Protesto gerou reunião de emergência
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pediu desculpas formais nesta sexta-feira (29/3) por não mencionar o cineasta palestino Hamdan Ballal ou o documentário “Sem Chão” em sua primeira nota sobre o ataque que ele sofreu na Cisjordânia. O pedido veio após uma onda de protestos de membros da própria Academia, incluindo atores vencedores do Oscar como Olivia Colman, Joaquin Phoenix, Javier Bardem, Penélope Cruz e Emma Thompson, além de diretores como Ava DuVernay, Adam McKay e Jonathan Glazer. Entre os brasileiros, também assinaram o protesto Alice Braga, Lais Bodanzky, Anna Muylaert, Petra Costa e Daniel Rezende.
A retratação aconteceu horas depois de uma reunião extraordinária do Conselho de Governadores da Academia para discutir a resposta considerada insatisfatória e genérica ao caso de Ballal, que havia sido agredido por colonos israelenses e detido pelo exército de Israel na segunda-feira (25/3).
Nova bota cita nome de Ballal pela primeira vez
“Na quarta-feira, enviamos uma carta em resposta a relatos de violência contra o vencedor do Oscar Hamdan Ballal, codiretor de ‘Sem Chão’, conectado à sua expressão artística”, escreveram o CEO Bill Kramer e a presidente Janet Yang em novo comunicado interno. “Lamentamos não termos reconhecido diretamente o Sr. Ballal e o filme pelo nome.”
Eles completaram: “Pedimos sinceras desculpas ao Sr. Ballal e a todos os artistas que não se sentiram apoiados por nossa declaração anterior e queremos deixar claro que a Academia condena a violência desse tipo em qualquer lugar do mundo. Abominamos a supressão da liberdade de expressão em quaisquer circunstâncias.”
Academia foi alvo de críticas internas e externas
Ballal foi atacado por colonos na vila de Susya, na Cisjordânia, após pedir que se retirassem do local. Segundo o jornal israelense Haaretz, o grupo retornou com dezenas de homens armados com paus e pedras, destruindo estruturas e ferindo o cineasta. Mesmo machucado, Ballal teve a ambulância interceptada e foi levado por militares a uma prisão, conforme relatado por seu codiretor israelense Yuval Abraham.
Diversas instituições se manifestaram contra a violência, entre elas a Associação Internacional de Documentários (IDA) e quatro das principais entidades de críticos de cinema dos EUA: a National Society of Film Critics, a New York Film Critics Circle, a Los Angeles Film Critics Association e a Boston Society of Film Critics.
Declaração inicial foi vista como omissa
Na quarta-feira (27/3), a Academia havia emitido uma nota genérica, sem citar Ballal nem o filme premiado. “A Academia condena o ato de ferir ou silenciar artistas por seu trabalho ou por suas opiniões”, afirmava o texto. O silêncio gerou indignação.
A justificativa da omissão foi classificada como um posicionamento neutro. “Estamos vivendo um tempo de mudanças profundas, marcado por conflitos e incertezas — no mundo, nos Estados Unidos e dentro da nossa própria indústria. Compreensivelmente, somos frequentemente chamados a nos manifestar em resposta a eventos sociais, políticos e econômicos. Nessas ocasiões, é importante lembrar que a Academia representa cerca de 11 mil membros globais com muitos pontos de vista únicos”, justificaram Kramer e Yang.
A resposta não convenceu membros da própria entidade. O documentarista AJ Schnack reagiu: “Estou chocado e indignado que agora estejam nos informando, seus membros, que veem o sequestro e espancamento de um recente homenageado como algo que terá ‘muitos pontos de vista únicos’. Com todo respeito, isso é uma sugestão verdadeiramente abominável.”
Cineastas exigem defesa clara dos premiados
O episódio culminou em uma nota pública assinada por dezenas de profissionais de renome da indústria cinematográfica. “Nós condenamos o ataque brutal e a detenção ilegal do cineasta palestino ganhador do Oscar Hamdan Ballal por colonos e forças israelenses na Cisjordânia”, diz o documento.
A carta segue cobrando coerência da entidade: “Como artistas, dependemos de nossa capacidade de contar histórias sem represálias. Os documentaristas frequentemente se expõem a riscos extremos para esclarecer o mundo. É indefensável para uma organização reconhecer um filme com um prêmio na primeira semana de março e, em seguida, deixar de defender seus cineastas apenas algumas semanas depois.”
A nova nota da Academia, com reconhecimento nominal, foi resultado direto da pressão dos artistas e instituições que cobraram um posicionamento firme diante da violência contra Ballal.