
Divulgação/American Historical Association
Morre Peter Watkins, cineasta britânico radical e vencedor do Oscar por “O Jogo da Guerra”
Diretor pioneiro do docudrama e crítico feroz da televisão tradicional, ele revolucionou o cinema político com obras como “Culloden”, “Privilégio” e “Parque da Punição”
Cineasta radical e inovador do docudrama
O cineasta britânico Peter Watkins, vencedor do Oscar por “O Jogo da Guerra” (1965) e pioneiro do formato docudrama, morreu aos 90 anos em um hospital de Bourganeuf, na França, onde vivia havia 25 anos. A morte foi confirmada por sua família, que declarou: “O mundo do cinema perde uma de suas vozes mais incisivas, inventivas e inclassificáveis.”
O início da carreira
Nascido em 1935 em Norbiton, Surrey, Watkins estudou na Royal Academy of Dramatic Art (RADA) antes de ingressar na BBC, em 1962. Seu primeiro grande sucesso, “Culloden” (1964), retratou a Batalha de 1746 entre os jacobitas escoceses e o exército do duque de Cumberland. Filmado com estilo de reportagem televisiva e atores não profissionais, foi um marco na linguagem documental.
O Oscar apocalíptico
Um ano depois, dirigiu “O Jogo da Guerra”, sobre os efeitos de um ataque nuclear fictício em Canterbury. O longa teve impacto brutal e, mesmo com formato documental, influenciou diversas obras sobre o tema que se seguiram no cinema apocalíptico.
Reconhecido por seu olhar crítico sobre as instituições de mídia e poder, ele travou embates ferozes com a BBC, que se recusou a exibir “O Jogo da Guerra” na época de seu lançamento por considerá-lo “demasiado horrorizante”. O célebre crítico americano Roger Ebert ecoou o sentimento ao descrever algumas cenas como “certamente as mais horríveis já filmadas”. Entretanto, “O Jogo da Guerra” recebeu o Oscar de Melhor Documentário em 1967.
Impacto na cultura pop
Em 1967, realizou sua primeira ficção, “Privilégio”, uma alegoria política sobre um astro pop manipulado para servir à propaganda estatal, estrelada por Paul Jones, cantor da banda Manfred Mann, e a top model Jean Shrimpton, símbolo visual da Swingin’ London. O visual mod atraiu o público jovem e a mistura de rock com política virou outra grande influência na cultura pop. O clímax do filme chegou a ser praticamente replicado no musical “The Wall” (1982), baseado no disco do Pink Floyd sobre os mesmos temas da obra de Watkins.
O tom provocador seguiu em “Parque da Punição” (1971), ambientado nos Estados Unidos, que imagina dissidentes políticos sendo caçados num jogo mortal pela Guarda Nacional — uma sátira feroz ao autoritarismo, que pode ser considerada premonitória em muitos sentidos. Sua temática distópica também influenciou gerações, aparecendo em filmes tão diversos quanto “O Sobrevivente” (1987), “Jogos Vorazes” (2012) e o recente “A Longa Marcha – Caminhe ou Morra” (2025).
Outras obras e legado
Em 1974, dirigiu o ambicioso telefilme “Edvard Munch” (1974), exibido na TV norueguesa e depois lançado em cinemas, considerado por críticos como “um filme de beleza extraordinária”, e dedicou os anos 1980 à monumental série documental “A Jornada” (The Journey), com 873 minutos produzidos de 1983 a 1987, sobre a percepção popular das armas nucleares.
Seu último trabalho, “A Comuna de Paris, 1871” (2000), manteve seu padrão contestador ao revisitar a revolta dos trabalhadores parisienses, que romperam com o governo francês e estabeleceram um governo comunal no final do século 19, que durou 72 dias. O filme é notável por seu extremo realismo, com longos planos-sequência, câmeras na mão e diálogos dinâmicos, capturando tanto as tensões internas da Comuna quanto os conflitos com os soldados do governo francês. As cenas de batalha são intensas e, ao mesmo tempo, intimistas, proporcionando uma visão humanizada dos eventos que inspiraram o comunismo soviético, com uma narrativa não linear inspirada em obras do teatro de Bertolt Brecht.
Sua morte encerra uma trajetória marcada pela intransigência artística, crítica institucional e impacto no cinema político.