
Divulgação/Universal Pictures
Rob Reiner, diretor de “Conta Comigo” e “Harry e Sally”, é assassinado aos 78 anos
Cineasta também dirigiu "Isto é Spinal Tap", "A Princesa Prometida" e "Questão de Honra", e foi morto a facadas em casa junto da esposa
Tragédia em Hollywood
O cineasta Rob Reiner, conhecido por dirigir filmes que definiram a cultura pop das décadas de 1980 e 1990, foi encontrado morto no domingo (14/12) em sua casa no bairro de Brentwood, em Los Angeles. Sua esposa, a fotógrafa Michele Reiner, também estava morta no local. A polícia de Los Angeles foi acionada por volta das 15h40 e investiga o caso como duplo homicídio, após constatar ferimentos provocados por faca nas vítimas, segundo informações preliminares divulgadas pelo TMZ e o New York Post. O filho do casal, Nick Reiner, roteirista de 32 anos, é considerado suspeito.
“É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento trágico de Michele e Rob Reiner. Estamos devastados por esta perda repentina e pedimos privacidade durante este momento incrivelmente difícil”, disse a família de Reiner em um comunicado.
Reiner tinha 78 anos e deixa um filmografia impressionante, com títulos que redefiniram múltiplos gêneros do cinema americano. Nascido em 6 de março de 1947, no bairro do Bronx, em Nova York, ele era filho do lendário comediante e cineasta Carl Reiner, criador de “The Dick Van Dyke Show” e uma das figuras mais proeminentes da Era de Ouro da televisão americana – além de integrante do elenco estelar da franquia “11 Onze Homens e um Segredo”.
Início da carreira na TV
Criado em Hollywood, Reiner iniciou a carreira fazendo pequenas participações em séries como “Batman”, “Que Garota”, “O Fuzileiro das Arábias”, “Família Buscapé” e “Família Dó Ré Mi”, além de aparecer no longa “Enter Laughing” (1967), produção autobiográfica de seu pai.
Em 1971, ele superou nomes como Richard Dreyfuss e Harrison Ford para conquistar seu primeiro papel fixo na TV, como genro de Archie Bunker, personagem principal de “Tudo em Família” (All in Family). A série clássica do produtor Norman Lear acompanhava a família de um patriarca conservador típico dos Estados Unidos, usando o perfil antiquado de Archie Bunker como comentários sobre as mudanças culturais da década. A atração ficou marcada por levar à TV temas progressistas que até então eram considerados tabu televisivo, e pela química do elenco. Pelo papel do genro liberal Michael “Meathead” Stivic, Reiner venceu dois prêmios Emmy, em cinco indicações entre 1972 e 1978.
O filme que deu origem a um novo gênero
Apesar da consagrado por sua interpretação, Reiner não queria ser ator. Ele estudou Cinema na UCLA e estreou na direção com a comédia “Isto é Spinal Tap” (1984). O filme virou um fenômeno. Não apenas satirizou os excessos do rock, mas inventou uma nova linguagem cômica: o “mockumentary”, ou falso documentário, expressão criada pela imprensa da época para descrever o lançamento, diferente de tudo feito até então. Interpretando o falso documentarista Marty Di Bergi, Reiner guiou o público pelos bastidores de uma banda fictícia de heavy metal, criando um clássico cult instantâneo sobre os altos e baixos do rock.
O sucesso de “Isto é Spinal Tap” foi tanto que realmente enganou muitas pessoas e até mesmo alguns músicos de heavy metal da época, como Ozzy Osbourne, que, segundo relatos, assistiu ao filme e disse: “Do que vocês estão rindo? Isso realmente aconteceu!”
O filme estabeleceu um novo padrão para a comédia e influenciou diretamente obras como “The Office”, “Borat” e todas as comédias em formato pseudo-documental que se seguiram. Só por isso, Rob Reiner já teria lugar garantido na história do cinema, independente do que quer que fizesse depois. Entretanto, após “Spinal Tap” ele engatou uma das sequências criativas mais impressionantes já registradas por um diretor em todos os tempos.
Uma sequência de obras-primas
Seu segundo longa foi “Conta Comigo” (1986), adaptação de um raro conto de Stephen King sem elementos de terror, que materializou nas telas o que muitos consideram o filme definitivo sobre a perda da inocência. A jornada de quatro amigos em busca do corpo de um garoto desaparecido tornou-se um estudo sensível sobre a amizade masculina, que deixou o público da época em lágrimas ao seu final.
Logo em seguida, ele subverteu os contos de fadas com “A Princesa Prometida” (1987), uma comédia que usa ironia para reinventar o formato das fábulas encantadas, com direito a princesa, herói fora da lei mascarado, romance e duelos de espada, que se tornou o filme favorito de uma geração. Sua estrutura à moda antiga incluía um “era uma vez” literal, já que a história era lida por um avô para seu neto doente – e revoltado em ter que ouvir um conto de princesa. Em 2018, Ryan Reynolds usou a mesma estrutura e o mesmo ator, Fred Savage, numa homenagem explícita ao clássico para lançar uma versão “censura livre” de “Deadpool 2”, rebatizada como “Era uma Vez um Deadpool”.
Sua habilidade em capturar a complexidade das relações humanas atingiu o ápice com “Harry e Sally – Feitos Um para o Outro” (1989). Com roteiro afiado de Nora Ephron, o filme também foi divisor de águas, redefinindo a comédia romântica ao explorar, com honestidade brutal e humor, a linha tênue entre amizade e amor. A sequência em que Sally (Meg Ryan) finge um orgasmo em voz alta numa lanchonete, após Harry (Billy Cristal) duvidar que ela seria capaz de enganá-lo, entrou para as antologias das melhores já vistas numa comédia.
Reiner não parou por aí: mergulhou no horror psicológico com “Louca Obsessão” (1990), outra adaptação de Stephen King, que rendeu o Oscar de Melhor Atriz para Kathy Bates como fã psicótica de um escritor, e revigorou os dramas de tribunais com “Questão de Honra” (1992), onde o embate entre Tom Cruise e Jack Nicholson gerou uma das cenas mais icônicas do cinema. O American Film Institute elegeu a fala “Você não aguenta a verdade!”, pronunciada por Jack Nicholson no clímax do filme, como a 29ª melhor de Hollywood.
Ele dirigiu todos esses clássicos absolutos em menos de sete anos.
Últimos filmes
Mais progressista que seu personagem em “Tudo em Família”, nos últimos anos Reiner dedicou-se a projetos de cunho político, como “Fantasmas do Passado” (1996), sobre a luta antirracista pelos direitos civis nos anos 1960, a cinebiografia presidencial “LBJ: A Esperança de uma Nação” (2016) e o drama crítico da guerra do Iraque “Choque e Pavor – A Verdade Importa” (2017), refletindo seu engajamento fora das telas. Entretanto, à exceção da comédia agridoce “Antes de Partir” (2007), estrelada por Jack Nicholson e Morgan Freeman, não voltou a repetir o sucesso inicial.
Seu último filme foi um retorno às origens, a continuação “Spinal Tap 2: O Último Ato”, lançada em setembro passado, desta vez com depoimentos de astros de rock reais, como Paul McCartney e Elton John. O diretor ainda chegou a completar um projeto derivado: “Spinal Tap at Stonehenge: The Final Finale”, um filme-concerto documental previsto para chegar aos cinemas em 2026, que registra a apresentação “final” da banda fictícia no icônico monumento pré-histórico de Stonehenge, na Inglaterra, encerrando o ciclo iniciado há mais de 40 anos.
A história do casal
A mulher do diretor, Michele Singer, também morta no domingo, era uma fotógrafa famosa. Eles se conheceram no set de “Harry e Sally” e estavam juntos desde 1989. Por ironia, Michele foi a autora da famosa foto de capa do livro “A Arte da Negociação”, de Donald Trump, o político americano mais odiado por Reiner.
O filho problemático
Os dois tiveram três filhos – o cineasta também tinha uma filha adotiva de seu casamento anterior com a cineasta Penny Marshall. Reiner dirigiu o primeiro e único roteiro de seu filho do meio, Nick, atualmente considerado suspeito por seu assassinato. Lançado em 2015, “Being Charlie” refletia as lutas do jovem contra o vício de drogas e a dificuldade de conexão com o pai, e foi visto como uma tentativa de reconciliação e entendimento mútuo na época.
Nick passou por internações em 17 clínicas diferentes para lidar com o vício. Em entrevistas dadas na época do lançamento de “Being Charlie”, ele revelou que sua recusa em aceitar os tratamentos impostos pela família o levou a fugir e viver como sem-teto em diversos estados americanos.