Festival de Gramado começa celebração de 50 anos
O Festival de Gramado, um dos eventos de cinema mais tradicionais do país, começa nessa sexta-feira (12/8) sua 50ª edição, que exibirá, de forma simbólica, 50 filmes entre longas e curtas. Depois de dois anos sem eventos presenciais, o cinquentenário coincide com o retorno ao formato tradicional, que permitirá o festejado desfile de astros e estrelas no tapete vermelho. Na disputa do Kikito de Melhor Longa-Metragem nacional estão títulos de diretores consagrados, que farão sua première nacional na serra gaúcha. Entre eles, destaca-se o novo filme de Cristiano Burlan (diretor de “Antes do Fim”), “A Mãe”, sobre uma mãe solo (Marcélia Cartaxo) que vive na periferia de São Paulo, volta para casa à noite e não encontra seu filho adolescente. Ela inicia uma busca pelo seu filho, ameaçando assim a tranquilidade dos traficantes locais. A seleção também traz “A Porta ao Lado”, novo trabalho de Julia Rezende (de “Depois a Louca Sou Eu”). O filme narra a história de um casal que começa a questionar o próprio relacionamento depois que conhecem vizinhos que vivem um relacionamento aberto. O cineasta Gabriel Martins (“O Nó do Diabo”) apresenta, com seu filme “Marte Um”, a história de uma família que mora na periferia e tenta viver seus sonhos num país que acaba de eleger como presidente um homem que representa o contrário de tudo que eles são. Outro filme que se relaciona com a realidade política atual é “O Pastor e o Guerrilheiro”, de José Eduardo Belmonte (“Alemão”). A trama acompanha a filha ilegítima de um coronel que comete suicídio. Enquanto conhece mais sobre o homem que não a reconheceu como filha, ela descobre que ele foi um torturador durante a ditadura militar no Brasil. “O Pastor e o Guerrilheiro” pode garantir o segundo prêmio para Belmonte, que já foi premiado em Gramado pelo curta “Tepê” (2000). Do extremo do país, vem o filme acreano “Noites Alienígenas”, do diretor Sérgio de Carvalho (“Empate”). Obra de realismo mágico, o filme aborda o impacto da chegada das facções criminosas do sudeste do Brasil na Amazônia. O novo trabalho de Gregório Graziosi (“Obra”), intitulado “Tinnitus”, narra a história de uma atleta de Saltos Ornamentais que sofre uma crise de tinnitus (zumbido no ouvido) e cai do trampolim. Afastada do esporte, ela troca os saltos por uma pacata vida num aquário, onde trabalha fantasiada de sereia. O único novato da lista é o carioca Angelo Defanti, que escreveu a minissérie de true crime “O Caso Evandro” e agora estreia na direção de ficção com “O Clube dos Anjos”, combinação de culinária e suspense baseada no best-seller dos anos 1990 de Luis Fernando Verissimo. Entre os longas-metragens internacionais, destacam-se “El Camino de Sol”, dirigido por Claudia Sainte-Luce (“La caja vacía”), sobre uma mãe que inicia uma busca frenética para recuperar seu filho sequestrado, “O Último Animal”, co-produção brasileira e portuguesa dirigida por Leonel Vieira, cujo primeiro filme, “A Sombra dos Abutres” (1998), foi premiado em Gramado, e “Cuando Oscurece”, filme argentino/uruguaio dirigido por Néstor Mazzini (“Deixe a Noite Pagar por Isso”), sobre uma menina que pensa estar de férias com o pai, mas na verdade foi sequestrada por ele. Cum uma mostra separada de documentários, Gramado ainda vai exibir “Ademã – A Vida e as Notas de Ibrahim Sued”, novo trabalho do documentarista Paulo Henrique Fontenelle, diretor dos elogiados “Loki: Arnaldo Baptista” (2008), “Dossiê Jango” (2013) e “Cássia Eller” (2014). Fontenelle assina a direção desse novo filme ao lado de Isabel Sued Perrin. Além das sessões de cinema, estão marcadas homenagens ao diretor Joel Zito Araújo, vencedor do Festival de Gramado de 2004 com “Filhas do Vento”, que receberá o Troféu Eduardo Abelin, e à atriz gaúcha Araci Esteves, vencedora do Festival de Brasília de 1997 por “Anahy de las Misiones”, agraciada com o Troféu Cidade de Gramado. O Festival de Gramado vai até 20 de agosto, quando serão conhecidos os trabalhos premiados. Confira abaixo a lista completa dos filmes selecionados. Longas-metragens brasileiros “A Mãe”, de Cristiano Burlan “A Porta ao Lado”, de Julia Rezende “Marte Um”, de Gabriel Martins “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho “O Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti “O Pastor e o Guerrilheiro”, de José Eduardo Belmonte “Tinnitus”, de Gregório Graziosi Longas-metragens estrangeiros “9” (Uruguai/Argentina), de Martín Barrenechea e Nicolás Branca “Cuando Oscurece” (Argentina/Uruguai), de Néstor Mazzini “El Camino de Sol” (México), de Claudia Sainte-Luce “Inmersión” (Chile), de Nicolas Postiglione “La Boda de Rosa” (Espanha/França), de Iciar Bollain “La Pampa” (Peru/Chile/Espanha), de Dorian Fernández Moris “O Último Animal” (Portugal/Brasil), de Leonel Vieira Longas-metragens gaúchos “Casa Vazia”, de Giovani Borba “Campo Grande é o Céu”, de Bruna Giuliatti, Jhonatan Gomes e Sérgio Guidoux “Despedida”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lope “Don Never Raised – Cachorro Inédito”, de Bruno de Oliveira “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto Documentários “Um Lugar para Chamar de Meu”, de Kelly Cristina Spinelli “Ademã – A Vida e as Notas de Ibrahim Sued”, de Isabel Sued Perrin e Paulo Henrique Fontenelle “Elton Medeiros – O Sol Nascerá”, de Pedro Murad “Eu Nativo”, de Ulisses Rocha “O Destino Está na Origem”, de Pedro de Castro Guimarães Curtas-metragens brasileiros “Benzedeira”, de Pedro Olaia e San Marcelo “Deus Não Deixa”, de Marçal Vianna “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli “Imã de Geladeira”, de Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo “Mas Eu Não Sou Alguém”, de Gabriel Duarte e Daniel Eduardo “O Elemento Tinta”, de Luiz Maudonnet e Iuri Salles “O Fim da Imagem”, de Gil Baroni “O Pato”, de Antônio Galdino “Serrão”, de Marcelo Lin “Socorro”, de Susanna Lira “Último Domingo”, de Joana Claude e Renan Barbosa Brandão “Um Tempo pra Mim”, de Paola Mallmann “Solitude”, de Tami Martins e Aron Miranda “Tekoha”, de Carlos Adriano Curtas-metragens gaúchos “A Diferença entre Mongóis e Mongoloide”, de Jonatas Rubert “Apenas para Registro”, de Valentina Ritter Hickmann “Drapo A”, de Alix Georges e Henrique Lahude “Fagulha”, de Jéssica Menzel e Jp Siliprandi “Johann e os Imãs de Geladeira”, de Giordano Gio “O Abraço”, de Gabriel Motta “Madrugada”, de Leonardo da Rosa e Gianluca Cozza “Mby’a Nhendu”, de Gerson Karaí Gomes “Mora”, de Sissi Betina Venturin “Nação Preta do Sul – O curta”, de Nando Ramoz e Gabriela Barenho “Nós que Fazemos Girar”, de Lucas Furtado “Olho por Mim”, de Marcos Contreras “Perfection”, de Guilherme G. Pacheco “Possa Poder”, de Victor Di Marco e Márcio Picoli “Sinal de Alerta Lory F”, de Fredericco Restori “Sintomático”, de Marina Pessato “Tudo Parece em Constante Movimento”, de Cristine de Bem e Canto
Tereza Rachel (1935 – 2016)
Morreu a atriz Tereza Rachel, que marcou o teatro brasileiro, criou vilãs inesquecíveis de novelas e fez obras importantes do cinema nacional. Ela faleceu no sábado (2/4), aos 82 anos, após um quadro agudo de obstrução intestinal que a deixou quatro meses internada na CTI (Centro de Tratamento Intensivo) do Hospital São Lucas. Batizada Teresinha Malka Brandwain Taiba de La Sierra, ela nasceu em 19 de agosto de 1935 na cidade de Nilópolis, na Baixada Fluminense, e começou a atuar na década de 1950, já com trabalhos na TV, no cinema e no teatro. A primeira peça foi “Os Elegantes”, de Aurimar Rocha, em 1955. A estreia no cinema aconteceu no ano seguinte, na comédia “Genival É de Morte” (1956), de Aloísio T. de Carvalho, e logo em seguida veio a carreira televisiva, a partir da série “O Jovem Dr. Ricardo” na TV Tupi em 1958. A primeira metade dos anos 1960 viu multiplicar sua presença no cinema. Foram cinco filmes no período de dois anos, entre 1963 e 1965, com destaque para o clássico “Ganga Zumba” (1963), primeiro longa-metragem de Cacá Diegues, sobre escravos fugitivos e a fundação do Quilombo de Palmares, na qual viveu a senhora de uma fazenda. Participou também do drama “Sol sobre a Lama” (1963), do cineasta e crítico de cinema Alex Viany, “Procura-se uma Rosa” (1964), estreia na direção do ator Jesse Valadão, e “Canalha em Crise” (1965), do cinemanovista Miguel Borges, além de “Manaus, Glória de Uma Época” (1963), produção alemã passada na “selva brasileira”. Mas foi no teatro, na segunda metade da década, que obteve maior projeção, ao participar de peças históricas, como a montagem de “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes, com o Grupo Opinião em 1965, um marco do teatro de protesto. Dois anos depois, interpretou Jocasta em “Édipo Rei”, com Paulo Autran, novamente sob direção de Flavio Rangel. Em 1969, integrou o elenco da histórica encenação brasileira de “O Balcão” (1969), de Jean Genet, dirigida pelo argentino Victor Garcia. Sua relação com o teatro foi além do papel desempenhado nos palcos. Determinada a encenar cada vez mais peças de qualidade, assumiu a condição de produtora, trazendo vários textos de vanguarda para serem montados no Brasil pela primeira vez, como “A Mãe” (1971), do polonês Stanislaw Witkiewicz, que ela descobriu ao assistir a uma montagem em Paris. Empolgada, convenceu o diretor francês Claude Régy a vir ao Brasil supervisionar a montagem nacional, e o resultado lhe rendeu o prêmio Molière de melhor atriz. A vontade de manter peças ousadas por mais tempo em cartaz a levou a fundar seu próprio teatro. Aberto provisoriamente em 1971 e inaugurado em 1972, o Teatro Tereza Rachel acabou se tornando um importante polo cultural durante a década. E não apenas para montagens teatrais. Em seu palco, Gal Costa fez o cultuado show “Gal Fatal” (1971), e os cantores Luiz Gonzaga, Clementina de Jesus e Dalva de Oliveira realizaram suas últimas apresentações. O reconhecimento por seus trabalhos também se estenderam ao cinema, rendendo-lhe o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Gramado pelo papel-título de “Amante muito Louca” (1973), comédia sexual que marcou a estreia na direção de Denoy de Oliveira. Ela também estrelou o marcante “Feminino Plural” (1976), de Vera de Figueiredo, obra pioneira do feminismo brasileiro, além de “Revólver de Brinquedo” (1977), de Antônio Calmon, e “A Volta do Filho Pródigo” (1978), do marido Ipojuca Pontes. Entretanto, apesar de sua relevância cultural, o grande público só passou a acompanhar melhor sua carreira quando ela começou a aparecer nas novelas da rede Globo. Sua estreia no canal aconteceu na versão original de “O Rebu” (1974), um marco da teledramaturgia nacional, exibido no “horário adulto” da emissora, às 22 horas. Enquanto as novelas populares da emissora exploravam conflitos geracionais, a trama de “O Rebu” se passava inteiramente ao longo de dois dias, em torno de suspeitos de um assassinato cometido durante uma festa. Ela também participou de “O Grito”, outra novela ousada das 22 horas, que girava em torno dos moradores de um prédio desvalorizado pela construção do Minhocão em São Paulo. Mas foram os papeis mais populares que a consagraram na telinha. Especialmente Clô Hayalla, sua primeira grande vilã, que se materializou na novela das 20 horas “O Astro” (1977). Um dos maiores sucessos da escritora Janete Clair, “O Astro” quebrou recordes de audiência e entronizou Tereza Rachel no imaginário popular como uma perua fútil e vingativa. Ela se tornou uma das mulheres mais odiadas do Brasil ao colocar a mocinha da história, Lili Paranhos (Elizabeth Savalas), na cadeia. Além disso, era infiel (característica de mulheres malvadas da televisão), e seu amante acabou se revelando o culpado pela pergunta que mobilizou o país durante quase um ano: “Quem matou Salomão Hayalla?”, seu marido na trama. Tereza apareceu em outras novelas com menor impacto, como “Marrom-Glacê” (1978), “Baila Comigo” (1981) e “Paraíso” (1982), antes de retornar a fazer maldades em “Louco Amor” (1983), como a ricaça preconceituosa Renata Dumont, que tenta impedir o romance entre sua filha e o filho da cozinheira – e, de lambuja, entre o cunhado e uma manicure. Ainda teve seus dias de mocinha, como a Princesa Isabel na minissérie de época “Abolição” (1988), sobre o fim da escravatura no Brasil, papel que repetiu na continuação, “República” (1989), exibida no ano seguinte. Por ironia, ela não foi nada nobre quando se tornou rainha, roubando, com suas malvadezas, as cenas de “Que Rei Sou Eu?” (1988), uma das mais divertidas novelas já realizadas pela Globo. O texto de Cassiano Gabus Mendes partia dos clichês dos folhetins franceses, com direito à aventura de capa e espada e intrigas da corte de um reino imaginário, para parodiar a situação política do país. Na pele da Rainha Valentine, ela se mostrava uma governante histérica, no estilo da Rainha de Copas de “Alice no País das Maravilhas”. Mas seu despotismo era facilmente manipulado por seus conselheiros reais, que eram quem realmente mandavam no reino de Avillan, a ponto de colocarem um mendigo no trono (Tato Gabus Mendes, o filho do autor), mentindo ser um filho bastardo do falecido rei. Em contraste com essa fase de popularidade, a parceria com o marido Ipojuca Pontes lhe rendeu algumas polêmicas. No segundo filme que estrelou para o cineasta, “Pedro Mico” (1985), ela tinha uma cena de sexo com Pelé. A repercussão negativa da produção – Pelé teve muitas dificuldades nas filmagens e, no final, precisou ser dublado pelo ator Milton Gonçalves – marcou o fim de sua carreira cinematográfica. E não ajudou o fato de, logo depois, Ipojuca virar secretário nacional da Cultura do governo Collor, durante uma fase desastrosa para o cinema brasileiro, com a implosão da Embrafilme, que gerou confronto com a classe artística. O período político tumultuado levou Tereza a se afastar das telas. Ela nunca mais voltou ao cinema e só retomou as novelas em 1995, como Francesca Ferreto, uma das primeiras vítimas de “A Próxima Vítima”. Teve ainda um pequeno papel em “Era Uma Vez…” (1998), mas suas aparições seguintes aconteceram apenas como artista convidada, em capítulos de “Caras e bocas” (2009), “Tititi” (2010) e a recente “Babilônia” (2015), além da série “Alice” (2008), do canal pago HBO, com direção dos cineastas Karim Aïnouz (“Praia do Futuro”) e Sérgio Machado (“Tudo o que Aprendemos Juntos”). Entre 2001 e 2008, o Teatro Tereza Rachel foi alugado para a Igreja Universal do Reino de Deus e deixou de receber produções culturais. Felizmente, o desfecho dessa história teve uma reviravolta. O local acabou tombado pelo município e reabriu como casa de espetáculos em 2012, ainda que sem o nome da atriz – virou Net Rio, mas com uma Sala Tereza Rachel. O nome de Tereza Rachel, porém, não precisa de placa para ser lembrado pela História.

