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Divulgação/Universal

Filme|26 de junho de 2025

“M3GAN 2.0” e “F1” são as principais estreias de cinema da semana

Sequência do terror tecnológico de 2023 e superprodução automobilística estrelada por Brad Pitt ocupam maioria das salas de exibição nesta quinta-feira

Terror tecnológico e ação automobilística marcam a programação da semana nos cinemas, com o retorno da boneca M3GAN numa continuação de grande orçamento e a estreia de “F1”, que coloca Brad Pitt no universo das corridas de Fórmula 1. O circuito limitado ainda recebe o vencedor do Festival de Berlim 2025, dramas baseados em histórias reais e produções brasileiras que ampliam o leque de opções. Confira os lançamentos desta quinta (26/6).

 
Pipoque pelo Texto ocultar
1 M3GAN 2.0
2 F1
3 DREAMS
4 PONTO OCULTO
5 QUEBRANDO REGRAS
6 O SILÊNCIO DAS OSTRAS
7 QUANDO O BRASIL ERA MODERNO

M3GAN 2.0

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Após “M3GAN” se tornar fenômeno cultural, a sequência, novamente dirigida pelo neozelandês Gerard Johnstone, expande o universo da boneca androide assassina para o território da ficção científica de grande escala, num salto em ação e orçamento, mantendo o DNA de horror que conquistou 93% de aprovação no Rotten Tomatoes em 2023.
 
A trama se passa dois anos após o massacre provocado pela boneca de IA. Gemma transformou-se em uma voz pública na defesa da regulamentação da inteligência artificial, enquanto mantém a IA da robô M3GAN confinada em um pequeno corpo de brinquedo. Porém, a paz é ameaçada quando a tecnologia da androide é roubada por uma corporação militar inescrupulosa. O resultado é AMELIA, uma avançada robô humanoide de combate criada a partir do projeto original, que adquire autoconsciência e inicia uma revolta tecnológica catastrófica. Diante de uma ameaça que combina força bélica e inteligência artificial descontrolada, Gemma reluta em reativar sua criação original. Mas sua sobrinha Cady – sobrevivente traumatizada dos eventos anteriores – a convence de que apenas uma versão aprimorada de M3GAN pode enfrentar a nova máquina assassina. Inicia-se assim uma corrida contra o tempo para que a inventora e a menina reconstruam a boneca com upgrades de combate, antes delas próprias serem atacadas por AMELIA.

O filme reúne grande parte do elenco original, pontuando a continuidade da história. Allison Williams retorna como Gemma, consolidando-se em papéis de terror após “M3GAN” e o clássico moderno “Corra!”. Violet McGraw vive novamente a jovem Cady, enquanto Amie Donald e Jenna Davis reprisam, respectivamente, a presença física e a voz marcante de M3GAN – cuja figura frágil esconde uma letalidade inumana. Entre as adições ao elenco, destaca-se o humorista neozelandês Jemaine Clement (“O Que Fazemos nas Sombras”) e a atriz ucraniana Ivanna Sakhno (vista recentemente em “Ahsoka”), no papel de AMELIA, a nova antagonista mecânica. Brian Jordan Alvarez e Jen Van Epps retomam seus personagens coadjuvantes, reforçando a ligação direta com o capítulo anterior. Atrás das câmeras, a roteirista Akela Cooper – conhecida por combinar terror e sátira em obras como “Maligno” – também retorna, agora coassinando a história ao lado de Johnstone, o que garante unidade temática à franquia.
 
Visualmente, M3GAN 2.0 promete elevar o patamar da série: se no primeiro filme a ação era contida aos subúrbios e laboratórios, agora a fotografia abre espaço para cenas de destruição urbana e batalhas high-tech. A estética clean da robótica doméstica dá lugar a cenários militares de alto contraste, com M3GAN surgindo não mais como uma inocente boneca infantil, mas como uma guerreira de metal reluzente. Gerard Johnstone equilibra sequências de tensão claustrofóbica – marca registrada do original – com momentos dignos de superproduções, explorando a agilidade sobre-humana da protagonista androide em coreografias de combate. Em meio a essa escala ampliada, o filme não perde de vista suas discussões temáticas: M3GAN 2.0 aprofunda o comentário sobre os perigos da inteligência artificial fora de controle, agora contrapondo a aplicação doméstica vs. militar dessa tecnologia. Ao mesmo tempo, mantém o tom satírico sobre nossa dependência de gadgets e a ambiguidade moral de criar seres sencientes.

 

 

F1

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A superprodução sobre as pistas da Fórmula 1 funde a adrenalina das corridas de automobilismo com o drama clássico de redenção esportiva. O projeto chamou atenção já em suas filmagens, que ocorreram em colaboração inédita com a própria organização da Fórmula 1 e com produção do heptacampeão Lewis Hamilton: cenas foram gravadas durante Grandes Prêmios reais, colocando o astro Brad Pitt ao volante em meio a carros de corrida de verdade, numa busca por autenticidade similar à vista em “Top Gun: Maverick”. Não por acaso, a direção está a cargo de Joseph Kosinski, cineasta acostumado a desafios técnicos e cenas de alto impacto – além da aclamada continuação de “Top Gun”, ele realizou “Tron: O Legado”.

Brad Pitt (“Era uma Vez em… Hollywood”) vive Sonny Hayes, um ex-piloto que nos anos 1990 despontou como lenda em ascensão até sofrer um acidente quase fatal. Trinta anos depois, há tempos longe dos Grandes Prêmios, Sonny leva uma vida nômade e discreta, correndo esporadicamente em categorias menores. É quando surge a oportunidade de um retorno improvável: seu antigo companheiro de equipe, Ruben (Javier Bardem, de “A Pequena Sereia”), o procura com um convite. Dono de uma equipe de Fórmula 1 à beira da falência, Ruben acredita que só um piloto experiente e audaz como Sonny pode salvar a temporada e atrair investidores. A proposta inclui também virar mentor do jovem talento da equipe, Joshua Pearce (Damson Idris, da série “Snowfall”), um novato veloz e impetuoso em busca de afirmação. Relutante a princípio, carregando traumas do passado e cético quanto às próprias habilidades, Sonny aceita o desafio como sua última chance de redenção nas pistas.

Com essa premissa, a narrativa passa para o circuito mundial da Fórmula 1, onde veterano e novato precisam aprender a trabalhar juntos em meio à pressão de corridas disputadíssimas, conflitos de ego e o fantasma constante do perigo de vida a cada curva.  O elenco ainda inclui Kerry Condon (indicada ao Oscar por “Os Banshees de Inisherin”) como a engenheira-chefe da escuderia, responsável por gerenciar os egos dos pilotos, e participações especiais de figuras do mundo real da Fórmula 1.

Ao registrar as corridas, a direção de Konsinski faz mais que transmitir realismo, transporta os espectadores para o cockpit, evocando tensão, velocidade e vertigem como no filme de caças estrelado por Tom Cruise. Por sinal, o diretor de fotografia é o mesmo: Claudio Miranda. O design sonoro também merece destaque: o filme captou áudio real dos motores híbridos da F1 para compor a trilha, mesclando-o com a música empolgante do compositor Lorne Balfe (outro colaborador de Kosinski em “Top Gun”).

Há ecos de filmes clássicos de corrida como “Grand Prix” (1966) e “Dias de Trovão” (1990), porém com um olhar contemporâneo sobre diversidade (a presença de um piloto negro em destaque, inspirado pela realidade de Lewis Hamilton) e sobre a pressão midiática nas estrelas do esporte. Comercialmente, F1 tem estreia global planejada para coincidir com um fim de semana de Grande Prêmio, numa clara estratégia de marketing casado. Se bem-sucedida, a produção poderá estabelecer um novo padrão elevado para futuros filmes de esporte motorizado, trazendo o gênero de volta às telonas em grande estilo – algo não tentado em décadas.

 

DREAMS

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Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2025, o filme norueguês confirma o cineasta Dag Johan Haugerud como um dos grandes cronistas dos dramas íntimos modernos. Trata-se do capítulo final da trilogia temática “Sex, Love, Dreams” que o diretor desenvolveu nos últimos anos. Depois de explorar diferentes facetas dos relacionamentos e da sexualidade nos longas “Love” (apresentado no Festival de Veneza) e “Sex” (premiado na seção Panorama de Berlim em 2024), Haugerud entrega em “Dreams” uma obra que dialoga tanto com o legado do cinema escandinavo de dramas familiares quanto com a vivacidade de novas vozes autorais pela forma franca e sem melodrama com que retrata as turbulências da juventude. 

O enredo passado em Oslo gira em torno de Johanne, vivida pela estreante Ella Øverbye. Adolescente de 17 anos introvertida e sonhadora, Johanne vive com a mãe solteira, Kristin (Ane Dahl Torp, de “A Onda”), e mantém forte ligação com a avó Karin (Anne Marit Jacobsen), uma poetisa idosa. A vida de Johanne ganha cores e abalos com a chegada de uma nova professora de literatura na escola: Johanna (Selome Emnetu), uma mulher carismática, inteligente e bonita que imediatamente cativa a classe – e, em especial, desperta em Johanne uma admiração intensa. O que começa como um típico crush adolescente em uma figura de autoridade evolui para uma obsessão silenciosa. A adolescente, que até então sentia sua existência sem graça, passa a viver em função de estar perto da professora, alimentando fantasias românticas e registrando seus sentimentos febris em um diário.

A paixão platônica, contudo, a leva a um sofrimento crescente quando ela percebe que é impossível concretizá-la: a jovem entra em depressão, isolando-se ainda mais. Em um momento de desespero e audácia, Johanne vai até a casa de Johanna sem avisar – uma cena crucial em que, sob chuva, a aluna bate à porta da mestra, chorando. A professora, para surpresa de Johanne (e do público), a acolhe com um abraço demorado e afetuoso. A dúvida que paira é: até onde foi esse gesto? Teria Johanna correspondido de alguma forma ao amor de Johanne, ou tudo não passou de um mal-entendido consolador? A resposta não é imediata. “Dreams” adota uma estrutura pouco convencional: a narrativa avança após esse incidente mas não o esclarece de pronto. Em vez disso, revela que Johanne escreveu uma espécie de memória romanceada relatando seu suposto relacionamento amoroso com Johanna. O manuscrito, intitulado “Sonhos” (daí o título do filme), é mostrado pela adolescente, hesitante, primeiro à avó Karin – que fica atônita com o teor confessional e sensual do texto – e depois chega às mãos da mãe, que reage com choque e preocupação. As duas mulheres mais velhas se veem, então, obrigadas a confrontar a possibilidade de que Johanne tenha vivido algo além dos limites aceitáveis com a professora. O filme alterna, de forma instigante, trechos do cotidiano após os eventos (com Johanne cada vez mais retraída e Johanna transferida de escola), com flashbacks e imaginações do que poderia ter ocorrido entre aluna e professora.

O elenco atua em fina sintonia, capturando as sutilezas de cada geração envolvida. Ella Øverbye, apesar da pouca idade, entrega uma performance extraordinária: através de narrações em voice-over retiradas do diário de Johanne, ela dá voz a anseios e angústias típicos da adolescência com honestidade desconcertante. Suas cenas de confronto indireto com a mãe e a avó – como quando percebe que elas leram seu texto íntimo – são de uma vulnerabilidade comovente. Ane Dahl Torp incorpora Kristin, a mãe, como uma mulher dividida entre a raiva e o medo: sua primeira reação é querer punir a professora por possível abuso, mas conforme lê os escritos da filha, também sente admiração e inveja velada pela profundidade daqueles sentimentos, refletindo sobre a própria vida amorosa medíocre. Já Anne Marit Jacobsen traz uma densidade trágica à avó Karin: outrora uma poetisa de algum renome, ela se descobre ultrapassada pela ousadia literária da neta e encara a dolorosa percepção de que talvez lhe faltou paixão na juventude. Essa dinâmica familiar é o coração do filme, e Haugerud a dirige com diálogos longos e francos, repletos de ambiguidade – muitas vezes o que não é dito pesa tanto quanto as palavras pronunciadas. Selome Emnetu, como a professora Johanna, tem uma presença carismática e enigmática; embora tenha relativamente poucas cenas, sua figura paira sobre toda a narrativa.

No aspecto formal, “Dreams” se permite transgredir “regras” tradicionais de roteiro, com longas narrações em voice-over – trechos do livro de Johanne – que vão progressivamente substituindo os diálogos em certas cenas, de modo que vemos ações com a narração do passado, criando um efeito de sonho e memória entrelaçados. Essa opção poderia soar pesada, mas Haugerud consegue leveza, pontuando essas sequências com certa ironia. A narrativa é fragmentada de propósito: o espectador é instigado a montar o quebra-cabeças do que realmente aconteceu, uma vez que o diretor deliberadamente retém as cenas-chave do suposto romance até o terço final do filme.

Como complemento técnico, não há trilha sonora melodramática sublinhando emoções, e sim o burburinho de conversas em cafés, o silêncio constrangedor de uma sala de estar familiar após uma revelação, ou o som de páginas virando enquanto Karin lê o manuscrito da neta. Esses detalhes sonoros evidenciam a vontade do diretor em preservar o realismo e não manipular o público em busca de uma reação óbvia. Em alguns momentos, o filme também entrega imagens quase surreais, borradas em luz do entardecer, ilustrando literalmente os “sonhos” do título. Essa mistura de realismo e devaneio é conduzida habilmente, jamais confundindo o público indevidamente, mas sim espelhando a confusão da protagonista entre fato e imaginação.

Não surpreende que Dreams tenha conquistado a crítica internacional. A vitória em Berlim veio acompanhada de elogios à coragem do filme em abordar um tema delicado – a paixão de uma menor por sua professora – de ângulo tão original. Longe de sensacionalismos ou lições morais fáceis, Haugerud explora as zonas cinzentas das emoções e questiona as narrativas de vítima e culpado. Além de encerrar de forma notável a trilogia de Haugerud, o filme se mantém por si só como uma obra delicada e provocativa sobre os sonhos (e desilusões) que marcam a passagem para a vida adulta.

 

 

PONTO OCULTO

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O thriller de mistério alemão atravessa fronteiras para contar uma história de conspiração e assombro nos confins da Turquia. Dirigido e roteirizado por Ayşe Polat, cineasta nascida na Turquia e radicada na Alemanha, o filme carrega uma perspectiva única: Polat, que tem ascendência curda, infunde na obra suas preocupações com questões políticas e culturais de sua terra natal, usando a estrutura de suspense paranormal para explorar traumas coletivos.

Exibido na seção Encounters do Festival de Berlim 2023, um espaço dedicado a vozes autorais ousadas, a produção chamou atenção por seu formato parcialmente found footage e pela forma como combina elementos de gênero – horror, thriller de espionagem – com uma temática profundamente arraigada em dramas históricos, como o conflito entre o Estado turco e a minoria curda. A história segue três núcleos narrativos que vão convergindo ao longo do filme. Em uma vila remota, uma equipe de documentaristas alemães roda um filme etnográfico. À frente do grupo está Simone (Katja Bürkle), diretora idealista interessada em contar a história local. Enquanto filmam, eles registram acidentalmente uma cena peculiar: uma anciã realiza um ritual ao entardecer, acendendo velas e entoando preces diante de uma porta vazia – ficamos sabendo que ela homenageia diariamente o filho desaparecido há 25 anos, supostamente sequestrado em meio ao conflito na região.

Paralelamente, Zafer (Ahmet Varlı), um homem turco chega ao local sob identidade falsa, apresentando-se como funcionário de uma companhia elétrica. Na verdade, Zafer é um agente secreto a serviço de uma organização sombria ligada ao governo, e sua missão naquele lugar não é clara de início. Ele traz consigo sua filhinha de 7 anos, Melek (Çağla Yurga), talvez para facilitar sua cobertura fingindo ser um pai viúvo em transferência. A criança é curiosa, de olhos grandes e atentos, e rapidamente cria laços com Leyla (Aybi Era), jovem local que atua como tradutora da equipe alemã e, de quebra, torna-se babá de Melek enquanto Zafer realiza suas “inspeções”. É pela perspectiva de Melek que elementos estranhos começam a se manifestar: a menina relata ver um homem desconhecido observando-a nos bosques e ouve sussurros em uma língua que não entende. Leyla e Simone, a diretora do documentário, inicialmente acham que são imaginações infantis – a equipe enfrenta problemas mais concretos, como a hostilidade sutil das autoridades em deixá-los filmar certos assuntos. Mas conforme Melek passa a ter pesadelos intensos e episódios de aparente transe, inclusive diante da câmera, todos se inquietam. Zafer, dividido entre a lealdade à organização para a qual trabalha e o amor pela filha, começa a temer que algo a esteja assombrando.

 As tramas se entrelaçam em ritmo crescente de suspense. A equipe de filmagem descobre que há 25 anos ocorreu na vila uma operação militar secreta e jamais esclarecida – possivelmente envolvendo desaparecimentos forçados de moradores de origem curda, incluindo o filho da velha do ritual. Simone quer trazer essa verdade à tona em seu documentário, o que a coloca em rota de colisão com Zafer, cuja missão gradualmente revela-se ligada a acobertar (ou monitorar) essas memórias perigosas. Ao mesmo tempo, Melek sofre influências de uma força invisível: em certo momento, ela começa a falar palavras em curdo – língua que não conhece – citando nomes e fatos antigos. A sugestão de que o espírito do garoto desaparecido possa estar tentando se comunicar através da menina dá ao filme um tom sobrenatural instigante.

Ayşe Polat maneja habilmente a ambiguidade: seria Melek realmente porta-voz de um fantasma, ou estaria reagindo psicologicamente ao ambiente carregado de segredos? A dualidade se mantém até o clímax, quando os interesses de todos os personagens colidem em uma noite tensa, levando a uma resolução trágica e catártica.

 Recebido como um sopro de novidade dentro do gênero thriller, “Ponto Oculto” é arrojado ao alternar linguagens: partes do filme são mostradas através das lentes da câmera documental de Simone, em estilo found footage, com imagem tremida e enquadramentos improvisados; outras partes adotam uma fotografia tradicional de suspense, com composições cuidadas que exploram a claustrofobia dos ambientes – corredores escuros, a floresta à noite – e o contraste entre a beleza natural da paisagem e a tensão latente. Essa mescla serve para reforçar o tema da sobreposição entre realidade e narrativa, sugerindo que às vezes só vemos “parte” da verdade (o tal ponto cego do título). A atmosfera é impregnada de paranoia: ruídos de estática nos aparelhos, conversas sussurradas interceptadas, e um desenho sonoro que incorpora sons locais (distorcidos) para criar sustos sutis. Por exemplo, o piar distante de uma coruja se confunde com um lamento humano em uma cena na qual Simone revisa as filmagens e percebe algo estranho nelas. A trilha musical, pontual e discreta, foi composta pelo coletivo Dynamedion e privilegia tons eletrônicos graves, quase subliminares, intensificando a sensação de perigo iminente. Quando o elemento sobrenatural aflora, o filme não recorre a efeitos digitais exagerados – em vez disso, apoia-se no poder de sugestão e na montagem precisa para inquietar o espectador. Uma sequência memorável envolve a projeção das fitas gravadas pela equipe: ao assistirem a uma filmagem noturna, percebem uma sombra atrás de Melek que não deveria estar lá; o frame congelado dessa figura se torna símbolo dos fantasmas (reais ou metafóricos) que assombram aquele lugar.

 Mais do que um terror sobre uma criança possuída ou um suspense com um agente secreto em conflito, o longa é uma reflexão sobre os “fantasmas” gerados pela violência de Estado e pela negação de verdades.

 

QUEBRANDO REGRAS

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Inspirado em uma história real que rodou o mundo, o drama americano coloca em foco a coragem de jovens mulheres que desafiam a opressão fundamentalista em nome da educação e da ciência. Dirigido por Bill Guttentag, cineasta duas vezes premiado com o Oscar em documentários, o filme tem um pano de fundo de alto impacto cultural: baseia-se na trajetória do primeiro time afegão de robótica composto apenas por meninas, que ganhou projeção internacional em meados de 2017.

Roya (Nikohl Boosheri, de “Circunstância”) é uma jovem visionária que acredita no poder transformador da educação. Sob um governo fundamentalista que proíbe meninas de frequentar a escola, ela decide desafiar as proibições e criar secretamente um espaço de aprendizado para garotas locais. Apoiada por poucos aliados – entre eles Samir (Ali Fazal, de “Victoria e Abdul”), um idealista que enxerga o potencial daquelas jovens mentes – Roya ensina ciência da computação e robótica para um grupo de adolescentes curiosas e talentosas. Quando suas alunas constroem um protótipo de robô e conseguem competir em uma feira internacional de tecnologia, a façanha chama a atenção do mundo exterior, provando que mesmo nos lugares mais improváveis a inovação e a capacidade feminina florescem. Contudo, esse sucesso traz consigo riscos crescentes: enquanto a vitória das garotas rende manchetes ao redor do globo, também atiça a ira de líderes locais conservadores. Rumores se espalham, ameaças veladas começam a rondar Roya e suas pupilas, e o filme adensa seu tom, mostrando o dilema entre seguir adiante com a “rebeldia” do conhecimento ou recuar para proteger as próprias vidas.
 
“Quebrando Regras” segue a tradição de filmes sobre educação libertadora e superação acadêmica. A diferença é o recorte bem específico: a união de tecnologia de ponta – robótica, programação – com a luta básica pelo direito de aprender. Esse contraste rende cenas poderosas, como as garotas operando laptops sucateados em um porão clandestino enquanto do lado de fora se ouvem cânticos religiosos, ou quando elas veem pela primeira vez arranha-céus iluminados de uma cidade estrangeira na competição de robótica, vislumbrando um mundo de possibilidades. O filme dialoga também com questões contemporâneas de inclusão na tecnologia: lembra que, mesmo nos lugares mais remotos, meninas podem e querem participar da revolução digital se tiverem oportunidade. Guttentag, com sua bagagem documental, insere imagens de arquivo de telejornais reais reportando sobre as “Afghan Dreamers” (como ficou conhecido o time de robótica na vida real), borrando as fronteiras entre ficção e realidade para enfatizar o contexto maior dos direitos humanos.

A produção contou ainda com consultoria de Roya Mahboob, a verdadeira empreendedora de tecnologia afegã cuja história de vida inspirou a protagonista – um envolvimento que garantiu fidelidade aos eventos reais.

 

 

O SILÊNCIO DAS OSTRAS

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Um dos filmes brasileiros mais impactantes do ano mergulha na realidade das tragédias da mineração. Estreia na ficção do premiado documentarista Marcos Pimentel, que há mais de duas décadas retrata histórias brasileiras pela lente documental, o longa expõe as perdas humanas e a destruição ambiental decorrentes da atividade mineradora. A decisão veio, segundo o próprio diretor, da constatação de que, como documentarista, não conseguiria filmar as atividades das mineradoras – universo blindado institucional e fisicamente – , mas a ficção lhe permitiria falar da realidade com liberdade criativa, driblando barreiras de acesso.

A obra ganhou forma com um extenso trabalho de entrevistas com vítimas e testemunhas de desastres como os rompimentos de barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Não por acaso, o filme incorpora trechos de imagens reais dessas tragédias, aproximando as fronteiras entre o registro documental e a encenação.

Apresentado em primeira mão no Festival do Rio 2024, acompanha a trajetória de Kailane, uma personagem ficcional composta a partir de diversas histórias reais. A personagem nasceu no início dos anos 1980 numa vila de operários em Minas Gerais, erguida ao redor de um grande complexo minerador. Desde criança, ela testemunha a paisagem mudar drasticamente: montanhas virando crateras, rios cristalinos tornando-se cursos de lama. O filme se estrutura em capítulos que correspondem a fases da vida de Kailane, sempre contextualizadas por eventos marcantes da mineração no estado. Na infância, Kailane (interpretada pela jovem Lavínia Castelari) perde o pai em um acidente de trabalho na mina – uma explosão causada por negligência ceifa a vida de vários funcionários, ecoando casos reais frequentemente abafados. A menina cresce tímida, desenvolvendo um mundo interior rico para lidar com o luto: ela conversa com insetos e plantas, como se buscasse na natureza remanescente algum conforto. Na adolescência, outro golpe: sua família e toda a comunidade precisam abandonar a vila às pressas devido ao risco de rompimento de uma barragem próxima. Em meio ao êxodo forçado, Kailane vê amigos se dispersarem e a coesão de sua família se desfazer.

Já adulta, Kailane (agora vivida por Bárbara Colen, de “Bacurau”) retorna à região como uma espécie de andarilha solitária, apenas para encontrar um cenário desolador. É quando ocorre o colapso catastrófico de uma barragem – claramente inspirado na tragédia de Mariana, com toneladas de rejeito varrendo povoados. O filme não poupa dureza nessas sequências: Pimentel insere imagens verdadeiras do mar de lama engolindo casas e igrejas, mesclando-as à jornada de Kailane. A personagem, que havia ficado na região na esperança de reencontrar um de seus irmãos desaparecidos, torna-se ela própria vítima desse desastre, vendo o pouco que restava do seu passado ser engolido pela tragédia. O silêncio evocado no título se refere tanto ao silêncio sufocante das ostras – metáfora para aqueles que permaneceram mudos ou foram silenciados diante das injustiças – quanto ao silêncio que fica após a partida das pessoas e a morte das comunidades.

Entre os atores profissionais, destacam-se Lucas Oranmian como o irmão mais velho de Kailane, cuja saída para tentar emprego na cidade grande simboliza o êxodo forçado; e Lira Ribas como a mãe da protagonista, uma mulher que vai da combatividade – ela lidera um protesto por melhores condições na mina – à exaustão e descrença conforme os anos de luta passam. Ao final, o que se vê na tela não são meros personagens e efeitos especiais, mas um reflexo da própria realidade transformada em linguagem de cinema.

 

QUANDO O BRASIL ERA MODERNO

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O documentário brasileiro resgata um período efervescente da história nacional em que arquitetura, política e sociedade caminhavam de braços dados rumo à construção de uma identidade moderna. Dirigido por Fabiano Maciel, foi exibido no festival É Tudo Verdade 2025, onde recebeu menção honrosa do júri, atestando a qualidade de sua pesquisa e narrativa.

O título “Quando o Brasil Era Moderno” evoca de imediato um saudosismo curioso: houve um tempo em que o país esteve à frente de seu tempo, revolucionando estéticas e ideias. Com rigor histórico e sensibilidade cultural, a obra tem como um de seus alicerces o livro “Moderno e Brasileiro”, do arquiteto e curador Lauro Cavalcanti, cujo trabalho sobre o modernismo serviu de inspiração e base conceitual para o roteiro. Maciel, veterano documentarista gaúcho radicado em São Paulo, já havia explorado o universo arquitetônico em obras anteriores – ele foi corroteirista do aclamado “Oscar Niemeyer – A Vida é um Sopro” (2007) – e agora amplia o olhar para além de Niemeyer, contemplando o modernismo e suas implicações profundas.

O documentário evidencia que os edifícios não são neutros: o diretor argumenta que cada traço de planta e cada coluna erguida no passado eram expressão de projetos de nação. Ao revisitar esse legado, o filme provoca inevitavelmente perguntas sobre o presente. Em sua parte final, ele contrapõe o ideal modernista – que combinava inovação estética com engajamento social, traduzindo o sonho de um Brasil mais justo e desenvolvido – com os descaminhos políticos e urbanos das décadas posteriores. Imagens atuais de prédios modernistas abandonados ou descaracterizados pelo país afora ilustram uma certa melancolia: como pergunta a narração, “onde foi que nos perdemos ao abandonar os ideais de excelência e progresso que marcaram o auge da arquitetura moderna?” E mais: “o que a paisagem urbana atual revela sobre nossa trajetória como nação?”. São questões abertas que convidam o espectador a refletir sobre edifícios emblemáticos como protagonistas silenciosos de nossa história.

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Marcel Plasse

Marcel Plasse é jornalista, participou da geração histórica da revista de música Bizz, editou as primeiras graphic novels lançadas no Brasil, criou a revista Set de cinema, foi crítico na Folha, Estadão e Valor Econômico, escreveu na Playboy, assinou colunas na Superinteressante e DVD News, produziu discos indies e é criador e editor do site Pipoca Moderna.

@Pipoca Moderna 2025
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