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    A Comunidade explora a utopia hippie e socialista da vida coletiva

    2 de setembro de 2016 /

    Uma casa linda e enorme, em lugar privilegiado de Copenhague, chega de herança para Erik (Ulrich Thomsen, da série “Banshee”), casado com Anna (Trine Dyrholm, de “Amor é Tudo o Que Você Precisa”). O desejo de viver numa casa assim só se viabiliza envolvendo outras pessoas e isso parece encantar Anna, que acaba por convencer o marido a montar uma comunidade com pessoas amigas e conhecidas. Estamos em 1975 e a ideologia do movimento hippie, de paz, amor e vida coletiva, de preferência na natureza, estava em alta. Ao contar essa história, “A Comunidade” procura fazer uma radiografia do que está em jogo nas relações humanas. Para começar, conviver com todo tipo de diferenças: de classes sociais, crenças, religiões, características de personalidade, aspectos geracionais, sentimentos que afloram uns em relação aos outros, medos, ansiedades, excessos, excentricidades. É preciso estabelecer regras claras de funcionamento e de como punir quem não as cumprir. As decisões têm de ser tomadas de forma coletiva e democrática. Há ainda a questão da posse do imóvel e do aluguel. Por exemplo, em uma das reuniões da casa, decidiu-se que o aluguel a ser pago por cada um deveria ser proporcional à sua renda, o que acabou produzindo um aumento brutal no aluguel do membro mais rico. Viver em comunidade supõe uma dedicação ao coletivo muito rara de se encontrar em quem foi educado nos cânones individualistas de um capitalismo altamente competitivo. É bonito, sobretudo para as crianças, conviver numa família maior, enorme e calorosa. Mas o desapego dos pais precisa ser muito grande, também. Alguns não resistirão por muito tempo e cairão fora. Parece inevitável. Mudanças como essas, para serem possíveis e duradouras, exigem um teste de realidade que, mais cedo ou mais tarde, se imporá. Se o principal atingido for o casal de intelectuais que concebeu o experimento, a coisa se complica muito. Experiências de vida coletiva, de inspiração socialista, parecem produzir um tipo de felicidade que tem hora para acabar. Pelo menos, no nosso contexto socioeconômico capitalista. E até mesmo diante do êxito do Estado de Bem-Estar Social construído na Escandinávia, que resiste lá até hoje. As questões econômicas podem pesar menos para cada um, nos países ricos, mas a realização do sonho coletivo ainda não encontrou registro histórico palpável. O novo trabalho do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg lida com a complexidade do tema de forma competente e com profundidade. O realizador de “Festa de Família” (1988), “Submarino” (2010) e “A Caça” (2012) enfrenta questões sérias com coragem e não teme a polêmica. É um grande cineasta. O elenco é igualmente muito bom. Rende bem. O casal de protagonistas, que enfrenta questões emocionais mais intensas, mostra do que é capaz, em papéis difíceis. Ulrich Thomsen é um talento reconhecido, tem uma larga carreira no cinema e TV escandinavos. Trine Dyrholm também, e recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim deste ano por este filme.

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    Francofonia é um filme sofisticado, que dá margem a muitas reflexões

    26 de agosto de 2016 /

    História e Arte são elementos centrais do trabalho do cineasta russo Alexandr Sokurov. Em 2002, em “A Arca Russa”, ele percorreu o museu Hermitage, em São Petersburgo, num único plano-sequência, mostrando as obras de arte associadas a elementos da história russa, sendo encenados à medida em que a visita acontecia. Agora, o foco de seu interesse é o Museu do Louvre, em Paris, num momento delicado de sua história: o da ocupação nazista. “Francofonia – O Louvre sob Ocupação” nos oferece a oportunidade de conhecer um pouco da história desse museu emblemático, que reflete a própria história da França, exibe algumas de suas obras pictóricas e esculturas, abordando as relações entre poder e arte e os significados associados aos acervos culturais. Os museus representam a própria civilização em seu momento mais glorioso: o da criação artística. Para Sokurov, não há nada mais importante do que eles. O que significaria a França sem o Louvre, ou a Rússia, sem o Hermitage? É isso o que talvez explique a luta pela preservação de obras de arte em meio às guerras. Esta, porém, não é uma questão a ser entendida linearmente. “Francofonia” mostra que o poder nazista pretendia incorporar a cultura e a arte francesas a um suposto Estado francogermânico, que se sucederia aos conflitos da 2ª Guerra Mundial. Daí a reverência, o respeito e o desejo de preservar o patrimônio artístico-cultural francês. Já quanto ao acervo cultural soviético, não havia qualquer preocupação de preservação. Esse era o inimigo a ser eliminado, varrido do mapa civilizatório. A justificativa para o combate à arte degenerada, tal como mostra muito bem o documentário “Arquitetura da Destruição” (1992), de Peter Cohen, é puramente ideológica. O combate ao comunismo soviético levaria tudo para essa categoria de avaliação. Considere-se, ainda, que preservar, aqui, significa também roubar, saquear, como resultado das guerras. A própria figura de Napoleão Bonaparte é chamada em encenação do filme não só apreciar a arte em que ele figurava, mas para jactar-se de ter amealhado todo aquele acervo maravilhoso para a França. Obras de grande valor artístico também têm de ser transportadas e estão sujeitas a todo tipo de risco, como o representado pelos temporais que atingem os navios. De qualquer modo, os bombardeios são fatais. E foi preciso deslocar a maior parte das peças do Louvre, durante a guerra, para evitar um possível desastre. Se alguém se preocupa seriamente com essas coisas, tanto estando do lado dos invasores quanto dos invadidos, é sinal de que há esperança e civilização possíveis. Em “Francofonia”, isso é mostrado pela relação entre o diretor do Louvre do período, Jacques Jaujard (1895-1967), interpretado por Louis-Do de Lencquesaing, que continuou seu trabalho junto ao governo colaboracionista de Vichy, e o conde Wolff Metternich (1893-1978), vivido por Benjamin Utzerath, o interventor que, em nome do governo alemão, tinha a tarefa de controlar o acervo artístico e, quando solicitado, enviá-lo para a Alemanha. O que ele evitou de forma consciente que, de fato, se concretizasse. A parceria de Jaujard e Metternich em nome da arte, em plena guerra, transforma até o sentido de palavras como colaboracionismo, obediência e patriotismo, tão comuns em referências bélicas, porque surge uma ética que se superpõe a essas questões, em nome da humanidade e da cultura universal. “Francofonia” é um filme rico, que dá margem a muitas reflexões de toda ordem e é criativo, do ponto de vista cinematográfico, além de visualmente muito bonito. Cenas documentais filmadas na época se acoplam a encenações atuais, por meio das tonalidades fotográficas. Passado e presente se integram em panorâmicas da cidade de Paris e do Louvre, os personagens dialogam com as obras de arte dentro do museu e o próprio filme se faz à nossa frente, contando com as explicações narradas por Sokurov. É um filme sofisticado, que não tem a pretensão de atingir grandes bilheterias. É daquelas coisas pelas quais os cinéfilos babam, mas muito gente acha simplesmente tedioso. Fazer o quê? Não é todo mundo que consegue apreciar uma obra de arte.

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    Esperando Acordada encontra graça e leveza numa tragédia fortuita

    19 de agosto de 2016 /

    Um susto produz uma queda. Homem desconhecido, não deu nem para ver o rosto. E se ele tiver morrido? É preciso socorrê-lo. Mas a garota atrapalhada, vestida de morte para animar festas infantis, se perdeu e já está muito atrasada. Um telefonema para a polícia resolve isso. É só usar o celular e se mandar… E agora? Fazer de conta de que nada aconteceu? Impossível. A culpa não deixaria. Será que ele morreu? É preciso saber. Parece que está em coma. Ufa! Ainda há reparação possível. É preciso descobrir quem ele é, como vive, onde mora. Entrar na sua vida, cuidar das suas necessidades. E até de seu filho. Quem sabe, amá-lo. A trama de “Esperando Acordada” explora as circunstâncias fortuitas da vida que podem mudar tudo de uma hora para outra. E as adaptações e acomodações que temos de fazer para dar conta da nova situação. A insatisfação, a infelicidade, a mediocridade são componentes rotineiros da vida das pessoas. Se algo extraordinário acontece, o sentido dessas vidas pode até se iluminar, descobrir algo onde quase não havia nada. O filme da cineasta francesa Marie Belhomme traz essa história curiosa e transformadora, apresentando um caso de amor e dedicação, ancorado na expiação da culpa e no fascínio pela vida do outro. Como estreia em longas da diretora, é um bom começo. Isabelle Carré (“Românticos Anônimos”) faz a jovem Perrine, com todas as nuances que o personagem pede, e carrega o filme. Apesar de haver no elenco ninguém menos do que Carmen Maura (“Volver”), que sempre será lembrada pelos incríveis papéis que fez nos filmes de Pedro Almodóvar. Aqui, ela parece um tanto deslocada, numa função coadjuvante, sem maior brilho. Philippe Rebbot (“Os Cavaleiros Brancos”) e Nina Meurisse (“Além do Arco-Íris”) completam o elenco com eficiência. “Esperando Acordada” não é nenhuma grande obra do cinema, mas é uma graça de filme.

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    A Viagem de Meu Pai diverte com um personagem inesquecível

    15 de agosto de 2016 /

    Akira Kurosawa (1910-1998) considerava que uma condição essencial para se ter um bom filme é se ter um bom personagem. De fato, um personagem bem estruturado, psicologicamente consistente, inserido em seu contexto sociocultural e histórico, é capaz de envolver o público, cativá-lo, provocá-lo ou assustá-lo. É meio caminho andado para que um filme funcione e atinja o espectador, razão de ser da produção cinematográfica, algumas vezes ignorada pelos realizadores. O personagem Claude (Jean Rochefort), de “A Viagem de Meu Pai”, é uma dessas figuras que marcam presença com força e prendem a nossa atenção o tempo todo. Impossível ficar indiferente a ele. E quem é Claude? Um homem na faixa dos 80 anos, que tem força, presença marcante, alta autoestima e, consequentemente, uma boa imagem de si mesmo e de suas capacidades e recursos. Só que ele já está sofrendo do mal de Alzheimer, mas não se dá conta disso. Ou prefere não ver que seus esquecimentos, as confusões que ele acaba provocando, as dificuldades que surgem no convívio com as pessoas, são consequência de um problema sério, de uma doença que atinge a mente, embora possa mantê-lo ativo e serelepe. O desgaste que sua filha sofre e demonstra, inclusive com a troca de cuidadoras que ele, de um lado, rejeita, de outro, se relaciona de um modo totalmente inconveniente, não é percebido como algo relacionado ao que ele faz. Assim como as malandragens que o divertem são da ordem de um comportamento infantil, que ele não percebe como fora de lugar. Enfim, o roteiro do diretor Philippe Le Guay e de Jérôme Tonnerre, com base em história de Florian Zeller, explora muito bem as características da doença de Alzheimer, se manifestando numa pessoa dinâmica, forte e divertida, muito difícil de abordar, controlar e restringir. Tanto que, quando ele resolve fazer uma grande viagem, o fará, de um modo ou de outro. No caso, o destino é a Flórida, onde supostamente vive sua outra filha, e que produz um suco de laranja inigualável. Claude não aceita nenhum outro suco em seu lugar. Para que o filme se complete, surpreenda ao final e faça valer a boa trama que construiu, aplica-se uma pegadinha na plateia. Sem ela, não seria possível. Não gosto desse recurso, apesar de reconhecer que funciona no filme. É, digamos, um mal menor que se pode tolerar. A direção, numa abordagem clássica, consegue passar um clima de leveza e informação séria, que faz a gente refletir, se divertindo. À semelhança de um outro trabalho anterior de Philippe Le Guay, “Pedalando com Moliére” (2013), o humor é o seu ponto forte. Um humor inteligente, sofisticado. Em “A Viagem de Meu Pai”, nada supera a construção do personagem. É seu grande trunfo. Claude é muito especial e vivido com enorme talento pelo ator Jean Rochefort (“Uma Passagem para a Vida”). Ele é brilhante, consegue uma atuação impecável, luminosa, que encanta. A gente ri, se diverte, sofre com ele, torce por ele, admira sua determinação. Rochefort constrói um personagem inesquecível, que vale o filme.

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    De Longe Te Observo confirma bom momento do cinema latino-americano

    3 de agosto de 2016 /

    O venezuelano “De Longe Te Observo”, primeiro longa de Lorenzo Vigas, foi o vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e chegou a ser exibido na 39ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com seu título original, “Desde Allá”. O filme navega num universo em que a homossexualidade como desejo traz à tona uma série de questões e constrói uma narrativa complexa, muito forte, que surpreende. Tem uma estrutura consistente, que inclui a realidade social dos meninos de rua, mexe e brinca com preconceitos estabelecidos. E envereda por uma trama que tem elementos policiais e suspense. Faz tudo isso de forma bem concatenada. A narrativa se centra no relacionamento entre Armando (Alfredo Castro), um homem que paga para que jovens fiquem nus para ele se masturbar sem tocá-los, e Elder (Luís Silva), adolescente em situação de rua, que lidera uma gangue juvenil. A relação se dá por meio do dinheiro, mas se estabelece de forma complicada, trazendo muitos elementos. O dinheiro aparece como roubo, meio de agressão, chantagem, afeto ou solidariedade. Traz mistérios que envolvem o passado de Armando e o pai dele, que entrarão nessa relação, vinculando dois personagens que, a rigor, só estariam em contato em função de interesses imediatos e fugazes. Assim como o personagem Armando, a câmera observa as situações, passeia pela vida deles e de seus encontros, dá tempo para que entendamos o contexto e as variáveis que os envolvem, mantendo um clima seco, duro e algo misterioso. O que está para ser revelado nunca sabemos muito bem o que é, do que se trata realmente. A trama conta especialmente com os dois protagonistas em ótima atuação, sutil e contida, que ajudam a prender a nossa atenção para o que vai se desenrolar em camadas sucessivas. A história original que serviu de base para o roteiro do diretor é do escritor e roteirista mexicano Guillermo Arriaga, de trabalhos como “Babel” e “Amores Brutos”. O filme é coproduzido pelo México. E resultada num belo trabalho do cinema venezuelano, que confirma a observação de um grande momento criativo para a sétima arte na América Latina.

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    Um Dia Perfeito denuncia a burocracia que aumenta o absurdo da guerra

    30 de julho de 2016 /

    “Um Dia Perfeito” é um filme espanhol, falado em inglês e nas línguas locais do conflito que aborda, baseado no romance “Dejarse Llover”, de Paula Farias, escritora, médica humanitária e ex-presidente da ONG Médicos Sem Fronteiras. O argumento enfoca agentes de resgate humanitário, atuando na guerra dos Bálcãs, em 1995. Esses agentes têm por missão salvar vidas e resolver questões sensíveis em meio aos conflitos da guerra. São pessoas dedicadas, persistentes, que têm de enfrentar burocracias paralisantes, assistir à inoperância da ONU e manter o humor, em meio a circunstâncias trágicas. Como diz o diretor Fernando León de Aranoa, “Salvar vidas não é um ato heróico em si. O heroísmo vem da persistência”. O que explica que os personagens retratados no filme sejam figuras absolutamente corriqueiras, mas colocadas num contexto exasperante e que assim se aguentam e sobrevivem de ajudar os outros. No filme, a região conflagrada já está em procedimentos de paz, mas tudo está muito confuso por lá. Um defunto foi arremessado no único poço que abastece uma região, para contaminar a água que serve à população local. Para tirar esse corpo de lá, será preciso obter uma corda, o que pode não ser uma tarefa simples. Há as minas colocadas nas estradas, ao lado de vacas que bloqueiam a passagem. E há, é claro, uma burocracia ilógica e incompreensível. Como é toda burocracia, diga-se de passagem. Um bom assunto para uma comédia ácida, que se vale da ironia e da farsa para revelar, uma vez mais, os absurdos das guerras e dos mecanismos internacionais de controle a elas associados. Um elenco de atores e atrizes de peso consegue dar o tom apropriado a essa história, que é cômica porque também é trágica. Benício Del Toro (“Sicário”) e Tim Robbins (“Laterna Verde”), em ótimos desempenhos, nos colocam no fulcro da questão, olhando para o poço contaminado, levando um menino em busca de uma bola, percebendo que as cordas muitas vezes estão ocupadas pelos enforcados. A atriz ucraniana Olga Kurylenko (“Oblivion”) e a francesa Mélanie Thierry (“O Teorema Zero”) são os destaques femininos. Muito convincentes. O filme foi exibido na Quinzena dos Realizadores, em Cannes 2015, e venceu o Prêmio Goya, o Oscar espanhol, de Melhor Roteiro Adaptado, escrito por Aranoa.

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    As Montanhas se Separam pondera o futuro da China

    23 de junho de 2016 /

    Em “As Montanhas se Separam”, do cineasta chinês Jia Zhang-Ke, tudo começa com um triângulo amoroso. A professora Tao (Zhao Tao, esposa do diretor) tem como pretendentes dois amigos de infância: Zhang (Zhang Yi), dono de um posto de gasolina, e Liangzi (Jing Dong Liang) que trabalha numa mina de carvão. Zhang, com espírito empreendedor capitalista, vai se tornar dono da mina em que Liangzi trabalha e, assim, o confronto amoroso se espelha e se reflete no confronto da China moderna, entre trabalho e capital, que põe em xeque a própria identidade do país. E deixa ao desamparo os trabalhadores. Estamos em 1999, sob uma China em mutação, em que o dinheiro ocupa lugar de destaque. A escolha do mais abonado para casar parece óbvia e natural, mas é uma opção que traz muitas consequências e deixa inevitáveis sequelas. Casamento, filho que nasce e concepções de mundo que se chocam. Coisas que poderiam ser triviais na vida de um casal, mas que acabam por produzir separações e distâncias tão grandes que nem o filho em comum pode aproximar. As montanhas se separam, as distâncias se alargam. A meca encontrada pode estar bem longe para um, a Austrália, ou bem aqui mesmo, para outra, o que resta da China transformada, em 2014. Uma séria questão de identidade vai permear a vida do filho que, de Zhang Daole, seu nome original, passará a ser conhecido como Dollar onde vive, na Austrália. O dinheiro se intromete de forma decisiva na sua própria existência, na forma como se reconhece. O que estará acontecendo com essas pessoas, em 2025? Que será da China, então? Os chineses que crescerem fora do país sequer terão conhecimento de seu próprio idioma. Como sobreviverão aqueles trabalhadores representados por Liangzi? Jia Zhang-Ke fala de amores, distâncias, esperanças, rompimentos na vida pessoal, para falar da identidade chinesa, preocupado não apenas com as tradições culturais, mas principalmente com a vida do povo mais simples, menos preparado para sofrer as consequências da globalização e dos novos rumos que o país persegue há algum tempo e que, pelo jeito, só se acentuarão nos próximos anos. Para isso, o diretor vai às suas origens, à região onde nasceu e se desenvolveu, à sua Fenyang, mostrada por Walter Salles no documentário que dedicou ao cineasta chinês. “As Montanhas Se Separam” é um filme coerente com a obra anterior de Jia Zhang-Ke (como “Plataforma”, vencedor do Festival de Berlim em 2000, “Em Busca da Vida”, vencedor de Veneza em 2006, e “Um Toque de Pecado”, premiado como Melhor Roteiro de Cannes em 2013), que vê os dramas pessoais ecoando na coletividade e as questões sociais penetrando no âmago da vida dos seus personagens. A história é referência permanente de um mundo que vive em transformação. De forma vertiginosa, no caso chinês.

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    Na Ventania denuncia a limpeza étnica de Stalin em quadros vivos de opressão

    23 de junho de 2016 /

    Não é todo dia que se vê, no círculo comercial dos nossos cinemas, um filme da Estônia. Em “Na Ventania”, é abordada uma história gravíssima, ocorrida durante a 2ª Guerra Mundial. Em 14 de junho de 1941, Stalin deflagrou uma operação secreta de limpeza étnica dos povos nativos nos países bálticos: Estônia, Letônia e Lituânia. Famílias inteiras foram deportadas de seus territórios locais e enviadas a prisões, ou gulags, e campos de trabalho forçado na Sibéria, separando homens e mulheres. Uma dessas mulheres da Estônia, Erna Tamn, separada de seu marido, Heldur, escreve a ele cartas da Sibéria, em busca de reencontrá-lo algum dia, enquanto procurava sobreviver com apenas um pedaço de pão diário. São essas cartas, que conheceremos em off pela voz da atriz Laura Peterson (série “Babylon 5”), que servirão de narrativa ao filme, cobrindo um período de muitos anos, que passa pela morte de Stalin e chega às mudanças políticas que se sucederam. O trabalho do diretor Martti Helde, estreante em longas, é bastante original, ao optar, na maior parte do tempo, por compor tableaux vivants com os atores e atrizes. A câmera se move, explora a cena, altera os enquadramentos, se aproxima com o zoom, mas os atores não se movem. Somente um piscar de olhos ou a presença do vento se nota. Em outros momentos, há movimentos, compondo uma atuação minimalista. Não há diálogos, só os textos das cartas. A exceção é uma notícia que se ouve por meio do rádio. A fotografia, em preto e branco, é belíssima. Os ambientes naturais, muito bem escolhidos, favorecendo a exploração da luz e dos espaços pela filmagem. As encenações, com os atores e atrizes compostos como estátuas, são extremamente detalhadas, produzindo enquadramentos magníficos, que se transformam com o movimento da câmera, mantendo a condição de belos quadros o tempo todo. Essa técnica acaba tendo o efeito de potencializar o sentido da opressão. Não há o golpe, a agressão, o sangue não corre, mas o próprio fato de as figuras não se mexerem sugere, por si só, a impossibilidade de reagir ou resistir. A tragédia surda dos sem vez ou voz soa mais intensa e forte. O encontro humano depende da poesia, do vento oeste que se cruza com o vento leste e realiza, simbolicamente, o que foi negado às pessoas.

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    Campo Grande transforma em aflição o abandono social crônico

    12 de junho de 2016 /

    Em “Campo Grande”, a diretora Sandra Kogut nos coloca num clima de incertezas e aflição. Desde a primeira cena até o seu final, não sabemos direito o que está acontecendo, mesmo depois de nos familiarizarmos com os personagens. A aflição é grande: surge uma menina pequena, de uns 6 anos de idade, de aparência muito simples, abandonada pela mãe numa residência de classe média alta, na zona sul do Rio, em Ipanema. Só vemos a praia por duas vezes, por meio de uma fresta entre prédios. Outro menino abandonado aparece, é o irmão um pouco maior da menina, e ficamos sabendo que sua mãe os orientou a que esperem por ela naquele lugar. A casa é de Regina (Carla Ribas, de “A Casa de Alice”), que não sabe o que fazer nessa situação. Mas muita coisa está acontecendo com ela e com a filha jovem, Lila (Júlia Bernat, de “Aspirantes”). Percebe-se que o apartamento está sendo desmontado e que o pai não está mais ali. Supõe-se que houve uma separação e que vai haver mudança. As pessoas estão vulneráveis, perdidas. Lá fora, os ambientes estão cheios de máquinas e equipamentos, tudo parece em construção ou em reforma, nas proximidades, na rua. Tudo é provisório, se perde ou se desintegra. O abandono não é só o das crianças, é das pessoas, é da própria cidade. Rayane (Rayane de Amaral) e Ygor (Ygor Manoel) são as crianças abandonadas, que moram (moravam?) no bairro de Campo Grande. Tem também uma avó na história deles, que aparece como referência afetiva, mas cuja casa não se localiza. Abrigos de menores, orfanatos entram na dança, enquanto a mãe não aparece (aparecerá?). E quem será? Uma antiga empregada da casa, talvez. Vamos montando as peças para o entendimento da situação por falas dispersas, sussurradas, banais, indefinidas, fora do quadro, perguntas sem respostas dos personagens e um constante mal-estar, que nos mostra algo cifrado, porém num contexto muito conhecido. São as nossas velhas mazelas, os nossos problemas sociais crônicos. As diferenças dos mundos da casa grande e da senzala, que vêm de longe e mudam basicamente só de casca. Esse clima indefinido em que as coisas são mostradas no filme produz a angústia da impotência diante do conhecido, a aflição já referida, alimentada pelo medo e pelas incertezas. Quanto mais bem realizada a sequência, mais bela a poesia da câmera, mais aflitivo fica. A cineasta nos conduz para dentro da questão social com personagens reais, de carne e osso, com os quais compartilhamos uma dor e uma busca que também é nossa. Fazemos parte dela e do abandono que envolve cada um dos personagens. As atrizes protagonistas e as crianças, especialmente o garoto Ygor, enchem de humanidade essa narrativa desafiante para o espectador. Impossível não ser tocado pelo drama insinuado, nunca escancarado, jamais objeto de exploração emocional. Por isso mesmo, tão verdadeiro. Sandra Kogut já havia mostrado grande talento em seu segundo longa, “Mutum”, de 2007, em que o universo de Guimarães Rosa se revelava em poesia, beleza e humanidade. Com “Campo Grande”, ela mostra criatividade ao colocar na sombra, no intertextual, no não-dito, o nosso drama social. Vale comentar, também, que moradores de Campo Grande, um dos mais populosos bairros do Rio, reclamaram junto aos cinemas locais, exigindo que esse filme, que aborda a realidade do bairro, passasse nos cinemas de lá, o que não estava previsto para acontecer. E conseguiram. O povo quer ver sua realidade expressada no cinema, mas o circuito exibidor não tem sensibilidade para perceber isso. E tem outros interesses e compromissos comerciais.

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    A Odisseia de Alice é viagem feminista de uma bela sem recato longe do lar

    10 de junho de 2016 /

    Vivida pela excelente atriz grega Ariane Labed (“Antes da Meia-Noite”), Alice é uma engenheira que trabalha em navios de carga, dando suporte técnico às embarcações. Isso faz com que ela passe longos períodos em alto-mar, sendo a única mulher entre muitos homens, nos navios. Ela é independente, corajosa e competente. Mas é também uma linda mulher, sensual e livre. Sua presença no navio, obviamente, vai mexer com muitos daqueles homens, que passam bom tempo no mar. Alice tem um namorado norueguês, Félix (Anders Danielsen Lie, de “Oslo, 31 de Agosto”), com quem vive uma experiência fortemente sexualizada e apaixonada, quando está em terra. Mas sua próxima missão será no navio Fidelio, onde ela descobrirá que o comandante é ninguém menos do que seu antigo namorado, Gael (Melvile Poupaud, de “Laurence Anyways”), sua primeira paixão. E por aí se seguirá uma trama muito bem construída pela diretora estreante Lucie Borleteau (roteirista de “Minha Terra África”), que também escreveu a trama em parceria com Clara Bourreau (criadora da série “Adresse Inconnue”). As imagens exploram o gigantismo do navio Fidelio, por dentro e por fora, e a imensidão do mar, em contraponto às figuras humanas, sua solidão, seus desejos e suas paixões mostrados bem de perto. Tudo segue sendo muito desafiador para todos os envolvidos na odisseia de Alice. O mais interessante do filme, porém, é a abordagem da questão de gênero. A narrativa empodera essa mulher bela e forte, cujo comportamento nos surpreende em muitos aspectos, já que remete a estereótipos masculinos, assim como alguns homens mostram atitudes mais frequentemente atribuídas ao feminino. Mas não se trata de uma inversão de valores e, sim, de sua superação. Há infinitas formas de se ser homem ou mulher e as expectativas quanto aos comportamentos esperados pelos gêneros sufocam e aprisionam os que divergem dos padrões previstos. Ao relativizar esses padrões, mostrando reações pouco usuais tanto num gênero quanto no outro, o filme areja de modo muito apropriado essa questão. A infidelidade é atributo masculino? Envolvimento amoroso com uma só pessoa é prerrogativa das mulheres? Iniciativa e agressividade são coisas de homem? Há formas femininas de expressá-las? Exercer controle sobre o próprio desejo é “natural” para as mulheres e difícil para os homens? Como se dão as relações quando as pessoas inovam no comportamento esperado delas, quanto às características socialmente associadas ao gênero? São bons questionamentos que o desenrolar da história de “Odisseia de Alice” permite levantar, dando ao filme uma dimensão que extrapola o drama romântico em que se pode classificar a película (será que essa palavra ainda vale no mundo do cinema digital?). Alice é, sem dúvida, bela, mas não recatada, nem do lar. Trata-se de um filme feminista, muito apropriado para um momento em que certos conceitos são embaralhados pelos conservadores, tentando barrar conquistas que a sociedade realizou nos últimos tempos. O papel da luta das mulheres e do movimento feminista tem sido fundamental nessa história. É bom que isso seja lembrado e valorizado, também por meio dos personagens de narrativas ficcionais, como “A Odisseia de Alice”.

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    Critica: Ponto Zero mergulha na angústia com uma fotografia deslumbrante

    2 de junho de 2016 /

    O Ponto Zero pode ser entendido como o momento fugaz que caracteriza o presente. Ao se tomar consciência dele, ele já passou, já é lembrança. O que se vive, aqui e agora, pode ser uma ilusão, um sonho, um pesadelo, uma distorção da percepção ou, simplesmente, um elemento da memória, que retorna. Ou mesmo a expressão de um desejo ou de uma fantasia. O filme gaúcho “Ponto Zero”, escrito e dirigido por José Pedro Goulart, explora esteticamente ideias como essas, ao retratar a noite e madrugada, conturbada e tensa, vivida pelo garoto Ênio (Sandro Aliprandini), de 14 anos de idade, entre a sua casa e a sua cama, as ruas desertas de uma Porto Alegre adormecida e ambientes insones em que a prostituição se destaca. Ou, quem sabe, ela está apenas no outro lado da linha telefônica? Onde está o presente? Onde está a realidade? Na vida diária do adolescente, que não suporta o conflito entre seu pai e sua mãe? No ciúme doentio da mãe? Na infidelidade explícita e desavergonhada do pai? Na rádio que, de madrugada, se relaciona com as angústias de seus ouvintes, onde seu pai trabalha e parece pouco sensível aos sentimentos alheios? Na busca da prostituta sofisticada, que atende ao telefone com mensagens literárias, por exemplo, de Cecília Meireles? Uma fotografia deslumbrante de ambientação noturna, marcada por incessante chuva, domina a cena. Explora o caráter misterioso da situação. É etérea e pálida, com as luzes da noite enfatizando a beleza dos pingos de chuva que insistem em não parar. Ou invade o ambiente urbano, claustrofóbico, dos prédios aglomerados, passeia na bicicleta que percorre os canteiros das avenidas, mas que se mete em casa ou na sala de aula, de forma inesperada. Há um clima de angústia e incerteza que domina o filme, enquanto proporciona uma experiência estética por meio da ambientação, dos enquadramentos, da composição das cores e das luzes, nas tonalidades marrom e amarelada que predominam nas cenas. O jovem protagonista experiencia o que seu pai Virgílio (Eucir de Souza) explicita em um dos poucos diálogos que o filme tem: a vida, a morte e a sorte, as três coisas que existem no mundo, segundo o personagem. Sobreviver a um dilúvio de angústia e solidão é mesmo uma questão de sorte, como se verá. O elenco que segura a onda desse projeto pretensioso é muito bom. Mas dependia do desempenho do estreante Sandro Aliprandini, que está presente em praticamente todas as cenas. Ele dá conta da responsabilidade, com uma entrega considerável a um papel que exige muito de si. José Pedro Goulart é estreante em longas-metragens, mas já veterano na publicidade e nos curta-metragens. Ele dividiu com Jorge Furtado a direção de um curta famoso e premiadíssimo, em 1986, “O Dia em que Dorival Encarou o Guarda”.

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    Certo Agora, Errado Antes busca se diferenciar pela repetição

    24 de maio de 2016 /

    Hong Sang-soo, o diretor sul-coreano de “Certo Agora, Errado Antes”, já teve alguns filmes exibidos no circuito comercial dos cinemas por aqui: “Ha Ha Ha” (2010), “A Visitante Francesa” (2012) e “Filha de Ninguém” (2013). É um cineasta que trabalha com a sutileza, com a inibição e com as demais dificuldades que se dão nos contatos humanos, com o uso do álcool e dos ambientes de bares e restaurantes, onde coisas acontecem, às vezes de forma abrupta ou inesperada. E também com a repetição de situações, ou com as diferentes visões de determinados acontecimentos. “Certo Agora, Errado Antes” também pode inverter a chamada para “Certo Antes, Errado Agora”. É uma situação que se repete de forma diferente, em alguns aspectos, mostrando que as ações de cada um, por pequenas que sejam, podem transformar significativamente as relações que se estabelecem e o que resta na lembrança e na vida de cada um dos envolvidos. A trama é simples. Um diretor de cinema se dirige para a cidade de Suwon, onde seu novo filme será exibido e haverá um debate após a projeção. Mas ele chega, por engano, um dia antes e fica sem nada para fazer. O que ocorre nesse dia livre é que ele conhecerá uma ex-modelo, que se dedica agora à pintura, e se estabelecerá uma intimidade entre eles, ao longo de todo esse dia em que convivem e se encontram também com pessoas da cidade, que conhecem a pintora. O repertório dos dois protagonistas para estabelecerem esse relacionamento é um tanto pobre, inibido, bloqueado. Ao mesmo tempo, expressam um afeto genuíno um pelo outro, ainda que contido e até envergonhado. O encontro dura metade do filme. A outra metade é uma reprise da mesma situação, com algumas diferenças. Acompanhar esse jogo relacional em duas versões é bastante curioso e nos leva a repensar as formas como os relacionamentos podem se estabelecer e o que pode comprometê-los desde o início. Mas é preciso aceitar a repetição de cenas, porque, em cada uma das versões, grande parte das coisas simplesmente se repetem sem mudanças. O longa tem um clima delicado e suave, como de costume, no trabalho de Hong Sang-soo. E os conflitos não tomam a forma de grandes dramas. Apesar de conter situações intensas e inesperadas, tudo se passa num tom menor, ainda que a bebida jogue como fator desestabilizador. Um filme que se foca no ritmo da vida pacata de uma pequena cidade, sem pressa, mostrando por meio de planos-sequência filmados com sutileza e uma bela fotografia como as relações humanas se dão. Os protagonistas Jeong Jae-yeong (“Nossa Sunhi”) e Kim Min-Hee (“Assassino Profissional”) encontraram o tom certo e minimalista de expressão, para viver essa relação amorosa fugaz.

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