Robert Pattinson fará remake de “Possessão” com diretor de “Sorria”
Ator une forças com Parker Finn para recriar o clássico do terror psicológico de 1981
A Prima Sofia explora liberdade feminina com atriz que viveu escândalo sexual
Alguns filmes que envolvem o público pela trama acabam por se tornar ainda mais interessantes por detalhes de seus bastidores. É o caso da escalação de Zahia Dehar em “A Prima Sofia”, novo drama de Rebecca Zlotowski, diretora do charmoso e torto “Além da Ilusão” (2016). A hiper-sexualização da personagem de Dehar, beirando o vulgar, é o elemento principal da forma como o filme registra a liberdade sexual feminina, a falta de pudor e a vontade amoral de se entregar aos prazeres. Ela escandaliza e mexe frontalmente com o machismo do público. Nisto lembra um filme de algumas décadas atrás, “A Mulher Pública” (1984), de Andrzej Zulawski. Mas a polêmica em torno do filme, ao menos na França, deu-se principalmente por Dehar ter se tornado bastante conhecida no país como garota de programa. Ela virou notícia em 2010 durante os escândalos que envolveram dois jogadores da seleção francesa de futebol, Franck Ribéry e Karim Benzema, que foram acusados de pagá-la por serviços sexuais quando ela ainda tinha 17 anos. Os jogadores se livraram de condenação por afirmar que não sabiam que ela era menor de idade. Mas ela não lamenta a exposição, que acabou ajudando sua carreira, transformando-a em modelo, designer e agora atriz no filme de Zlotowski. Seu papel em “A Prima Sofia” guarda muita similaridade com as páginas do noticiário de sua vida real, trazendo referências que são mais bem apreciadas por quem conhece os bastidores do caso. No filme, ela vive a prima do título, que surge na cidade de Cannes de surpresa para visitar a jovem Naïma (a estreante Mina Farid), de 16 anos, que a recebe com muita alegria e entusiasmo. Há algo nessa prima que veio de Paris que fascina Naïma, como seu sex appeal, sua tranquilidade em se expor de topless e também seu ar de liberdade, que ela expressa o tempo todo em seu desejo de aproveitar a vida – uma vontade tatuada acima do bumbum, com a frase em latim “Carpe diem”. Num determinado momento, quando as duas estão tomando sol na praia, dois rapazes surgem atraídos pelo corpo exuberante de Sofia. E a garota não se importa com a admiração. Ao contrário: chega a deixá-los desconfortáveis com sua sexualização, ao aproximar a mão de um deles de seu seios e falar como sua pele é macia, especialmente em outra parte de seu corpo. O comportamento da prima deixa Naïma escandalizada, mas aos poucos a jovem começa a olhá-la como um exemplo de vida. A prima Sofia é uma típica bad girl – em entrevista, Zahia Dehar disse adorar as bad girls, por serem mais fortes e mais livres que qualquer mulher – e a percepção da rejeição social a seu comportamento é muito clara no filme. Isto se manifesta em olhares e comentários toda vez que Sofia passa com seus trajes provocantes, seja um vestido totalmente transparente para a noite, seja um vestido leve e florido, como o que ela usa para ir a um palacete na Itália, com os rapazes que ela conhece. As cenas na Itália são deliciosas por lidarem com a questão do julgamento social – o preconceito. Em determinado momento, Sofia decide se manifestar num roda de pessoas ricas, dizendo que aquele lugar lhe fazia lembrar Marguerite Duras. Uma das mulheres (Clotilde Courau) ri e desconfia que aquela garota com jeito de prostituta não sabe nada da escritora, e decide perguntar quais seus livros preferidos de Duras. Mas o que enriquece a cena é outro detalhe de bastidores, já que Courau é casada com o Príncipe de Veneza e uma integrante real da elite italiana, em mais um acerto de casting de Zlotowski. “A Prima Sofia” é também um conto sobre a brutalidade masculina, ainda que narre isso de maneira relativamente leve – em comparação, por exemplo, a “20 Anos”, de Fernando Di Leo, que mostra a violência despertada pela liberdade sexual feminina de maneira infinitamente mais impactante. Entretanto, por mais que Sofia atraia as atenções, o filme é na verdade sobre Naïma, do quanto ela aprende naquele breve período de férias de verão, que aproveitará para sua vida, para o seu futuro. Nisto, encontram-se semelhanças com o clássico “A Colecionadora” (1967), de Éric Rohmer, que tem sido citado em algumas críticas. E tem mesmo tudo a ver.
Festival do Rio anuncia programação internacional com vencedores de Cannes e Veneza
O Festival do Rio anunciou na manhã desta sexta-feira (23/9) a sua programação internacional. São cerca de 250 filmes de mais de 60 países, que serão exibidos em diversas mostras entre os dias 6 e 16 de outubro. Entre os destaques estão os vencedores dos festivais de Cannes e Veneza deste ano, respectivamente “Eu, Daniel Blake”, do inglês Ken Loach, que levou a Palma de Ouro, e “A Mulher que se Foi”, do filipino Lav Diaz, detentor do Leão de Ouro. Além destes, a programação inclui três outros filmes premiados em Cannes: “Toni Erdmann”, da alemã Maren Ade, que venceu prêmio da crítica e é um dos mais cotados para o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, “É Apenas o Fim do Mundo”, do canadense Xavier Dolan, que levou o Grande Prêmio do Juri, e “Personal Shopper”, estrelado por Kristen Stewart, que rendeu o troféu de Melhor Direção ao francês Olivier Assayas. Já a lista do Festival de Veneza inclui os dois filmes que dividiram o Leão de Prata de Melhor Direção: “La Región Salvaje”, do mexicano Amat Escalante, e “Paradise”, do russo Andrei Konchalovsky. Há ainda novos trabalhos de Terrence Malick (“Voyage of Time”), Wim Wenders (“Os Belos Dias de Aranjuez”), André Téchiné (“Being 17”), Bruno Dumont (“Mistério na Costa Chanel”), Jeff Nichols (“Loving”), Bertrand Bonello (“Sarah Winchester, Ópera Fantasma e Nocturama”), Hong Sang-soo (“Você e os Seus”), Werner Herzog (“Eis os Delírios do Mundo Conectado”), Jim Jarmusch (“Gimme Danger”), Ira Sachs (“Melhores Amigos”), Andrzej Zulawski (“Cosmos”), Sergei Loznitsa (“Austerlitz”), Johnnie To (“Three”), Kelly Reichardt (“Certain Women”), Todd Solondz (“Wiener-Dog”), Terence Davies (“A Canção do Pôr do Sol”) e Kevin Smith (“Yoga Hosers”). Entre os nacionais, a maior curiosidade fica por conta de “Pequeno Segredo”, de David Schurmann, que tentará vaga no Oscar 2017, e “Elis”, de Hugo Prata, ambos exibidos fora de competição. Já a mostra competitiva terá novos filmes de Eliane Caffé, Andrucha Waddington e José Luiz Villamarim. Clique aqui para ver a lista completa dos filmes brasileiros selecionados para o festival.
Clipe do Massive Attack com a atriz Rosamund Pike homenageia dois clássicos do terror
A atriz Rosamund Pike (“Garota Exemplar”) é a estrela do clipe da nova música da banda inglesa Massive Attack, “Voodoo In My Blood”, que tem clima e nome de filme de terror. Ela aparece sozinha no vídeo sinistro, andando por um túnel do metrô, quando se depara com uma esfera flutuante. O encontro gera uma reação bizarra, levando-a a gargalhar, até que a esfera se abre e revela uma lâmina que perfura seu olho. O ataque tem efeito epilético, levando-a a se contorcer, arrastar-se pelo chão molhado, bater contra as paredes e entrar em desespero, enquanto perde o controle. Fãs do cinema de terror são capazes de reconhecer rapidamente as duas referências principais do vídeo: a esfera mortal do clássico “Fantasma” (1979) e a crise de Isabelle Adjani na célebre cena do metrô de “Possessão” (1981). Por coincidência, tanto o ator Angus Scrimm, intérprete do Homem Alto que lançava as esferas de “Fantasma”, quanto o diretor Andrzej Zulawski, de “Possessão”, morreram nos primeiros meses deste ano. O diretor do clipe é Ringan Ledwidge, que também já dirigiu um filme de terror, “A Face Oculta do Mal” (2006). A música faz parte do EP “Ritual Spirit”, lançado em fevereiro, e foi gravada em parceria com a banda escocesa de hip-hop Young Fathers.
Andrzej Zulawski (1940 – 2016)
Morreu o diretor polonês Andrzej Zulawski, dos cultuados “O Importante É Amar” (1975) e “Possessão” (1981). Ele faleceu em consequência de um câncer, aos 75 anos de idade, informou seu filho, o também cineasta Xawery Zulawski, pelo Facebook. Zulawski nasceu em 1940 na cidade polonesa de Lwów – que após a 2ª Guerra Mundial foi rebatizada de Lviv e anexada à Ucrânia. Ele estudou cinema em França no final dos anos 1950 e iniciou a carreira como diretor assistente do célebre cineasta polonês Andrzej Wajda, trabalhando no potente drama do holocausto “Samson, a Força Contra o Ódio” (1961), na antologia romântica “O Amor aos 20 Anos” (1962) e no épico napoleônico “Cinzas e Diamantes” (1965). A qualidade de seu trabalho acabou chamando atenção do ucraniano Anatole Litvak, já estabelecido em Hollywood, que o convidou a auxilia-lo nas filmagens do clássico de guerra “A Noite dos Generais”, filmado na Polônia com muitos astros ingleses, como Peter O’Toole, Tom Courtenay e Donald Pleasence, além do egípcio Omar Shariff, em papeis de militares nazistas. Com a experiência adquirida, dirigiu seu primeiro longa-metragem em 1971, “A Terça Parte da Noite”, passado durante a ocupação nazista da Polônia, mas com tom bem diferente das obras em que foi assistente. A perseguição de um homem fugitivo, que tem a família exterminada, assumia com Zulawski contornos de terror, com direito a visões alucinógenas. O tema da descida à loucura repetiu-se em “O Diabo” (1972), passado durante a invasão da Polônia pela Prússia no final do século 18. Mas a violência do protagonista, que disfarçava uma metáfora sobre como a Polônia vinha sendo tratada por invasores ao longo dos séculos, fez o filme ser proibido pelas autoridades comunistas. A proibição levou o cineasta a buscar exílio na França, onde realizou, em 1975, aquela que é considerada a sua obra-prima, “O Importante É Amar”, melodrama estrelado pela austríaca Romy Schneider. História de um triângulo amoroso, o longa mostra uma atriz no ponto mais baixo da sua carreira, filmando obras eróticas, quando um fotógrafo apaixonado resolve lhe ajudar, financiando, com dinheiro de agiotas, uma produção teatral para ela estrelar. O gesto a comove, mas ela é casada e se vê dividida. Romy Schneider, que venceu o César (O Oscar francês) pelo papel, dizia que “O Importante É Amar” foi o melhor filme de sua carreira, repleta de clássicos. Depois das performances à beira da histeria de “O Importante É Amar”, Zulawski buscou novos excessos com seu filme seguinte, “Possessão” (1981). Novamente demandando uma grande performance de sua protagonista, o diretor filmou Isabelle Adjani entre cenas grotescas e escatológicas. Na trama, após pedir divórcio de seu marido, o comportamento da sua personagem se torna cada vez mais errático. Até que as suspeitas de infidelidade revelam algo muito pior, com o clima alucinatório atingindo níveis apocalípticos. O terror contou também com uma coincidência importante: dois meses antes, o ator Sam Neill tinha interpretado Damien Thorne em “A Profecia 3”. Ele era o marido traído, mas também a besta apocalíptica do novo horror, que surgia inicialmente como um monstro amórfico, fazendo sexo com Adjani. A entrega da atriz às situações bizarras acabou recompensada com o César, além de um prêmio no Festival de Cannes. “Possessão” foi um filme nascido do aborto de outro. Consagrado com “O Importante É Amar”, Zulawski tentou voltar a filmar na Polônia em 1977. Mas a produção de “Globo de Prata” foi interrompida pelos comunistas e parte dos negativos se perdeu, levando o diretor a voltar à França para extrapolar em “Possessão”. Entretanto, Zulawski completaria aquele filme interrompido em 1988, usando narração em off para cobrir a ausência das cenas desaparecidas. Os filmes seguintes de Zulawski mantiveram-se fiel a seu estilo exagerado e controverso, atraindo sempre grandes atrizes dispostas a se arriscar, como Valérie Kaprisky, em “A Mulher Pública” (1984). Como um jovem atriz inexperiente, sua personagem é convidada a desempenhar um papel em um filme baseado em, claro, “Os Possessos”, de Dostoievski. Mas o diretor passa a tomar conta de sua vida pessoal, e em pouco tempo ela se torna incapaz de identificar a diferença entre o filme e a realidade. Logo após se casar com Sophie Marceau, Zulawski a escalou em “A Revolta do Amor” (1985), livremente adaptado de “O Idiota”, de Dostoievski, colocando-a como vértice de um triângulo amoroso estranho e trágico, que envolve seu namorado ladrão e o idiota que o segue por todo o lado. O casamento rendeu mais três filmes com a atriz, “Minhas Noites São Mais Belas que Seus Dias” (1989), “A Nota Azul” (1991) e “A Fidelidade” (2000). Este último lidava com a questão do amor e a fidelidade e, sintomaticamente, antecipou a separação do casal, que se divorciou no ano seguinte. Além de dar imagens a suas obsessões amorosas, Zulawski também era apaixonado pela arte, o que rendeu várias adaptações e referências a grandes autores – de Dostoievski a Andy Warhol, celebrado em “A Fidelidade”. Mas ele também filmou referências mais diretas, como “Boris Godounov” (1989), a gravação da famosa ópera de Modest Mussorgsky sobre os eventos trágicos do governo do czar Boris no século 17 – repleto de anacronismos para incluir críticas à União Soviética – e “A Nota Azul”, sobre os últimos dias de Chopin. Com o fim da União Soviética, ele fez uma nova tentativa de filmar na Polônia, trabalhando sobre um roteiro da escritora feminista Manuela Gretkowska. O título “Szamanka” (1996) significa xamã em polonês, e há a múmia de um xamã na história, mas a trama gira realmente em torno de uma jovem (a estreante Iwona Petry), conhecida apenas como “a italiana”, que exerce um fascínio irresistível sobre os homens. Totalmente amoral, ela faz o que lhe dá na telha e ninguém consegue recusá-la, especialmente o professor de antropologia que lhe aluga um quarto. Como de praxe, não faltam visões, que culminam num desfecho canibal. Mesmo após a queda do comunismo, o filme incomodou o governo polonês, que só permitiu exibições noturnas, enquanto a crítica local o taxou como “O Último Tanto em Varsóvia” pelo forte conteúdo sexual. Mas após lançar seu filme seguinte, “Fidelidade”, a separação de Marceau abalou seu processo criativo, fazendo-o se afastar do cinema por 15 anos, período em que se dedicou à literatura e expressou sua desilusão e desgosto pelo estado do cinema atual. “Fui o último aluno destes dinossauros que admirei, Bergman, Fellini, Kurosawa, Welles, Stroheim, Peckinpah… O cinema que queria fazer não existe mais, a voz extinguiu-se. A inteligência abandonou o argumento e a realização para se refugiar na tecnologia. Para mim, acabou”, ele escreveu em 2004. Apenas a proximidade da morte o fez retornar à ativa, com o lançamento de “Cosmos”, seu último filme, em 2015. Adaptação do romance homônimo de Witold Gombrowicz, “Cosmos” acompanhava dois amigos que chegavam numa casa de campo, onde encontram sinais misteriosos e assustadores. A obra rendeu a Zulawski o prêmio de Melhor Diretor do Festival de Locarno, o mais importante reconhecimento de sua carreira, com o qual se despediu, no exato momento em que o filme começa a ganhar “vida” no circuito exibidor.




