
Divulgação/Polydor
Angela Ro Ro morre aos 75 anos após longa internação
Cantora sofreu parada cardíaca após passar três meses hospitalizada devido a uma infecção pulmonar
Morte após complicações médicas
Angela Ro Ro morreu nesta segunda (8/9), aos 75 anos, em decorrência de uma parada cardíaca durante internação no Hospital Silvestre, no Cosme Velho, Zona Sul do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada ao jornal O Globo por Laninha Braga, ex-namorada que acompanhava a artista, e pelo produtor Paulinho Lima. A cantora estava na Unidade de Terapia Intensiva após ser submetida a um procedimento cirúrgico.
Há três meses, a intérprete tinha dado entrada no mesmo hospital com infecção pulmonar, que levou à realização de uma traqueostomia. Desde então, permanecia em tratamento e falava nas redes sociais sobre as dificuldades financeiras provocadas pela impossibilidade de trabalhar. “Sem perspectiva de alta ou cura para trabalhar, humildemente peço ajuda a vocês”, escreveu em uma de suas últimas mensagens públicas.
Carreira marcada por irreverência e sucessos
Nascida no Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 1949, Angela Maria Diniz Gonsalvez ganhou o apelido Ro Ro ainda na infância por conta da voz grave e rouca. Filha única, começou a estudar piano clássico cedo. No início da década de 1970, viveu em Roma e depois em Londres, onde trabalhou como faxineira em hospital e conheceu Caetano Veloso, que estava exilado. A amizade resultou em sua participação no álbum “Transa” (1972), em que tocou gaita em “Nostalgia”.
De volta ao Brasil, lançou o primeiro disco, “Angela Ro Ro” (1979), que trouxe faixas como “Tola Foi Você”, “Não Há Cabeça” e “Amor, Meu Grande Amor” — esta última regravada por diversos artistas — e uma mistura de blues e MPB que influenciou gerações. O álbum seguinte, “Só Nos Resta Viver” (1980), consolidou sua projeção, incluindo “Meu Mal É a Birita”, uma faixa divertida, que também revelava o início de seu alcoolismo.
O escândalo de Angela Ro Ro
Lésbica assumida desde o começo de sua trajetória, Angela Ro Ro acabou expondo outra cantora famosa da MPB num caso que virou manchete. Em 1981, o fim de seu relacionamento com Zizi Possi foi parar nos jornais após um episódio em um show no Teatro da Praia, no Rio. Durante a apresentação da ex-companheira, Angela teria gritado “Essa mulher já foi minha!”, frase que “viralizou” na imprensa da época. A partir daí, surgiram também rumores de agressão, sempre negados por ela e jamais comentados por Zizi. A própria Angela afirmava que o caso “manchou” sua imagem.
Angela transformou a repercussão em sucesso, lançando o álbum “Escândalo”, que incluía a faixa homônima composta por Caetano Veloso especialmente para ela. “Se ninguém tem dó/ Ninguém entende nada/ O grande escândalo sou eu aqui, só”, dizia a letra, que acabou se tornando uma marca indissociável de sua trajetória.
Ela até tentou se dissociar da fama, gravando no ano seguinte o samba canção “Demais”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, que havia feito sucesso na voz de Maysa. “Todos acham que eu falo demais/ E que eu ando bebendo demais/ Que essa vida agitada não serve pra nada”, começava a faixa, dedicada a um coração partido.
Que músicas de Angela Ro Ro entraram em novelas?
Sua consagração como compositora ocorreu em 1983, quando Maria Bethânia gravou “Fogueira”, destaque do álbum “Ciclo”. A própria Angela só registraria a canção em 1984, no disco “A Vida É Mesmo… Assim”.
Mas a partir da segunda metade do final da década, o avanço de novos gêneros como o rock nacional, o sertanejo pop, o pagode romântico e o axé music reduziram o espaço da MPB. A produção de Angela se tornou mais espaçada. Nos anos 1990, lançou apenas o registro ao vivo “Nosso Amor no Armagedon” (1993).
Na época, afundou no álcool e na dependência química, passando dos 100 quilos. Um susto a fez abandonar tudo e mudar de vida. Ela perdeu 35 quilos com exercícios e retomou a carreira com “Acertei no Milênio” (2000). Entre 2004 e 2005, apresentou o talk show “Escândalo” no Canal Brasil. Em seguida, gravou “Compasso” (2006), além de um álbum ao vivo no Circo Voador. A década de 2010 trouxe “Feliz da Vida!” (2013), pela gravadora Biscoito Fino, e a homenagem “Coitadinha Bem Feito: As Canções de Angela Ro Ro” (2013), em que cantores homens revisitaram seu repertório. O último disco de estúdio foi “Selvagem” (2017).
Que músicas de Angela Ro Ro marcaram época?
Ela teve vários sucessos no rádio, passando por cima de estigmas e preconceitos. Sua voz grave e letras confessais de amores lésbicos foram consagradas até como trilhas de novelas da Globo. “Amor, Meu Grande Amor” esteve em “Água Viva” (1980) e “Caminho das Índias” (2009), “Mistério” em “Brilhante” (1981), “Escândalo!” em “Elas por Elas” (1982) e “Simples Carinho” em “Império” (2014). Mesmo numa época que marginalizava LGBTQIA+, ela participou de um especial infantil da Globo. Em “Pirlimpimpim” (1982), baseado na obra de Monteiro Lobato, cantou “Cuca”, música da vilã que assustava o pessoal do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Luta contra o preconceito e contra si mesmo
Apesar da popularidade, ela sofreu preconceito sim, como o cerco que barrou Elis Regina de lançar suas composições, além de perder a audição, a visão do olho direito e 44% da visão do esquerdo após ser espancada por policiais civis, que também teriam tentado estuprá-la em 1984, segundo relatou em entrevista a Marie Claire. Apanhou na rua e ficou 11 dias no hospital.
Além disso, foi vítima de sua própria personalidade, que se refletiu em escolhas artísticas, como a recusa inicial a “Malandragem”, música enviada por Cazuza e Frejat, numa época em que estava mergulhada na bebiba e com a carreira estagnada. “Em 1988, eu estava morando em Araras, em Petrópolis. Caju [apelido de Cazuza] me mandou uma fitinha com ‘Malandragem’. Eu, estúpida, telefonei para o Cazuza e falei que ele estava louco! Tinha aquela guitarrinha lá, mas como eu ia gravar algo que falava que ‘sou uma garotinha esperando o ônibus da escola’?. Eles tinham enlouquecido”, contou ao Canal Brasil. “Acabou que, fantasticamente, ela acabou com nossa grande paixão, Cássia Eller”, completou. Entretanto, anos depois, ela também gravou a faixa.
Legado de talento e resistência
Angela Ro Ro deixa um legado musical que atravessou décadas, mesclando irreverência, talento e resistência em meio a transformações da indústria fonográfica e da sociedade brasileira.