
Divulgação/Globo
Viúvo de Gilberto Braga critica remake de “Vale Tudo”: “Odete virou uma serial killer ninfomaníaca”
Edgar Moura Brasil afirma que adaptação de Manuela Dias distorceu personagens e perdeu o tema central da novela
Viúvo de Gilberto Braga critica Manuela Dias
O decorador Edgar Moura Brasil, que foi casado por 48 anos com o autor Gilberto Braga (1945–2021), fez duras críticas ao remake de “Vale Tudo”, exibido pela Globo. Em entrevista à colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, ele afirmou que a adaptação assinada por Manuela Dias desfigurou o tema central da trama e reduziu a complexidade dos personagens.
“Fico triste em ver que a proposta original de ‘Vale Tudo’, [a reflexão] ‘vale a pena ser honesto no Brasil’, se perdeu, junto com as qualidades de dramaturgia da novela, coerência nos personagens, profundidade nos diálogos etc.”, declarou. “O tema proposto pelos autores Gilberto, Aguinaldo [Silva] e Leonor [Bassères] continua superatual. Muita gente continua a pensar em tirar vantagem em tudo, basta ver os recentes escândalos do INSS, falsificação de bebidas e daí por diante.”
“Gilberto não teria gostado nada”
Edgar Moura Brasil afirmou que, se Braga estivesse vivo, teria rejeitado o remake. “Acho que Gilberto não teria gostado nada. Gilberto era um profundo conhecedor do ser humano, um homem culto e de bom gosto. Jamais teria construído personagens tão tacanhos e incoerentes.”
Para o decorador, a maior distorção da nova versão está na transformação da vilã Odete Roitman, personagem icônica vivida por Beatriz Segall em 1988. “Uma personagem tão rica quanto Odete virou uma louca, inconsequente, praticamente uma serial killer ninfomaníaca.”
Ele rebateu a justificativa da roteirista de que buscava “humanizar” a antagonista. “A adaptadora se justifica dizendo que humanizou a personagem, mas acredito que ela não tenha nenhuma ideia do que seja uma humanização. A Odete Roitman criada por Gilberto, Aguinaldo e Leonor era humana o suficiente dentro de sua maldade. Ela se preocupava com os filhos e com a família e jamais deixaria um filho morrer para esconder um crime do passado. Menos ainda colocaria um filho deficiente morando em uma choupana no meio do mato.”
“A humanização de uma personagem não é emburrecê-la”, completou.
O que mais desagrada no remake de “Vale Tudo”?
Segundo Moura Brasil, as mudanças promovidas por Manuela Dias “não tiveram nenhum respeito” pela criação original e esvaziaram a mensagem sobre ética e impunidade. “Seria tão simples ter atualizado, colocado situações atuais. ‘Vale Tudo’ original foi uma novela fantástica. Diálogos primorosos, personagens bem trabalhados, humanos e nada maniqueístas.”
Ele também lembrou o desfecho clássico da trama original. “O final de Maria de Fátima casando com o príncipe, amante rico do César, retratando bem a imoralidade da nossa sociedade, a inútil tentativa de redenção de Maria de Fátima, o envolvimento apaixonado de Raquel e Ivan, a cura de Heleninha… Tudo foi coerente, envolvente e mostrou que a nossa sociedade continua a mesma. A banana que o Marco Aurélio dá pro Brasil no final é a síntese da crença da impunidade que ainda assola o nosso país.”
Ao concluir, ele acusou a roteirista de não ter preparo para lidar com o legado de Braga. “Faltou talento, humildade e refinamento a Manuela Dias para lidar com uma obra de tamanha importância. Não consigo ver nada de positivo, a não ser provar que o nível das novelas atuais é infinitamente inferior às que foram produzidas nas décadas passadas. E isso não é nostalgia, é uma constatação.”
Repercussão nas redes e apoio do elenco original
O decorador já havia demonstrado insatisfação com o remake em postagens no Instagram. “Manuela Dias não teve lastro nem intimidade intelectual para fazer um remake da monta de Gilberto Braga”, escreveu, ao compartilhar a logomarca da nova versão coberta com um emoji de X.
A crítica recebeu apoio de atores da primeira versão, como Fábio Villa Verde, intérprete de Thiago — papel que hoje é de Pedro Waddington. “Para quem teve a honra de participar da primeira versão, essa agora é praticamente outra obra”, comentou.
“Guardo com muito carinho a nossa obra do Gilberto, Leonor e Aguinaldo, grandes mestres. Gratidão por ter feito parte do elenco que até hoje é inesquecível”, completou o ator.
Exibida originalmente em 1988, “Vale Tudo” é considerada um marco da teledramaturgia brasileira e voltou à Globo em nova adaptação escrita por Manuela Dias, com direção artística de Paulo Silvestrini, como parte das comemorações dos 60 anos da emissora.