
Divulgação/The White House
Trump ameaça tirar TVs do ar por se considerar muito criticado
Presidente dos Estados Unidos exige alinhamento político de emissoras, colocando em cheque liberdade de imprensa no país
Ameaça contra concessões de radiodifusão
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou nesta quinta-feira (18/9) que emissoras de televisão que se posicionarem contra seu governo deveriam ter as licenças de radiodifusão revogadas. “Quando você tem uma rede e programas noturnos, tudo o que eles fazem é atacar Trump”, ele reclamou. “Eles estão licenciados. Eles não estão autorizados a fazer isso. Eles são um braço do Partido Democrata.”
Ele mencionou que os canais exibem dados “97% negativos” sobre sua administração, mas não apresentou provas. “Li em algum lugar que as emissoras estavam 97% contra mim novamente, 97% negativas, e mesmo assim eu venci, e com facilidade. Acho que talvez a licença deles devesse ser retirada. Caberá a Brendan Carr decidir”, disse, referindo-se ao chefe da Comissão Federal de Comunicações (FCC).
Qual foi o estopim da declaração?
A fala ocorreu um dia após a suspensão do programa do comediante Jimmy Kimmel na ABC, que sugeriu que o assassino de Charlie Kirk, Tyler Robinson, seguiria os ideias do grupo Maga (Make America Great Again, ou Faça os Estados Unidos Serem Grandes Novamente, em tradução livre), formado por apoiadores de Donald Trump, e não teria sido um crime provocado pelos rivais democratas ou esquerdistas, como garantem integrantes do governo americano e do partido Republicano.
Durante o monólogo de segunda (15), Kimmel criticou o que chamou de tentativa do movimento de dissociar-se do crime para obter ganhos políticos. “Atingimos um novo fundo do poço no fim de semana, com a gangue Maga tentando caracterizar esse garoto que matou Charlie Kirk como qualquer coisa exceto um deles. Agora, eles estão tentando de tudo para conseguir pontos políticos com isso.”
Brendan Carr ameaçou na quarta-feira (17) tomar medidas contra as emissoras que continuassem a exibir o programa de Kimmel. Horas depois, as retransmissoras Nexstar e Sinclair disseram que não iriam mais transmitir o talk show, levando a rede ABC a anunciar que o programa seria suspenso até novo aviso.
Pressão vem desde agosto
Antes da polêmica sobre Charlie Kirk, Trump já atacava emissoras que considerava “rivais”. Há menos de um mês, ele criticou especificamente a NBC e a ABC, chamando-as de “duas das piores e mais tendenciosas redes da história”, acrescentando que apoiaria a FCC em revogar as licenças de suas emissoras de televisão. “Elas são simplesmente um braço do Partido Democrata e deveriam, segundo muitos, ter suas licenças revogadas pela FCC”, ameaçou. “Eu seria totalmente a favor disso porque elas são tão tendenciosas e falsas, uma verdadeira ameaça à nossa democracia.”
Além disso, Trump vem ampliando sua pressão contra veículos de imprensa, processando jornais como The New York Times e The Wall Street Journal e pedindo indenizações bilionárias. O alvo das ações são reportagens que o ligam a controvérsias envolvendo Jeffrey Epstein e criptomoedas. A demissão de Stephen Colbert na NBC também foi comemorada pelo presidente, alimentando rumores de pressão política. Na época, ele afirmou: “Ouvi dizer que Jimmy Kimmel é o próximo”.
Quais os limites da pressão política?
A FCC é a agência do governo responsável pela concessão e regulação de licenças de rádio e televisão nos Estados Unidos. As autorizações são emitidas para estações locais de radiodifusão e têm prazo determinado de validade, com possibilidade de renovação. A revogação, no entanto, é um processo técnico e legal complexo, que não deveria poder ser motivado por divergências políticas ou críticas editoriais.
A Constituição americana protege a liberdade de expressão e de imprensa pela Primeira Emenda, o que deveria impedir que licenças sejam cassadas por conteúdo editorial. Ex-presidentes da FCC e especialistas em comunicação ressaltam que a agência não teria autoridade para retirar concessões baseadas em opiniões políticas, e qualquer tentativa nesse sentido enfrentaria barreiras jurídicas. Entretanto, as emissoras têm cedido às pressões do governo e tirado críticos de Trump do ar.
Críticas de Obama
Diante do quadro, o ex-presidente Barack Obama reforçou que empresas de mídia não devem ceder à pressão governamental em assuntos que envolvem a liberdade de expressão. “Após anos de reclamações sobre a cultura do cancelamento, o atual governo a levou a um nível novo e perigoso ao ameaçar rotineiramente com ações regulatórias contra as empresas de mídia, a menos que elas amordaçam ou demitam repórteres e comentaristas que não lhe agradam”, declarou em comunicado.
A exigência de alinhamento político coloca em cheque a liberdade de imprensa nos Estados Unidos, considerou Obama. “Este é precisamente o tipo de coerção governamental que a Primeira Emenda (da Constituição) foi criada para travar – e as empresas de comunicação social precisam começar a tomar uma posição, em vez de capitularem perante ela.”