Cannes: Adam Driver encarna a poesia de Jim Jarmusch em Paterson
O ator Adam Driver (“Star Wars: O Despertar da Força”) é um predestinado. Seu sobrenome, em inglês, significa motorista. E a melhor interpretação de sua carreira surge nas telas do Festival de Cannes justamente com esta profissão. As coincidências em torno dos nomes não param aí. Seu personagem, Paterson, dirige um ônibus numa cidade chamada Paterson, num filme intitulado “Paterson”. A redundância faz parte da estratégia do diretor Jim Jarmusch (“Amantes Eternos), que busca apresentar a banalidade do cotidiano, de onde seu protagonista extrai poesia. Literalmente. Enquanto não dirige seu ônibus pela cidadezinha de Nova Jersey, o motorista Driver escreve poemas. E a trama é contada em estrofes, uma para cada dia da semana, ao longo de uma semana em sua vida. “O filme é uma celebração dos pequenos detalhes da vida, por mais simples que sejam”, definiu Jarmusch, na entrevista coletiva do festival. A escolha da locação não foi casual. Paterson foi lar dos poetas Allen Ginsberg e William Carlos Williams. Ambos tinham em comum o uso da linguagem coloquial e versos que refletiam o cotidiano. Paterson, o personagem, também escreve sobre o que vive. Mas sua vida é monótona, com uma mulher dona de casa (a iraniana Golshifteh Farahani, de “Êxodo: Deuses e Reis”) e um cachorro. Se William Carlos Williams trazia profundidade à descrição de um carrinho de mão vermelho, Paterson luta para que caixinhas de fósforos e cadernos encontrem rimas. Mesmo assim, sua vida seria mais banal se não fosse a poesia. Logo, ele descobre que outras pessoas da cidade também escrevem poemas. E o filme sugere que qualquer um, seja um motorista de ônibus, uma dona de casa ou um mero espectador de cinema, pode se tornar o poeta de sua vida. Outra alternativa é enlouquecer, como a mulher de Paterson, que, quando não está sonhando em virar uma cantora, pinta a casa (e a roupa e os cupcakes) em padrões de preto e branco. Jarmusch confessa-se fã de padrões. Ele já manifestou obsessão por tons de xadrez em “Coffee and Cigarettes” (2003). Agora busca a padronagem da monotonia, da vida em preto e branco. “Cada dia de nossas vidas é apenas uma pequena variação da nossa vida do dia anterior”, ele filosofou em Cannes. Mas, às vezes, quando se presta bastante atenção, a rotina pode revelar surpresas. No caso de “Paterson”, elas incluem dois passageiros inusitados no ônibus de Paterson, o casal adolescente de “Moonrise Kingdom”, de Wes Anderson. Trata-se de uma das muitas citações que Jarmusch escondeu em plena vista, na paisagem. “Sou fã de Wes Anderson. Penso que seus últimos filmes estão cada vez mais belos e infantis”, ele elogiou. Porém, não quis citar outras referências do longa, que os cinéfilos se divertirão em descobrir por conta própria. Driver, que tirou uma folga das filmagens de “Star Wars: Episódio VIII” para vir à França acompanhar a première, explicou que também precisou submergir na paisagem para entronizar a rotina de Paterson. “Para me preparar, procurei apenas ouvir o som ambiente, passear pela cidade e me desligar do celular. Era parte desse personagem ser totalmente offline”, disse na coletiva. “O roteiro era muito forte, e os personagens muito transparentes. Eu tentei simplesmente não me intrometer no processo”, resumiu. Sua performance foi muito elogiada pela crítica internacional. Mas há quem aposte na premiação de outro astro do filme, o expressivo buldogue Marvin, o cachorro de Paterson, que deve ganhar a “Palma Dog” (versão da Palma de Ouro para animais). “Ele foi excelente nas improvisações. E se mostrou muito bom para escrever os seus próprios diálogos”, brincou o diretor. Jarmusch já foi selecionado diversas vezes para o Festival de Cannes, desde sua estreia, “Stranger Than Paradise”, premiada com a Câmera de Ouro em 1984, passando por “Flores Partidas”, vencedor do Prêmio do Júri em 2005, até seu longa anterior, “Amantes Eternos”, cuja première aconteceu há dois anos. “Paterson” é seu 9º filme em competição. Mas, fora da competição, ele também exibe seu 9º trabalho no festival, o documentário “Gimme Danger”, sobre Iggy Pop e os Stooges. “Os dois filmes são muito diferentes estilisticamente, mas ambos reforçam a ideia de que você pode escolher o seu caminho”, o diretor comparou. “Você pode escolher o que quer fazer de sua vida. No fundo, ‘Paterson’ é simplesmente sobre isso.”
Cannes: Shia LaBeouf lidera uma nova geração em American Honey
“American Honey”, da diretora britânica Andrea Arnold (“Aquário”), dividiu a critica presente no Festival de Cannes. Enquanto os blogueiros vaiaram, reclamando da longa duração e do fato de que “nada acontece”, além de cenas de sexo, as publicações impressas (a velha geração) rasgaram elogios ao filme, o primeiro que a cineasta rodou nos EUA. A produção é um road movie que acompanha uma trupe de adolescentes chapadões pela “América profunda”, cruzando o Oeste a reboque do carisma do personagem de Shia LaBeouf (“Transformers”), que recruta jovens pobres para vender assinaturas de revistas. Entre eles, destaca-se Star, vivida pela estreante Sasha Lane. Ela não é boa de vendas, mas compensa sendo muito boa de sexo. O roteiro foi inspirado em um artigo publicado em 2007 no jornal The New York Times, sobre grupos de jovens desajustados contratados por empresas para vender produtos pelo país. O filme explora o contraste entre os protagonistas sem perspectivas e as ricas comunidades do interior americano. E, conforme a diretora explicou, também foi baseado em sua própria experiência de pegar a estrada para conhecer os EUA. “Eu tive alguns momentos muito difíceis viajando por conta própria, me deparando com aquele deserto aberto”, disse Arnold, na entrevista coletiva do festival, revelando que chegou a ter aulas sobre como sobreviver a um tornado, ao chegar no Alabama. “Foi bastante interessante, mas também bastante solitário”. O resultado foi aproveitado na tela. “‘American Honey acabou sendo uma mistura da América que eu cresci vendo em Hollywood – a minha ideia romantizada dela – e a América contemporânea que eu vi durante minhas viagens”. Um país que, ela descobriu, é muito mais miserável que imaginava. “Fiquei impressionada pela miséria que vi. Quando as pessoas não tem dinheiro nos EUA, elas não tem direito à saúde pública nem podem ir ao dentista, como os pobres no Reino Unido. Esse tipo de coisa realmente me chocou.” Mas o que mais lhe chamou a atenção foi o tipo de comércio que viu prosperar nos lugares mais afastados, onde encontrou farmácias lotadas. “Perguntei-lhes o que vendia mais e eles disseram analgésicos para as pessoas mais velhas e antidepressivos para pessoas mais jovens. Todos tinham algum vício.” Shia LaBeouf acrescentou sua própria experiência pessoal ao relato. “Em Bakersville, onde meu pai viveu por um tempo, a única coisa que existe é uma prisão. Então, todo mundo trabalha na prisão. Eu sou parte dessa subclasse. É de onde eu venho, então eu sei sobre isso.” “Nessas cidades pequenas, em que não há presença industrial, a única opção de trabalho para quem está saindo da escola são lanchonetes de fast food. E, embora isso pareça muito triste, identifica quem são os personagens do filme”, explicou a cineasta. “A van dos garotos é um microcosmo do sonho americano, com pessoas tentando ganhar dinheiro para realizar seus sonhos”. Assim como o protagonista, Arnold também recrutou seu elenco ao redor da América, selecionando jovens sem muita experiência dramática para contracenar com LaBeouf e Riley Keough (“Mad Max: Estrada da Fúria”), entre eles um trabalhador da construção civil, um skatista e uma ex-dançarina exótica. A grande estrela, Sasha Lane, foi descoberta tomando sol numa praia, durante o spring break, um mês antes do início das filmagens. A princípio, Sasha desconfiou do projeto, já que incluía muitas cenas de sexo. “Mas embarquei na vibe de Andrea”, disse a atriz. “Eu não entedia nada do que ela falava, mas sempre me pareceu muito doce para ser maldosa. Logo vi que ela era alguém importante e que não se tratava de um truque para me fazer filmar uma pornografia barata”. Sasha não foi a única que precisou ser convencida para entrar na “viagem” da diretora. Ela também precisou seduzir Rihanna. A cena em Shia LaBeouf encontra Sasha Lane, dentro de um Walmart, foi feita ao som de “We Found Love”, da cantora. E para conseguir usar a música, ela precisou insistir muito. “Eu adoro começar uma carta com ‘querida Rihanna’”, ela brincou. “Eu tive que escrever várias delas, explicando de que forma usaríamos a música e qual era a proposta do filme e da cena”. Shia, que dança a canção, também precisou de algum convencimento. “Eu me lembro de Andrea chegando perto de mim no primeiro dia e dizendo ‘eu preciso que você dance Rihanna na frente de todo mundo’”, riu. “Foi bem constrangedor, não foi minha parte preferida das filmagens”. Por outro lado, o ator participou de outras situações mais, digamos, agradáveis. Assim como em “Ninfomaníaca” (2013), ele filmou várias cenas de sexo, algumas coletivas, outras raivosas, embaladas por música country e rap. O sexo entrou na trama pelo conceito básico da cineasta. “Ninguém compra revista hoje dia. O que aqueles jovens fazem não é vender papel, mas a si mesmos”, explicou Arnold. E como eles vendem bem. Vendem-se inclusive como futuros astros. Não por acaso, Sasha Lane é a grande revelação do Festival de Cannes 2016.
Cannes: Park Chan-wook seduz com lesbianismo explícito em The Handmaiden
Cannes ficou mais picante com a exibição do thriller erótico “The Handmaiden” (Ah-ga-ssi), do diretor sul-coreano Park Chan-wook (“Oldboy”). O filme é uma adaptação do romance lésbico “Na Ponta dos Dedos” da escritora galesa Sarah Waters, mesma autora do livro que inspirou a minissérie britânica “Toque de Veludo” (Tipping the Velvet, 2002) e o filme “Afinidade” (Affinity, 2008), todos de temática lésbica e passados na Inglaterra vitoriana. Park manteve o enredo, mas avançou algumas décadas, mudou a locação e alterou a etnia das personagens. Passada na Coreia nos anos 1930, durante o período de domínio colonial japonês, a trama acompanha Sook-Hee, uma espécie de “Oliver Twist” lésbica, garota órfã de bom coração que mora num cortiço com ladrões e vigaristas, que se vê envolvida num elaborado golpe do baú planejado por um vigarista profissional. O trapaceiro consegue empregar a jovem órfã como criada na casa de uma família japonesa rica, esperando que ela convença Lady Hideko, herdeira de uma fortuna, a casar-se com ele. Seu plano, porém, não conta com o sentimento que surge entre as duas mulheres. Não por acaso, o título de duplo sentido do romance original alude tanto aos dedos leves dos larápios quanto ao prazer sexual provocado por massagens no clitóris. A encenação das cenas de sexo evoca o frisson provocado por “Azul É a Cor Mais Quente”, vencedor da Palma de Ouro no festival de 2013. Durante o encontro com a imprensa, Park Chan-wook defendeu o lesbianismo explícito dizendo que evitar o sexo seria como fazer “um filme de guerra, sem cenas de batalha”. “É claro que o amor entre estas duas mulheres é o elemento chave do filme”, ele explicou. “Na interpretação deste amor, não há nenhuma maneira de contornar o ato que surge a partir de tanta emoção e desejo”. Mas quando o golpe de sedução falha e vira paixão, o filme adentra outra área, em que Park Chan-wook já se mostrou especialista: a vingança. Juntas, as duas mulheres traçam um plano sangrento contra os homens que tentaram destruí-las. O resultado é uma fantasia de vingança lésbica, que pode ser considerada apelativa para alguns, mas nem por isso deixa de ser lindamente fotografada, muito bem dirigida e absolutamente excitante. Se não estourar nos cinemas, vai virar cult. “Com tantos pequenos detalhes suculentos aqui e ali, eu diria que é a minha obra mais colorida”, acrescenta o cineasta. “The Handmaiden” é o terceiro longa do diretor exibido em Cannes, que reverenciou suas participações anteriores, “Oldboy” (2003) e “Sede de Sangue” (2009), com o Prêmio do Júri. A produção também marca o retorno de Park Chan-Wook ao seu país de origem, após filmar nos EUA o suspense “Segredos de Sangue” (2013). Além do filme, que vai ser lançado nos EUA pela Amazon, o diretor pretende lançar um livro com as fotografias em preto e branco que ele registrou no set durante as filmagens. Ainda não há previsão para a estreia.
Cannes: Com Loving, Jeff Nichols mostra como o amor pode mudar o mundo
A corrida do Oscar iniciou mais cedo este ano, com a exibição de “Loving”, do cineasta americano Jeff Nichols, na competição do Festival de Cannes. Drama sobre uma união interracial ambientado no começo dos anos 1960, o longa tem as qualidades cinematográficas e a relevância social que costumam ser premiadas pela Academia, embora seja mais comportado que filmes de outros países, com os quais disputa a Palma de Ouro. O filme reencena a história verídica do casal Loving, vivido por Joel Edgerton (“O Grande Gatsby”) e Ruth Negga (série “Agents of SHIELD”), que foi sentenciado a deixar o estado de Virginia por 25 anos, sob pena de prisão, por terem se casado no Distrito de Washington, onde o casamento entre um branco e uma negra era aceito pela lei. O caso acabou ganhando repercussão nacional, com envolvimento do então procurador da república Robert Kennedy e uma reportagem da revista Life, e foi parar na Suprema Corte americana. Como resultado, a decisão da justiça federal serviu para derrubar as restrições ao casamento entre pessoas de raças diferentes nos Estados Unidos. Ao contrário de outro filme sobre o período, “Selma” (2014), não se trata de um registro de confronto civil, mas uma exaltação do amor. Apesar de envolver racismo, “Loving” não vai para as ruas nem passa muito tempo em tribunais, preferindo focar na relação do casal, de temperamento tranquilo e amoroso, sem qualquer histórico de militância ou rebeldia. “Eu poderia ter feito um drama de tribunal tradicional, gênero que acho fascinante. Mas meu objetivo era contar a história de duas pessoas apaixonadas, cuja história pessoal é afetada por decisões políticas”, explicou o diretor, no encontro com a imprensa internacional em Cannes. “O que mais me espanta é que este tipo de filme tenha eco na atualidade. Custo a entender porque duas pessoas que se amam não podem ficar juntas”, aprofundou o protagonista do filme, o ator australiano Joel Edgerton, lamentando que isso seja “um debate político atual” em muitos países. A atriz irlandesa Ruth Negga ecoou o colega, lembrando a situação política de seu país. “A Irlanda passou agora pela votação de um referendo em prol da oficialização do casamento gay, o que me deu orgulho e me fez reconhecer a importância de manter vivo o debate sobre diferentes formas de preconceito”, ela destacou. Além do casal principal, “Loving” também destaca Michael Shannon (“O Homem de Aço”), ator-fetiche do diretor, presente em quatro de seus cinco filmes, que interpreta o repórter fotográfico Grey Villet, da revista Life, cujas imagens ajudaram os Lovings em sua luta. O lançamento vai chegar aos cinemas num ano extremamente politizado, quando a questão da igualdade racial, sexual e religiosa ocupa o centro do debate da eleição presidencial americana. E Nichols tem plena ciência disso. “Espero que ‘Loving’ ajude as pessoas a pensar nesse tipo de assunto em ano de eleição”, disse o diretor, que aos 38 anos é considerado um dos grandes nomes do cinema indie americano.
Cannes: Spielberg busca a magia de sua juventude em O Bom Gigante Amigo
Steven Spielberg está de volta a Cannes, três anos após presidir o júri que deu a Palma de Ouro ao belo “Azul É a Cor Mais Quente”, desta vez buscando agradar outro público. Em “O Bom Amigo Gigante”, ele retoma as produções infantis, levando às telas uma adaptação do livro de fantasia escrito por Roald Dahl (autor de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”) em 1982. O filme acompanha uma menina que, ao ficar acordada até tarde num orfanato, descobre a existência de um gigante, e embarca numa jornada de encantamento e perigo, acompanhando-o até uma terra mágica, onde conhece sua missão de levar sonhos bons para as crianças. Entretanto, nem todos os gigantes são bonzinhos e a jovem logo se vê em apuros. O livro foi publicado no mesmo ano em que Spielberg lançou seu maior sucesso entre as crianças, o clássico “E.T. – O Extraterrestre” (1982). A lembrança da sci-fi juvenil, claro, foi bastante evocada durante o encontro com a imprensa em Cannes. E deverá ser perpetuada durante sua estreia comercial, numa homenagem à roteirista de ambas as produções. “Para mim não foi como voltar ao passado, foi revistar algo que eu sempre amei fazer: contar histórias cheias de imaginação”, explicou o diretor, no encontro com a imprensa internacional em Cannes. “Quando faço filmes históricos, como ‘Lincoln’ ou ‘Ponte dos Espiões’, a imaginação é um pouco deixada de lado. Aqui, me senti livre. Fazer o filme me trouxe de volta sentimentos que tinha quando era um cineasta mais jovem. De que trata este filme? Simplesmente do poder da imaginação”. O cineasta contou que leu o romance de Roald Dahl a seus sete filhos quando eram pequenos, e a reação das crianças foi sua principal inspiração para filmá-lo. “Estou sempre à procura de uma boa história. Às vezes elas estão na nossa frente”, comentou. Para ele, esta história contém uma mensagem importante. “Devemos acreditar na magia, quando o mundo não deixa de piorar, precisamos de magia”. A ideia de evocar um mundo mágico para as crianças o inspirou a retomar uma saudosa parceria. Para materializar a adaptação, ele tirou a roteirista Melissa Mathison (“Kundun”) da aposentadoria. Especialista em fantasias estreladas por crianças, Melissa foi quem escreveu “E.T. – O Extraterrestre”, e voltou a evocar a mesma sensação de maravilhamento em “O Bom Amigo Gigante”. Infelizmente, ela já lutava com um câncer durante o trabalho e veio a falecer após entregar o roteiro finalizado, em novembro passado. Mas se há essa ligação sentimental com o passado, a produção também reflete as novas experiências do diretor com a tecnologia digital. Spielberg utilizou a experiência adquirida durante as filmagens da animação “As Aventuras de Tintim” (2011) para trabalhar com captura de performance. O gigante do título, por exemplo, ganhou vida por meio dessa técnica, interpretado por Mark Rylance, que venceu do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo filme anterior do cineasta, “Ponte dos Espiões” (2015). Rylance falou um pouco sobre a experiência, que envolve usar macacões cheios de pontos para leitura de computadores. “Para mim, não foi muito diferente de ensaios no teatro. Você precisa usar sua imaginação. Não há câmeras nem a necessidade de usar marcações rígidas.” Spielberg aproveitou para tecer elogios ao ator, com quem ainda vai trabalhar em seus próximos dois filmes, a sci-fi “Jogador Nº 1” e o drama de época “The Kidnapping of Edgardo Mortara”. “Tenho sorte de conhecê-lo. E mais sorte ainda por termos nos tornado amigos. Conheci muita gente em 40 anos de carreira, mas não trouxe muitas pessoas para minha vida. Mark é um dos raros, e ter com ele amizade e relação profissional é um sonho.” Para o papel principal, porém, o diretor apostou numa pequena estreante: a inglesa Ruby Barnhill, que debuta no cinema aos 11 anos de idade. Sentada ao lado de Spielberg durante a coletiva de imprensa, a jovem atriz disse que “fez aulas de teatro” e participou de uma série infantil britânica (“4 O’Clock Club”) antes de filmar a fantasia. Mas acabou revelando-se tão encantada com Cannes quanto com a terra de gigantes. “Isto aqui é incrível”, ela exclamou. “O Bom Amigo Gigante” estreia em 28 de julho no Brasil, quase um mês após o lançamento nos EUA.
Cannes: Jodie Foster empolga com o thriller O Jogo do Dinheiro
A atriz e diretora Jodie Foster (“Um Novo Despertar”) esteve pela primeira vez em Cannes há exatos 40 anos, durante a première de “Taxi Driver” (1976), que venceria a cobiçada Palma de Ouro. “Tinha 12 anos e só lembro que estava cheio de fotógrafos. Aquele foi o início da minha carreira como atriz. Retornar agora como diretora é uma grande honra”, ela contou, em seu encontro com a imprensa internacional, a respeito de seu retorno ao festival para lançar “Jogo do Dinheiro”, exibido fora de competição. O filme de Foster causou frenesi, mas mais por conta de suas estrelas, George Clooney (“Ave, César!”) e Julia Roberts (“O Maior Amor do Mundo”), reverenciados, na Europa, como realezas de Hollywood. Foi a primeira vez que Roberts subiu a mítica escadaria de Cannes, arrancando gritos e aplausos da multidão. Contente com a idolatria que a profissão lhe rende, Roberts diz que jamais teria a coragem de Foster para virar diretora. “Com alguma frequência as pessoas me perguntam isto. Não tenho esta intenção, porque conheço minhas limitações intelectuais e de paciência. Não posso ter mais de quatro pessoas me fazendo perguntas a todo instante.” Em “Jogo do Dinheiro”, por ironia, é exatamente este o seu papel, como produtora e diretora de um programa televisivo, que se se vê às voltas com uma situação tensa que requer grande concentração e capacidade de discernimento. Trata-se de um thriller, centrado na invasão de um estúdio de TV por um homem desesperado, que toma como refém um guru econômico cujas dicas o fizeram acabar na miséria. Falando sobre a trama, o também produtor George Clooney assumiu como referência o clássico “Rede de Intrigas” (1976), dirigido por Sidney Lumet. “Este filme trabalha a evolução do que se tornou a encruzilhada entre o jornalismo e o entretenimento. ‘Rede de Intrigas’ começou com isto, e é considerada uma das melhores comédias de humor negro de todos os tempos. Trata-se de um excelente filme, mas não é uma comédia. Tudo o que foi escrito na época se tornou realidade, a gente sequer poderia imaginar que poderíamos ter reality shows como os sugeridos na época. Neste filme, refletimos sobre isto, sobre o momento em que o jornalismo precisa render dinheiro ao invés de simplesmente produzir notícias.” Na trama, Clooney interpreta Lee Gates, apresentador do programa “Money Monster”, que serve de título original ao filme, onde dá dicas de economia e, para entreter o público, chega até a dançar. “Quando Jodie veio falar comigo, ela disse que queria fazer um musical”, brincou o ator, sobre a situação. “Ela me perguntou se eu poderia dançar, contratou uma coreógrafa muito talentosa, mas como sou um dançarino muito ruim acho que ficou engraçado.” O ator aproveitou para lembrar como o público é seduzido pelo que vê na TV. Situação que chega ao extremo quando um bilionário apresentador de reality show se torna um candidato viável à presidência dos EUA. “Trump é o resultado dessa tendência cada vez mais gritante na TV, no qual brincadeira substitui notícia. O fato, ilustrado no filme, de que um apresentador de TV sem nenhuma seriedade é instado a dizer para as pessoas como elas devem investir seu dinheiro mostra a que grau de loucura nossa sociedade chegou”. O personagem que invade o estúdio, por sua vez, é interpretado pelo britânico Jack O’Connell (“Invencível”), que na história se revela uma vítima da corrupção do sistema financeiro. “O personagem de Jack encarna a raiva que muitos sentem diante dos abusos do sistema financeiro”, resumiu Foster. Ele pede justiça, que lhe expliquem como seu dinheiro evaporou depois que, na tela de TV, prometeram-lhe todo tipo de garantia. Exige que continuem transmitindo ao vivo seu questionamento, que apareça o responsável pelo esquema e que confesse às pessoas como funciona aquele banditismo, capaz de fazer vítimas sem que isso seja considerado crime. Conforme as respostas surgem, “O Jogo do Dinheiro” revela-se mais que um thriller. É também uma denúncia. “Eu ainda não tinha visto muita reação de Hollywood à crise financeira”, disse Dominic West (série “The Affair”), que interpreta um banqueiro no filme. “A possibilidade de responsabilizar os banqueiros de uma maneira muito visual e dramática foi o que me atraiu no projeto”, ele apontou. Para completar a reflexão econômica, Foster lembrou que a crise também afeta o negócio cinematográfico e dificulta, cada vez mais, que se façam filmes mais ousados. “Eu acho que os executivos dos estúdios estão com medo”, ela avalia. “Acho que este é o período mais avesso ao risco na história do cinema. Muitas coisas mudaram em termos de economia e de estrutura nos estúdios. Por isso, hoje, a televisão se presta mais à inovação, pois com custos menores se pode arriscar mais”, comparou, lembrando que recentemente dirigiu episódios da série “Orange Is the New Black”. A crítica internacional, entretanto, prefere que ela continue no cinema. O consenso é que “O Jogo do Dinheiro” é um de seus melhores trabalhos. “Empolgante” foi a descrição mais utilizada. E não faltou quem publicasse que os filmes exibidos fora de competição – incluindo “Café Society”, de Woody Allen – , estavam dando banho nos primeiros longas da programação oficial de Cannes. “O Jogo do Dinheiro” estreia em duas semanas, no dia 26 de maio, no Brasil.
Cannes: Woody Allen traz glamour à abertura do festival
O Festival de Cannes não poderia ter escolhido um filme mais glamouroso para abrir sua 69ª edição. “Café Society” tem a leveza de “Meia-Noite em Paris”, que abriu o evento em 2011. E exibe algumas das imagens mais belas da carreira do diretor Woody Allen, cortesia do veterano cinematógrafo Vittorio Storaro (“O Último Imperador”) e da fotogenia da estrela Kristen Stewart (“Acima das Nuvens”), dois ícones cinematográficos completamente distintos e com quem ele nunca tinha trabalhado antes. Comédia romântica de época, na linha do recente “Magia ao Luar” (2014), “Café Society” traz Jesse Eisenberg (“Batman vs. Superman”) como alterego de Allen. O cineasta já tinha dirigido o ator em “Para Roma, com Amor” (2012) e aproveita o reencontro para projetar no jovem a nostalgia por sua própria juventude, evocando paixões numa Hollywood glamourosa e numa Nova York igualmente retratada sob as luzes da estilização, durante a década de 1930. “Sempre me achei um cara romântico, embora essa opinião não seja necessariamente compartilhada pelas mulheres com quem convivi ao longo da minha vida”, brincou Allen, com seu célebre humor autodepreciativo, durante a entrevista coletiva com a imprensa internacional. “Cresci assistindo a filmes de Hollywood, que tiveram influência sobre mim, e é assim que me vejo. Tendo a ser romântico quando tento fazer filmes de amor. ‘Match Point’, por exemplo, não foi um filme romântico. Quando faço um filme de amor, ele tende a ser como ‘Café Society’, porque é um reflexo da minha formação”, explicou. No filme, Jesse Eisenberg vive Bobby, um jovem judeu de Nova York que, entendiado com os rumos de sua vida, vai tentar um recomeço em Los Angeles, com a ajuda do tio Phil (Steve Carell, de “A Grande Aposta”), poderoso agente de talentos de Hollywood. Mas, ao se apaixonar pela bela Vonnie (Kristen), secretária do tio, parte o coração e decide voltar para a Costa Leste. A experiência com as celebridades continua com seu envolvimento num nightclub frequentado por ricos e famosos, referência ao Café Society do título, que é administrado por seu irmão mafioso (Corey Stoll, de “Homem-Formiga”). Neste novo cenário, ele também conhece a paixão, ao encontrar Veronica (Blake Lively, de “A Incrível História de Adaline”). Entretanto, o romantismo de Woody Allen não é exatamente edulcorado. Ao final, há uma reviravolta melancólica. “Em filmes, tendemos a ver a vida como algo divertido. Mesmo quando vemos marido traindo a mulher, ou cônjuges mantendo relacionamentos misteriosos. Mas, analisando seriamente, tudo isso é muito triste, porque vemos pessoas sendo traídas, tendo casos, destruindo famílias e relacionamentos. Filmes adotam uma perspectiva cômica da crueldade da vida”, ele comentou, a respeito da trama de “Café Society”. “Dá vertigem, porque é como acontece na vida: você sempre pergunta se tomou as decisões corretas”, comentou Kristen Stewart, presente – e platinada! – à entrevista, a respeito da história escrita por Allen. Apesar do tom nostálgico nas lembranças da velha Hollywood e da romantização boêmia de Nova York, a recriação de época de “Café Society” contou com a incorporação de tecnologia de ponta. Pela primeira vez, e com excelentes resultados, Woody Allen trabalhou com câmeras digitais. “Para mim não mudou nada. Tenho ali a câmera e o elenco que precisa ser iluminado. O processo, para mim, é o mesmo que tenho feito com película. O digital oferece mais opções quando o filme está pronto. Mas não comprometi o meu modo de filmar por causa desse detalhe”, ele ponderou. A facilidade que a tecnologia propicia ao trabalho de pós-produção, entretanto, é vital para um cineasta que mantém um ritmo intenso, lançando um filme por ano desde 1982, apesar da idade avançada. “Eu mesmo não acredito que cheguei aos 80 anos!”, comentou Allen, divertindo a imprensa, antes de retomar seu humor mórbido, que continua desconcertante. “Minha mãe morreu com quase 100 anos, meu pai passou disso. Mas um dia, tenho certeza, acordarei pela manhã e terei um derrame, e vou parar em uma cadeira de rodas. Aí as pessoas vão apontar para mim na rua e dizer: ‘Lembra dele? Costumava fazer filmes. Agora ela faz isso (treme a mão, simulando um descontrole motor)’”. Woody Allen já lançou 14 filmes em Cannes, sempre fora de competição, porque não concorda que filmes possam ser comparados e que o trabalho de um cineasta deva ser considerado melhor que o de outro. “Café Society” será distribuído nos EUA com exclusividade pelo Amazon Studios, que pretende realizar um lançamento limitado nos cinemas em julho, antes de disponibilizá-lo na internet. No Brasil, a estreia está marcada apenas para 27 de outubro.






