Festival de Berlim: Kleber Mendonça Filho diz que governo tenta destruir cinema brasileiro
O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho acabou concentrando a atenção da imprensa internacional durante a entrevista coletiva do júri do 70º Festival de Berlim, iniciado nesta quinta (20/2) na capital da Alemanha. Após pronunciamento do presidente do júri, o ator britânico Jeremy Irons (“Watchmen”), o cineasta pernambucano virou foco de perguntas de jornalistas estrangeiros perplexos com a situação política do Brasil, após a repercussão mundial do ataque do governo Bolsonaro à Petra Costa, diretora do documentário indicado ao Oscar “Democracia em Vertigem”, e as declarações disparatadas do presidente contra o ator Leonardo DiCaprio. Conhecido por filmes politizados, Kleber Mendonça Filho precisou responder se ainda era bem-vindo no Brasil. “Por sorte, sou bem-vindo em todos os lugares, inclusive aqui”, disse o diretor de “Bacurau” e “Aquarius”. “Vou continuar fazendo meus filmes, viajando com eles e falando o que penso. Nada vai mudar em termos de dizer o que penso”, acrescentou. Mendonça Filho também abordou o paradoxo atual do audiovisual brasileiro, representado pela presença recorde de 19 produções e coproduções brasileiras em Berlim no momento em que a produção de filmes se encontra paralisada no país – desde a posse de Bolsonaro, incentivos foram cortados e nenhuma verba foi liberada para novos projetos cinematográficos. “Estamos no melhor momento da história do cinema brasileiro e é exatamente o momento em que a indústria cinematográfica do país está sendo desmantelada dia a dia”, ele apontou. “Claro que estou preocupado. Temos cerca de 600 projetos entre cinema e televisão completamente congelados pela burocracia. O cinema brasileiro percorreu um longo caminho e tem uma história longa, é muito diverso. Foram mais de 20 anos de trabalho duro para construir isso. Temos uma lista muito diversa de cineastas do Brasil todo, não só do Sudeste, que economicamente e historicamente era onde o dinheiro estava concentrado. E é isso que está sendo destruído agora.” O cineasta contou que muitos cineastas jovens o procuram, preocupados com a perspectiva de conseguir seguir na carreira. “Eu digo que é uma época dura, mas também excelente para fazer filmes, porque a tecnologia ajuda e temos um país ainda mais cheio de contradições, conflitos e drama”, contou. Para completar, Mendonça Filho ainda comentou a morte de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. “Ele foi um dos maiores diretores brasileiros na minha opinião, mas muito incompreendido no passado por fazer cinema de gênero. Nas últimas décadas os filmes de gênero, que sempre foram importantes e maravilhosos, ganharam respeitabilidade. Para mim, o cinema de gênero é um dos exemplos mais extremos de fazer cinema, mas não significa que só considero filmes de gênero, porque o cinema é rico o suficiente para ser diversificado.” Os demais integrantes do júri – a atriz franco-argentina Bérenice Bejo (de “O Artista” e “O Passado”), a produtora alemã Bettina Brokemper (parceira dos filmes de Lars von Trier, de “Dogville” a “A Casa que Jack Construiu”), a diretora palestina Annemarie Jacir (“Wajib – Um Convite de Casamento”), o diretor e roteirista americano Kenneth Lonergan (“Manchester à Beira Mar”) e o ator italiano Luca Marinelli (“Entre Tempos”) – foram questionados apenas sobre o que esperam do festival e qual critério adotarão para escolher os melhores filmes. Jeremy Irons, que se manifestou sobre declarações polêmicas de seu passado, finalizou dizendo-se a favor de pautas progressistas, como direitos LGBTQIA+ e feminismo, e espera que alguns dos filmes da competição abordem esses assuntos e muitos outros problemas enfrentados no mundo. “Estou ansioso por assistir a longas que nos levem a questionar atitudes, preconceitos e mostrem percepções diferentes de mundo.”
Festival de Berlim começa com presença recorde de filmes brasileiros
O Festival de Berlim começa sua sua 70ª edição nesta quinta (20/2) com participação brasileira recorde. O evento alemão vai projetar nada menos que 19 filmes com produção nacional. Destes, apenas quatro trazem o Brasil na condição de parceiro minoritário, entre eles o documentário “Nardjes A.”, dirigido pelo brasileiro Karim Ainouz (“A Vida Invisível”), que registra protestos civis na Argélia. A maioria dos filmes será exibido em seções paralelas à mostra principal, mas o país também está na disputa do Urso de Ouro com “Todos os Mortos”, codirigido por Caetano Gotardo (“O que se Move”) e Marco Dutra (“As Boas Maneiras”). A dupla, que se conheceu há duas décadas no curso de Cinema da USP, divide a direção pela primeira vez, após trabalharem em funções diferentes nos premiados terrores “Trabalhar Cansa” e “As Boas Maneiras” – Gotardo foi o editor dos filmes dirigidos por Dutra e Juliana Rojas (que agora é editora de “Todos os Mortos”). Os diretores também assinam o roteiro, que se passa logo após a Abolição da Escravatura, no fim do século 19. Ainda sem data de estreia no Brasil, “Todos os Mortos” vai tentar repetir as vitórias históricas de “Central do Brasil” (1998) e “Tropa de Elite” (2008) no famoso festival alemão, onde concorrerá com outros 17 títulos – de diretores como o americano Abel Ferrara (“Siberia”), o taiwanês Tsai Ming-Liang (“Rizi”), o francês Philippe Garrel (“Le Sel des Larmes”), o cambojano Rithy Panh (“Irradiés”) e a britânica Sally Potter (“The Roads Not Taken”). Dos 18 filmes na mostra oficial, seis são dirigidos ou codirigidos por mulheres, um índice menor que o recorde do ano passado (45%), mas acima do registrado em Cannes e principalmente em Veneza, que enfrentou protestos por incluir apenas duas diretoras entre as 21 obras na disputa do Leão de Ouro de sua última edição. Um cineasta brasileiro vai votar na premiação. Kleber Mendonça Filho, de “Aquarius” e “Bacurau”, faz parte do júri principal do festival, responsável por escolher os melhores do evento e entregar o troféu Urso de Ouro ao vencedor da competição cinematográfica. Ao lado dele, estão o ator britânico Jeremy Irons (“Watchmen”), que preside o comitê, a atriz franco-argentina Bérenice Bejo (de “O Artista” e “O Passado”), a produtora alemã Bettina Brokemper (parceira dos filmes de Lars von Trier, de “Dogville” a “A Casa que Jack Construiu”), a diretora palestina Annemarie Jacir (“Wajib – Um Convite de Casamento”), o diretor e roteirista americano Kenneth Lonergan (“Manchester à Beira Mar”) e o ator italiano Luca Marinelli (“Entre Tempos”). Confira abaixo a lista de filmes brasileiros selecionados para o evento, que vai acontecer até o dia 1º de março na capital da Alemanha. LONGAS MAJORITÁRIOS BRASILEIROS “Todos os Mortos”, codirigido por Caetano Gotardo e Marco Dutra, coprodução da Dezenove Som e Imagem e Filmes do Caixote com a França (competitição do Urso de Ouro) “Alice Junior”, direção de Gil Baroni, produção da Beija Flor Filmes (mostra Generation) “Cidade Pássaro”, direção de Matias Mariani, produção da Primo Filmes”, coprodução com França (mostra Panorama) “Irmã”, direção de Luciana Mazeto e Vinicius Lopes, produção da Pátio Vazio (mostra Generation) “Luz nos Trópicos”, direção de Paula Gaitán, produção da Aruac e Pique-Bandeira (mostra Forum) “Meu Nome É Bagdá”, direção de Caru Alves de Souza, produção da Manjericão Filmes (mostra Generation) “O Reflexo do Lago”, direção de Fernando Segtowick, produção da Marahu Filmes (mostra Panorama) “Vento Seco”, direção de Daniel Nolasco, produção da Panaceia Filmes (mostra Panorama) “Vil, Má”, direção de Gustavo Vinagre, produção da Carneiro Verde e Avoa Filmes (mostra Forum) CURTAS/MÉDIAS “(Outros) Fundamentos”, direção de Aline Motta (mostra Forum Expanded) “Apiyemiyeki?”, direção de Ana Vaz em coprodução com França, Holanda e Portugal (mostra Forum Expanded) “Jogos Dirigidos”, direção de Jonathas de Andrade (mostra Forum Expanded) “Letter From A Guarani Woman In Search Of Her Land Without Evil”, de Patricia Ferreira (mostra Forum Expanded) “Rã”, direção de Julia Zakia e Ana Flávia Cavalcanti, produção da Gato do Parque (mostra Panorama) “Vaga Carne”, direção de Grace Passô e Ricardo Alves Jr, produção da Grãos da Imagem (mostra Forum Expanded) COPRODUÇÕES INTERNACIONAIS “Chico Ventana Tambien Quisiera Ter Un Submarino”, direção de Alex Piperno (Uruguai), coprodução brasileira Desvia (mostra Forum) “Los Conductos”, direção de Camilo Restrepo (Colômbia), coprodução brasileira If You Hold a Stone (mostra Encounters) “Nardjes A.”, direção de Karim Ainouz (Brasil), coprodução com Argélia, França e Alemanha (mostra Panorama) “Un Crimen Común”, direção de Francisco Márquez (Argentina)”, coprodução brasileira Multiverso (mostra Panorama)
Kleber Mendonça Filho vai integrar o júri do Festival de Berlim 2020
O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho, de “Aquarius” e “Bacurau”, foi convidado a integrar o júri principal do Festival de Berlim 2020, responsável por escolher os melhores do evento e entregar o troféu Urso de Ouro ao vencedor da competição cinematográfica. Ele se junta ao ator britânico Jeremy Irons, presidente do comitê, e a outros cinco jurados anunciados nesta terça (4/2): a atriz franco-argentina Bérenice Bejo (de “O Artista” e “O Passado”), a produtora alemã Bettina Brokemper (parceira dos filmes de Lars von Trier, de “Dogville” a “A Casa que Jack Construiu”), a diretora palestina Annemarie Jacir (“Wajib – Um Convite de Casamento”), o diretor e roteirista americano Kenneth Lonergan (“Manchester à Beira Mar”) e o ator italiano Luca Marinelli (“Entre Tempos”). Este ano, Berlim vai deixar de entregar um prêmio, o Alfred Bauer, que reconhece o melhor filme que “abre novas perspectivas sobre a arte cinematográfica”. A decisão foi tomada após a imprensa alemã publicar acusações sobre o passado nazista de Bauer. Antes de se tornar o primeiro diretor do Festival de Berlim, de 1951 a 1976, ele teria trabalhado com Joseph Goebbels na máquina de propaganda nazista. Ainda não está claro se o prêmio será reintroduzido com um novo nome. Entre os 18 filmes que Kleber Mendonça Filho e seus colegas de júri avaliarão para a premiação está o brasileiro “Todos os Mortos”, dirigido por Marco Dutra (“As Boas Maneiras”) e Caetano Gotardo (“O que se Move”). A lista tem seis filmes dirigidos por mulheres, entre eles “First Cow”, da americana Kelly Reichardt, “The Roads Not Taken”, da inglesa Sally Potter, e “El Prófugo”, da argentina Natalia Meta. Outros candidatos de “pedigree” são “Undine”, do alemão Christian Petzold, “Siberia”, do americano Abel Ferrara, “The Woman Who Ran”, do sul-coreano Hong Sangsoo, “Irradiated”, do cambojano Rithy Panh, “There Is No Evil”, do iraniano “Mohammad Rasoulof”, e “Le Sel des Larmes” (The Salt of Tears), do veterano cineasta francês Philippe Garrel. O Festival de Berlim 2020 ocorrerá entre os dias 20 de fevereiro e 1º de março.
Wajib usa tradição de casamento para discutir a vida na Palestina
O filme se passa na Palestina, mas o hábito de entregar convites de casamento pessoalmente, envolvendo uma rápida visita a cada convidado, é algo que também foi, e é, bastante praticado no Brasil. Especialmente nas cidades menores. “Wajib” fala desse dever social (que é o que a palavra wajib significa) que tem de ser praticado pelos homens da família, geralmente pai e filho. Diante do casamento da jovem Amal (Maria Zreik), seu pai Abu (Mohammad Bakri), que sempre viveu em Nazaré e tem concepções tradicionais do mundo, e seu irmão Shadi (Saleh Bakri), arquiteto, que mora na Itália, assumem essa tarefa. Enquanto Abu desenvolveu uma espécie de resignação diante de condições de vida que impõem humilhações aos palestinos, por parte do Estado israelense, Shadi, que teve de sair de lá por razões “políticas”, adaptou-se à vida da Itália, mais livre e moderna. Isso é representado em “Wajib” a partir da sua aparência, usando uma calça vermelha, camisa rosa estampada sob um paletó escuro e cabelo amarrado numa espécie de rabo de cavalo. Dito assim, pode parecer ridículo, mas não é. Ele está bem vestido. Só que de uma forma que incomoda conservadores. Há, no entanto, muitas coisas comuns entre pai e filho, sobretudo sentimentos pouco ou nada explicitados. De qualquer modo, essa tarefa, que perpassa todo o filme, não teria como ser harmoniosa, sem conflitos. A diretora palestina Annemarie Jacir (“Quando Vi Você”) enfatiza as sutilezas, tanto das convergências, quanto das diferenças entre eles. E o ambiente conflitivo que os envolve. Mais do que centrar-se nas individualidades dos dois personagens principais, o que se apreende é um clima social opressor, que os divide. A busca de reações independentes e libertárias por parte de Shadi, no entanto, só é possível pelo afastamento do seu contexto cultural de origem. A Itália aparece como um lugar onde se respira liberdade e cultiva-se a beleza, em contraste com o belo ambiente nazareno, porque milenar, mas descuidado e sujeito à destruição, permanentemente. A mulher tem ainda papel secundário, mas envolvendo elementos decisivos para entender como se vive sob amarras moralistas. A mãe, que saiu de lá e construiu uma nova relação no exterior, ameaça não vir ao casamento da filha e isso é fonte de sofrimento para Amal e vergonha para a família. Shadi vive com uma moça em Roma, mas isso é escondido, já que ele não é casado. O que se apresenta é, portanto, uma aparência, uma falsidade. Assim como a ideia, professada por Abu, de que lá é que se vive bem e pode-se ser feliz. Será? É a pergunta que está sempre presente, em cada cena, em cada expressão, em cada visita para entregar convites de casamento. Sobre o próprio casamento de Amal, o que ele realmente significa? “Wajib” tem consistência, profundidade e personagens bem construídos e representados por Mohammad Bakri e Saleh Bakri, pai e filho também na vida real, que sustentam o filme todo o tempo. Muito bem dirigidos por uma cineasta talentosa, sem dúvida.



