
Divulgação/The Samuel Goldwyn Company
Henry Jaglom morre aos 87 anos após carreira fora do padrão em Hollywood
Diretor independente explorou relações pessoais em obras fora do padrão e manteve parceria com Orson Welles
Últimos dias em Santa Monica
O cineasta Henry Jaglom morreu aos 87 anos em sua casa em Santa Monica. A informação foi confirmada por sua filha, a cineasta Sabrina Jaglom. Conhecido por desafiar convenções narrativas, ele construiu uma filmografia marcada por diálogos extensos e improvisados, personagens complexos e a recusa em seguir roteiros tradicionais. Nunca fez sucesso, mas também nunca deixou de filmar até a aposentadoria há oito anos.
Era uma vez em… Hollywood
Nascido em Londres em 26 de janeiro de 1938, Henry David Jaglom mudou-se ainda criança com a família para Nova York. Estudou atuação no Actors Studio sob orientação de Lee Strasberg, e estreou nas telas como ator em séries como “Gidget” e “A Noviça Voadora”, ambas estreladas por Sally Field em meados dos anos 1960. Depois de quase conseguir o papel principal em “A Primeira Noite de um Homem” (1967), que consagrou Dustin Hoffman, ele fez sua estreia no cinema no cult psicodélico “Busca Alucinada” (“Psych-Out”, 1968), contracenando com Jack Nicholson, Dean Stockwell e Bruce Dern.
Nesta época, já começava a se interessar mais pelo que acontecia atrás das câmeras, colaborando na edição de “Sem Destino” (1969), clássico hippie que também contou com Jack Nicholson no elenco e foi dirigido por outro ator, Dennis Hopper. Em seguida, ele foi dirigido pelos dois astros. Atuou em “Amanhã Chega Cedo Demais” (1971), estreia de Nicholson na direção, e “O Último Filme” (1971), outro cult movie de Hopper. Vendo como os colegas se saíam bem como cineastas, também decidiu pegar câmeras para filmar. No mesmo ano, fez sua estreia como diretor.
A estreia como diretor
A maioria esmagadora dos filmes de Jaglom nunca foi lançada comercialmente no Brasil. Um dos raros a chegar por aqui foi justamente o primeiro, “Refúgio Seguro” (1971). O longa contou com produção de Bert Schneider, o visionário por trás de clássicos absolutos do cinema alternativo, como “Sem Destino”, “Cada um Vive como Quer” (1970), de Bob Rafelson, “Amanhã Chega Cedo Demais”, “A Última Sessão de Cinema” (1971), de Peter Bogdanovich, e “Cinzas no Paraíso” (1978), de Terrence Malick.
Depois de ser dirigido por Nicholson, Jaglom cobrou o favor em sua vez de se sentar na cadeira do diretor. Na trama, Nicholson viveu um sedutor perigoso, que encanta uma jovem mentalmente instável, interpretada por Tuesday Weld.
Amigo de longa data do lendário Orson Welles, o cineasta também o convidou a integrar o elenco no papel de um mágico, figura que simboliza tanto a fuga da realidade quanto as ilusões que permeiam a vida da personagem. A ideia de Jaglom era refletir na tela o estado emocional da protagonista e, para isso, construiu uma narrativa fragmentada e recheada de flashbacks.
A crítica achou intrigante, mas o principal saldo da produção para o diretor estreante foram os registros dos almoços que manteve com Welles. As conversas foram publicadas em “My Lunches With Orson”, de Peter Biskind, em 2013.
Uma filmografia alternativa
Apesar do fracasso inicial da estreia, Jaglom seguiu filmando histórias pessoais, como “Tracks” (1976), estrelado por Dennis Hopper, “Sitting Ducks” (1980) e “Always” (1985) com sua esposa Patrice Townsend, “Can She Bake a Cherry Pie?” (1983) com Karen Black, e “Someone to Love”(1987), em que Welles fez sua última atuação. Posteriormente, Jaglom também retribuiu, aparecendo em “Do Outro Lado do Vento” (2018), concluído décadas após a morte do diretor de “Cidadão Kane”
Ele seguiu realizando filmes independentes durante os anos 1990, abandonando de vez os ensaios e scripts rígidos para privilegiar improvisos e introspecção. Lançado nesta época, o documentário “Who Is Henry Jaglom?” (1995) refletiu a polarização em torno de sua obra, entre críticas que o acusavam de falta de talento e elogios que o celebravam como um artista original. Em depoimento ao Slant Magazine em 2012, o diretor declarou: “Eu queria fazer filmes onde as pessoas sentissem que a linha estava borrada. As pessoas me dizem que se sentem menos sozinhas ao assistir aos meus filmes, porque eles revelam que todos nós somos ‘palhaços nesse ônibus’”.
Mulheres e cinema
Jaglom se especializou em temas relacionados ao universo feminino, como em “Eating”, estrelado por um elenco só de mulheres, “Babyfever” (1994), sobre dilemas em torno da maternidade, e “Going Shopping” (2005), um estudo do consumismo das mulheres ricas. Um dos motivos da facilidade com que abordou esses temas foi a parceria com a atriz e roteirista Victoria Foyt, sua segunda esposa, que deu um novo rumo à sua filmografia ao assinar as histórias que ele rodou nos anos 1990.
Nesta fase, o realizador também dramatizou os bastidores da indústria cinematográfica, vivendo um diretor em “Venice/Venice” (1992), passado no Festival de Veneza, além de filmar “Um Festival em Cannes” (2001), sobre uma atriz que quer dirigir um filme independente.
Um de seus trabalhos mais celebrados do período, “Last Summer in the Hamptons” (1995), focou uma família de atores que decide se despedir da casa de verão com um espetáculo teatral. Foi o último trabalho da atriz Viveca Lindfors, que faleceu um mês antes da estreia comercial.
Últimos trabalhos
Após o divórcio, Jaglom encontrou na atriz Tanna Frederick sua última colaboradora. Filmaram juntos seis longas, entre “Hollywood Dreams” (2006) e “Train to Zakopane” (2018), sem repetir o impacto de outrora.
Além da filha Sabrina, que dirigiu o thriller “Jane” (2022), Jaglom deixa o filho Simon, de seu casamento com Foyt, e familiares que também participaram de sua trajetória cinematográfica.