Cormac McCarthy, autor de “Onde os Fracos Não tem Vez”, morre aos 89 anos
Cormac McCarthy, escritor vencedor do Prêmio Pulitzer, que teve várias obras adaptadas para o cinema como “Onde os Fracos Não tem Vez” e “A Estrada”, faleceu nesta terça (13/6) em sua casa em Santa Fé, Novo México (EUA) aos 89 anos. McCarthy era famoso por sua prosa precisa e visão sombria da humanidade, bem como suas tramas violentas e rebeldia contra as aspas e ponto e vírgula, sendo celebrado como um dos principais autores americanos de seu tempo. “Ele é o grande pessimista da literatura americana, usando suas frases para iluminar um mundo em que quase tudo (inclusive a pontuação) já se transformou em pó”, escreveu um perfil de 2009 do jornal The Guardian. O legado literário Nascido Charles McCarthy em Providence, Rhode Island, o escritor foi casado três vezes e deixa dois filhos, além de um imenso legado na literatura americana. Dentre suas obras mais notáveis, destaca-se a “Trilogia da Fronteira” – composta por “Todos os Belos Cavalos” de 1992, “A Travessia” de 1994 e “Cidades da Planície” de 1998 – e sua tragédia pós-apocalíptica “A Estrada”, publicada em 2006. McCarthy recebeu o Prêmio Pulitzer de Ficção por este último livro perturbador sobre a jornada de um pai e seu filho por um mundo desolado. Seu estilo de escrita distintivo caracterizava-se por “frases simples e declarativas”, conforme o próprio autor. Ele nunca sentiu a necessidade de usar aspas quando seus personagens falavam. Sempre relutante em promover seu trabalho, o autor raramente promoveu sua própria obra, apesar do grande interesse do público. Ele deu poucas entrevistas e se manteve bastante isolado do mundo literário. Porém, a fama veio inevitavelmente com a adaptação de seus romances para o cinema, levando sua visão distinta para um público ainda mais amplo. Dos livros para as telas Sua primeira obra a ser adaptada para o cinema foi “Todos os Belos Cavalos”, que virou o filme “Espírito Selvagem” em 2000, dirigido por Billy Bob Thornton e estrelado por Matt Damon e Penélope Cruz. Em seguida veio seu título mais popular: “Onde os Velhos Não Tem Vez” virou o vencedor do Oscar “Onde os Fracos Não tem Vez”, dos irmãos Joel e Ethan Coen, vencedor das estatuetas de Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante (Javier Bardem). O sucesso do drama criminal dos irmãos Coen despertou o interesse nas obras do escritor, levando à adaptação do impactante “A Estrada” logo em seguida. Lançado em 2009, o filme do diretor John Hillcoat foi estrelado por Viggo Mortensen e venceu o Festival de Cinema do Amazonas, além de vários prêmios da crítica. Em uma reviravolta irônica, McCarthy revelou que originalmente concebeu “Onde os Velhos Não Tem Vez” como um roteiro, mas, após receber um feedback negativo, decidiu transformá-lo em um romance. Ele só foi escrever seu primeiro e único roteiro original para o cinema anos depois. O resultado foi “O Conselheiro do Crime”, com direção de Ridley Scott e um elenco grandioso – Penélope Cruz, Michael Fassbender, Javier Bardem e Cameron Diaz, entre outros – , que entretanto não agradou a crítica especializada. Ele também adaptou sua peça “The Sunset Limited” para o telefilme “Ao Limite do Suicídio” da HBO de 2011, estrelado por Tommy Lee Jones e Samuel L. Jackson, e ainda permitiu que James Franco cometesse a adaptação de seu terceiro livro, “Child of God” (lançado em 1973), num filme estrelado por Tim Blake Nelson em 2013. Última adaptação de sua obra McCarthy ainda aumentará a lista de obras transformadas em filme em breve. O diretor John Hillcoat, de “A Estrada”, está trabalhando na adaptação de “Meridiano de Sangue”, um romance notável por sua descrição explícita da violência no Oeste americano, o que sempre foi apontado como dificuldade para sua produção – o que já fez várias tentativas anteriores, de nomes notáveis como Ridley Scott, James Franco e Tommy Lee Jones, falharem. Publicado em 1985, o romance é amplamente considerado uma das maiores obras da literatura americana. Baseado em eventos históricos que ocorreram na fronteira entre Texas e México na década de 1850, o livro segue as fortunas de um jovem de 14 anos do Tennessee que tropeça em um mundo de pesadelos onde os índios estão sendo assassinados e o mercado para seus escalpos está prosperando, entre as muitas violências e depravações da colonização do Oeste dos EUA. O próprio Cormac McCarthy e seu filho, John, apoiaram a escolha de Hillcoat para fazer a adaptação e são creditados como produtores executivos no estúdio New Regency.
A Travessia mostra porque Robert Zemeckis é um dos grandes cineastas de sua geração
“A Travessia” anuncia em seu cartaz que se trata de um filme do mesmo diretor de “Náufrago” (2000) e “O Voo” (2012). A diferença de 12 anos entre os dois filmes se refere ao tempo em que Robert Zemeckis se dedicou à animação em experiências de captura de movimento. Em suma, “Náufrago” e “O Voo” foram seus últimos trabalhos com atores reais. Mas, por coincidência, têm uma forte relação com a premissa de “A Travessia”. Nesses três longas, Zemeckis se mostra obcecado pela queda, que nos filmes anteriores é elemento central da trama, mostrada como um espetáculo. Em “A Travessia”, a queda é uma possibilidade constante. Mas o espetáculo da trama está no fato dela não acontecer. Ao final, a “trilogia” se resume ao esforço de um homem em sobreviver à queda, deixando sua marca – seu legado – ao escapar da morte. A incrível história do equilibrista Philippe Petit já foi contada no documentário vencedor do Oscar “O Equilibrista” (2008), de James Marsh. Mas o filme estrelado por Joseph Gordon-Levitt (“Como Não Perder Essa Mulher”) também faz justiça ao feito, com auxílio de efeitos realistas, que projetam a vertigem em 3D e celebram as Torres Gêmeas de Nova York em sua glória anterior a 11 de setembro de 2001. rnrnO ano é 1974, quando Petit decide realizar a maior proeza já feita por um equilibrista, andar sobre um cabo de aço estendido entre os prédios mais altos do mundo. O próprio protagonista conta sua história – na tela, por meio de narração do ator, e nos bastidores, como consultor da trama. Em vários momentos, Petit reforça que não é um artista de circo, ele é um artista e ponto final. Sua arte é performática. Acontece uma vez na vida. Mas impacta a posteridade. Não é muito diferente do grafite, como ato de desobediência civil e transgressão. Toda a preparação para a realização da obra, por sinal, é feita como se ladrões planejassem um grande golpe. Com auxílio de seu grupo, ele pretende cometer um crime que só tem uma vítima em potencial: ele próprio. A capacidade de projetar tanto o suspense quanto a tensão do ato proibido e suicida de Petit, ao mesmo tempo em que transmite as emoções contraditórias do personagem, entre a possibilidade da morte, a realização de uma vida e a profunda paz de espírito, é, por sua vez, o grande feito de Zemeckis. E isto é atingido com precisão pelas imagens fabulosas que, aliadas à tecnologia IMAX 3D, reproduzem a sensação de caminhar sobre um fio acima de um grande vazio. Para quem tem medo de altura, o filme é um convite a desafiar esse medo. A um passo da eternidade, Petit se aproxima da solidão dos demais sobreviventes de Zemeckis. Mesmo que tenha contado com parceiros importantes para realizar seu grande ato, o feito se dá com ele sozinho, quando encontra sua força e seu nirvana. A cena em que um pássaro se aproxima para vê-lo de perto, por exemplo, tem uma carga espiritual poucas vezes vista no cinema. “A Travessia” também demonstra que os 12 anos em que Zemeckis privilegiou a tecnologia e as inovações de computação gráfica não foram desperdiçados. O filme é uma aula de como efeitos visuais grandiosos e o uso da tecnologia 3D podem ser utilizados de forma artística, em prol da apreciação fílmica. O resultado vai muito além do passeio de parque de diversões projetado rotineiramente nas telas dos multiplexes, demonstrando que Zemeckis é um dos grandes pioneiros do uso de tecnologias de ponta no cinema, mas, mais que isso, é também um dos grandes cineastas de sua geração.

