes, como Cannes, San Sebastian, Torino e Pequim. Em circuito mais restrito, o drama “Trago Comigo”, da cineasta Tata Amaral (“Hoje”), leva a cinco telas uma adaptação da série homônima da TV Cultura, juntando linguagens do teatro e documentário para narrar a experiência de um ex-preso político da ditadura (Carlos Alberto Riccelli, de “Amor em Sampa”). Menor de todos, em quatro salas, “Mundo Deserto de Almas Negras”, do estreante Ruy Veridiano, apresenta um universo paralelo, em que brancos moram na periferia e os negros são ricos, como no americano “A Cor da Fúria” (1995). Completa a programação a estreia paulista do trash “Vampiro 40°”, estrelado pelo cantor Fausto Fawcett, após lançamento restrito no Rio de Janeiro na semana passada.

