Trajetória marcada por personagens inesquecíveis
Ney Latorraca morreu nesta quinta-feira (26/12), aos 80 anos, na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro. O ator estava internado desde o dia 20 de dezembro devido ao agravamento de um câncer de próstata e faleceu em decorrência de sepse pulmonar.
Com uma carreira de mais de 50 anos, Ney interpretou personagens memoráveis, como o Conde Vladimir Polanski na novela “Vamp” (1991), Ernesto Gattai na minissérie “Anarquistas, Graças a Deus” (1984) e Barbosa, o “velho tarado”, no humorístico “TV Pirata” (1988-1992). Ele considerava Ernesto um dos papéis mais marcantes de sua trajetória, segundo o Memória Globo.
Início da carreira
Nascido em Santos (SP), em 25 de julho de 1944, Ney era filho de artistas. Seu pai, Alfredo, era cantor e crooner de boates, e sua mãe, Tomaza, corista. Ele começou no teatro em 1964, aos 19 anos, na peça “Pluft, o Fantasminha”, e integrou produções importantes como “Reportagem de um Tempo Mau”, dirigida por Plínio Marcos, que foi censurada pelo regime militar antes da estreia.
Sua estreia na televisão ocorreu em 1969, com a novela “Super Plá”, da TV Tupi, e no cinema, no filme “Audácia, a Fúria dos Trópicos”. Ney ingressou na Globo em 1975, onde atuou em “Escalada”, de Lauro César Muniz, e ganhou destaque como um dos jovens rebeldes de “Estúpido Cupido” (1976), última novela em preto e branco da emissora.
Papéis famosos
Outro papel marcante foi o vilão Leandro, de “Coração Alado” (1980), que aproveita a viagem da esposa (Joana Fomm) para atacar a cunhada (Vera Fischer), na primeira cena de estupro da TV brasileira. Ele também chamou atenção na minissérie “Rabo-de-Saia” (1984) como Seu Quequé, um caixeiro-viajante que dividia a vida entre três cidades e três esposas de casamentos diferentes, sem que uma soubesse das outras.
Seu talento teatral e humorístico o fez ser convidado para integrar o núcleo criativo de “TV Pirata” (1988-1992), um programa que revolucionou o humor da Rede Globo, trocando os velhos comediantes que sempre trabalharam no gênero por jovens atores da nova geração. Foi um fenômeno cultural que popularizou o estilo besteirol de fazer comédia.
Mas seu personagem mais lembrado é sem dúvida o Conde Vladimir Polanski, um vampiro debochado que se tornou um marco na cultura pop brasileira, na novela cômica “Vamp” (1991). O sucesso foi tanto que ele foi convidado a viver outro vampiro famoso, Nosferatu, em participação em outra novela similar, “O Beijo do Vampiro” (2002).
O Conde Vlad será um dos personagens homenageados na nova temporada do “The Masked Singer Brasil”, que terá fantasias baseadas em criações históricas das novelas da Globo.
Cinema e teatro
Latorraca também fez muitos filmes, destacando-se com uma cena famosa. Depois de viver o padre Anchieta em “Anchieta, José do Brasil” (1979), escandalizou conservadores por um beijo gay com Tarcísio Meira no filme “O Beijo no Asfalto” (1981). Dirigido por Bruno Barreto, o longa levou às telas o clássico teatral de Nelson Rodrigues em que Arandir (Latorraca), até então um homem desconhecido, é morto ao ser atropelado por um ônibus e, agonizante, pede a um bancário, Aprígio (Tarcísio Meira), que lhe dê um beijo na boca. Este gesto é transformado em escândalo pela imprensa sensacionalista e o homem que cometeu o “crime” de beijar um agonizante passa a ser alvo de preconceito popular e também a ser investigado pela polícia, que começa a supor que o acidente tenha sido um assassinato.
O ator ainda esteve em outros clássicos do cinema brasileiro, como “Das Tripas Coração” (1982), de Ana Carolina, a adaptação do musical “Ópera do Malandro” (1985), de Ruy Guerra, e o marco da retomada “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati.
Paralelamente, se destacou no teatro ao lado de Marco Nanini na peça “O Mistério de Irma Vap”, dirigida por Marília Pêra. A montagem, adaptada de um sucesso da Broadway, estreou em 1986 e permaneceu em cartaz por 11 anos, fazendo história no cenário teatral brasileiro.
Homenagens e vida pessoal
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a perda do ator. “O Brasil se despede do grande Ney Latorraca aos 80 anos. Ator e diretor de carisma marcante, nos presenteou com grandes papéis na televisão e no teatro”, escreveu Lula em sua conta no X. Ele também expressou condolências aos familiares, amigos e admiradores.
Ney Latorraca deixa o marido, Edi Botelho, com quem era casado há cerca de 30 anos. O casal manteve uma vida discreta, mas colaboraram em trabalhos como a peça “Entredentes”, que marcou os 50 anos de carreira do ator.