Rutger Hauer (1944 – 2019)
O ator holandês Rutger Hauer, que ficou mundialmente conhecido como o líder dos replicantes no filme “Blade Runner” (1982), morreu na sexta-feira (19/7) após um curto período de doença, aos 75 anos. Um dos mais famosos atores europeus de sua geração, Hauer era fluente em várias línguas e se projetou em parceria com o cineasta holandês Paul Verhoeven em diversos projetos, a começar pela série medieval “Floris”, em 1969. Sua estreia no cinema foi no segundo longa de Verhoeven, o cultuadíssimo “Louca Paixão” (1973), em que viveu um romance de alta voltagem erótica com a atriz Monique van de Ven. E de cara chamou atenção de Hollywood, graças à indicação do filme ao Oscar. Ele ainda protagonizou mais três filmes de Verhoeven – “O Amante de Kathy Tippel” (1975), “Soldado de Laranja” (1977) e “Sem Controle” (1980) – e outros longas europeus antes de estrear numa produção americana, enfrentando Sylvester Stallone como o vilão terrorista de “Falcões da Noite” (1981). Mas foi ao desempenhar um outro tipo de vilão, o replicante Roy Beatty em “Blade Runner”, que se estabeleceu como astro de grandes produções. Androide que buscava respostas para perguntas existenciais, enquanto lutava por mais tempo para viver, o personagem caçado por Harrison Ford no longa de Ridley Scott tinha uma profundidade incomum para o gênero sci-fi de ação. Era, ao mesmo tempo, um assassino frio e robótico, mas também capaz de amar e filosofar sobre o sentido da vida, apresentando-se mais humano que seu perseguidor. A performance encantou gerações – e cineastas. Ele foi trabalhar com Nicolas Roeg em “Eureka” (1983) e ninguém menos que Sam Peckinpah em “O Casal Osterman” (1983), antes de protagonizar outro blockbuster, vivendo um amor amaldiçoado na fantasia medieval “Ladyhawke – O Feitiço de Áquila” (1985), de Richard Donner. No mesmo ano, fez sua última parceria com Verhoeven em outra produção medieval grandiosa, “Conquista Sangrenta” (1985), em que subverteu expectativas como anti-herói marginal. Hauer também traumatizou o público de cinema como o psicopata de “A Morte Pede Carona” (1986), um dos filmes mais subestimados de sua carreira e um dos mais copiados por imitadores do mundo inteiro. E até caçou o líder da banda Kiss, Gene Simmons, transformado em terrorista em “Procurado Vivo ou Morto” (1986), adaptação de uma série televisa dos anos 1950. O reconhecimento da crítica veio finalmente com o telefilme “Fuga de Sobibor” (1987), no qual liderou uma fuga em massa de um campo de concentração nazista. Ele venceu o Globo de Ouro de Melhor Ator, enquanto a produção levou o prêmio de Melhor Telefilme. A consagração continuou com o drama italiano “A Lenda do Santo Beberrão” (1988), de Ermanno Olmi. Sua interpretação como um bêbado sem-teto que encontra redenção levou o filme a vencer o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Foi um de seus melhores desempenhos, mas não conseguiu chamar atenção do grande público, graças ao lançamento limitado em circuito de arte. Ele ainda contracenou com Madonna na comédia “Doce Inocência” (1989), mas a busca por novo sucesso de bilheterias o levou ao thriller convencional de ação “Fúria Cega” (1989), de Phillip Noyce, que iniciou um padrão negativo em sua carreira. A partir dos anos 1990, Hauer foi de produção B a produção C, D e Z. Seu rosto continuou por um bom tempo nas capas dos títulos mais alugados em VHS, mas a qualidade dos papéis despencou. Para citar um exemplo, o menos pior foi “Buffy: A Caça-Vampiros” (1992), no qual viveu um lorde dos vampiros. Os papéis televisivos passaram a se alternar com os de cinema/vídeo, e Hauer até recebeu outra indicação ao Globo de Ouro por “A Nação do Medo” (1994). Mas isso foi exceção. Ele chegou a gravar até sete produções só no ano de 2001, e nenhuma delas relevante. No anos 2000, começou a aparecer cada vez mais em séries, como “Alias”, “Smallville”, “True Blood”, “The Last Kingdom” e “Channel Zero”. Mas depois de figurar em duas adaptações de quadrinhos de 2005, “Sin City” e “Batman Begins”, voltou ao cinema europeu, estrelando vários filmes que repercutiram em 2011: “O Sequestro de Heineken”, no papel de Alfred Heineken, o dono da cervejaria holandesa, “Borboletas Negras”, “O Ritual”, “A Aldeia de Cartão”, em que retomou a parceria com Olmi, e principalmente “O Moinho e a Cruz”, uma pintura cinematográfica do polonês Lech Majewski, premiada em diversos festivais internacionais. Bastante ativo na fase final de sua carreira, Hauer ainda viveu o caçador de vampiros Van Helsing em “Dracula 3D” (2012), de Dario Argento, o Presidente da Federação Mundial em “Valerian e a Cidade dos Mil Mundos” (2017), de Luc Besson, e o Comodoro do premiado western “Os Irmãos Sisters” (2018), de Jacques Audiard. E deixou vários trabalhos inéditos, entre eles o drama “Tonight at Noon”, novo longa de Michael Almereyda (“Experimentos”), a aventura épica “Emperor”, de Lee Tamahori (“007 – Um Novo Dia Para Morrer”) e a minissérie “Um Conto de Natal”, do cineasta Steven Knight (“Calmaria”), na qual encarna o Fantasma do Natal Futuro. Sua atuação, porém, não se restringia às telas. Hauer foi ativista de causas sociais, como fundador da Starfish Association, organização sem fins lucrativos dedicada à conscientização sobre a AIDS, e patrocinador da organização ambientalista Greenpeace. Todos esses momentos não devem se perder no tempo, como lágrimas na chuva.
Ermanno Olmi (1931 – 2018)
O diretor italiano Ermanno Olmi, premiado nos festivais de Cannes e Veneza, morreu aos 86 anos. Ele sofria há tempos de uma doença autoimune rara conhecida como Síndrome de Guillain-Barré. A mídia italiana informou que ele foi hospitalizado na sexta-feira em sua cidade-natal de Asiago e faleceu na noite de domingo (6/5). Olmi foi saudado como um cineasta humanista, preocupado em filmar os menos favorecidos, e um poeta visual pela beleza plástica de seus filmes. Ele começou a carreira uma década depois do auge do neo realismo italiano, mas se tornou seu herdeiro mais dedicado. Desde seu primeiro filme, “O Tempo Parou” (1959), fez questão de focar a classe trabalhadora. A história dessa estreia é fantástica. Olmi era um funcionário da companhia de eletricidade estatal italiana, encarregado de produzir pequenos filmes de publicidade institucional para a empresa. E aproveitou o que deveria ser outro comercial sobre uma barragem nos Alpes para esticar a filmagem em segredo e registrar o cotidiano de dois trabalhadores do local, que viviam isolados, durante o inverno, para garantir a segurança da construção em total solidão. “O Tempo Parou” chamou atenção da crítica e até recebeu prêmios locais, lançando sua carreira. Mas ele continuou fazendo publicidade para pagar as contas por mais cinco anos, intercalando filmetes de eletricidade com longas-metragens, embora já em seu segundo longa, “O Posto” (1961), tenha deixado de ser apenas um jovem promissor para vencer o David di Donatello (o Oscar italiano) como Melhor Diretor do ano. Sua maior conquista foi a Palma de Ouro de Cannes em 1978 com “A Árvore dos Tamancos”, retrato de três horas da vida dura dos camponeses na Itália do século 19, com um elenco de atores amadores falando em seu dialeto nativo de Bérgamo, no norte do país. O filme contava a história de um pai que corta uma pequena árvore em segredo para fabricar tamancos para seu filho poder ir à escola. Quando o rico dono da propriedade descobre, expulsa a família da fazenda como exemplo para os outros empregados. Uma década depois, ele venceu o Leão de Ouro em Veneza por “A Lenda do Santo Beberrão” (1988), produção com atores bem conhecidos (Rutger Hauer, Anthony Quayle), que acompanha as tribulações de um alcoólatra desabrigado em Paris, que tenta saldar uma dívida com uma igreja local. O filme também lhe rendeu seu segundo David di Donatello de Melhor Direção. Ele ainda conquistou um terceiro “Oscar italiano” por “O Mestre das Armas”, lançado em 2001, que mostrava os últimos dias do jovem soldado da Renascença Giovanni de Medici. Seus últimos trabalhos foram o filme antiguerra “Os Campos Voltarão”, de 2014, indicado ao David di Donatello e premiado pela crítica na Mostra de São Paulo, e o documentário “Vedete, Sono Uno di Voi”, sobre o cardeal Carlo Maria Martini, em 2017. “Com Ermanno Olmi estamos perdendo um mestre cinematográfico e uma grande figura da cultura e da vida. Sua visão encantada nos fez entender as raízes do nosso país”, escreveu o primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni no Twitter.

