“Coringa: Delírio a Dois” é o grande lançamento desta quinta (3/10) nos cinemas. Continuação do sucesso de “Coringa”, que superou US$ 1 bilhão nas bilheterias em 2019, a produção da Warner Bros. chega com grande expectativa do circuito exibidor. Refletindo a aposta, a semana tem a menor oferta de lançamentos alternativos do ano. Além do longa do vilão dos quadrinhos, a programação de estreias lista somente três outros filmes, de apelo mais artístico que popular, o que diminuiu a disputa de telas e favorece um desempenho de blockbuster. Entretanto, o filme pode não ser o que o mercado espera que seja.
CORINGA: DELÍRIO A DOIS
A continuação do filme de 2019, que rendeu o Oscar de Melhor Ator para Joaquin Phoenix, ganha a adição de Lady Gaga e muitas músicas, mas perde o impacto que transformou o primeiro longa num clássico moderno. A produção é um musical “jukebox”, gênero em que o elenco costuma cantar diversas canções populares, como em “Mamma Mia” e “Moulin Rouge”. Enquanto a história confina o protagonista em praticamente dois cenários, uma cela e um tribunal, onde um júri pondera sua aptidão mental, as músicas viram momentos de fantasia que o libertam por alguns instantes, levando-o em sua imaginação para longe dos ambientes realistas.
Alguns dos números musicais são duetos com Lady Gaga, que interpreta Lee, uma paciente do Asilo Arkham que é apaixonada pelo alter ego palhaço-assassino de Arthur Fleck/Coringa. Lee é claramente uma versão da personagem Arlequina, que ficou marcada pela interpretação de Margot Robbie no cinema. E quem esperar uma performance do mesmo nível de Robbie pode se decepcionar. Gaga é uma presença silenciosa e observadora, só se destacando nas cenas musicais, principalmente durante uma interpretação de “Close to You”, dos Carpenters, que a cantora reinventa como uma ode à obsessão romântica. Entretanto, nenhum dos interlúdios é encenado com a imaginação enlouquecida que se esperaria de Coringa e Arlequina. Além disso, em vez de fazer a história avançar, como as músicas em musicais típicos, as canções desaceleram a narrativa, que já é lenta para começar.
Os fãs de quadrinhos apreciarão o detalhe de que o promotor público de Gotham é Harvey Dent, antes de se transformar no vilão Duas-Caras. Mas isso não torna o prolongado debate no tribunal menos tedioso. Tudo se mostra frustrante após o grande tumulto do final do primeiro longa virar verbo (coringar) e metáfora (a revolta red pill e incel da extrema direita). É como se fosse uma vingança do diretor Todd Phillips pela forma como “Coringa” foi percebido. Ele praticamente desconstrói o personagem, dedicando-se a mostrar que Arthur Fleck não é um líder político incendiário, mas um covarde egocêntrico que decepciona todos ao seu redor. Não deixa de ser uma abordagem ousada e com subtexto relevante, especialmente em período eleitoral, a respeito de como levar a sério figuras messiânicas pode transformar seguidores em piadas. O detalhe é que a “lição de moral” é dirigida para o próprio público. Mas se a plateia vira o alvo da piada, pode não rir junto e achar o filme sem graça.
PLACA MÃE
A animação brasileira, dirigida por Igor Bastos, passa-se em um futuro próximo em Minas Gerais. A trama gira em torno de Nadi, uma androide que, após conquistar sua cidadania, recebe o direito de adotar duas crianças. No entanto, essa decisão gera grande controvérsia quando um político sensacionalista e influenciador digital traz à tona diversas polêmicas, usando o caso para ganhar popularidade em sua campanha para a presidência do Senado. A história toma um rumo inesperado quando David, um dos filhos adotados por Nadi, foge e coloca a androide em um dilema: manter sua cidadania ou informar as autoridades sobre a fuga. A narrativa envolve questões sociais relevantes, elementos tecnológicos avançados e paisagens típicas de Minas Gerais, retratadas pelo desenho.
O filme também se destaca por seu estilo visual, utilizando uma mistura de técnicas de animação em 2D e 3D para retratar seu futuro imaginário, ao mesmo tempo em que preserva a estética do interior brasileiro, criando um Brasil futurista e visualmente único
ATÉ QUE A MÚSICA PARE
Coprodução entre Brasil e Itália, o drama dirigido por Cristiane Oliveira (“Mulher do Pai”) acompanha o casal Chiara (Cibele Tedesco) e Alfredo (Hugo Lorensatti), descendentes de italianos, que estão casados há 50 anos na serra gaúcha.
Após a saída do último filho de casa, Chiara se sente sozinha e a lembrança de um filho falecido volta a assombrá-la. Ela decide se juntar a Alfredo em suas viagens como vendedor pelas bodegas da serra e acaba descobrindo comportamentos e hábitos dele que não conhecia, o que expõe hipocrisia e arranha a relação de confiança em um casamento de muitas décadas. Elementos simbólicos, como uma tartaruga que o casal encontra e as repetidas partidas de baralho ao longo da jornada, refletem o desgaste e as dificuldades que surgem em um casamento de longa data. A diretora explora o conceito de como pequenas fissuras emocionais podem levar a rupturas irreparáveis nas relações.
Grande parte do filme é falada em Talian, um dialeto originado da mistura do português com línguas dos imigrantes italianos que se estabeleceram na região sul do Brasil no século 19.
BANEL & ADAMA
O drama, que teve sua estreia mundial no Festival de Cannes 2023 e é o candidato do Senegal à indicação de Melhor Filme Internacional no Oscar 2025, marca a chegada de uma nova voz do cinema africano. Ramata-Toulaye Sy, roteirista de “Sibel” (2018) e “Nossa Senhora do Nilo” (2019), faz sua estreia na direção com a história de dois jovens apaixonados, Banel (Khady Mane) e Adama (Mamadou Diallo), em comunidade rural no norte senegalês. Adama é o próximo na fila para se tornar chefe da vila após a morte repentina de seu irmão. Esta tragédia o liga a uma mulher, Banel, originalmente esposa de seu irmão, que se torna sua esposa, em cumprimento ao seu “dever muçulmano”.
Apesar das circunstâncias que cercam seu casamento, o casal parece estar perdidamente apaixonado e trabalha para desenterrar duas casas nos limites da vila, abandonadas e cobertas de areia. Banel sonha em usá-las para começar uma vida independente da cidade e das obrigações do dever familiar e tribal. Ela pressiona Adama a recusar seu papel como chefe e o impede de comparecer às orações do grupo de anciãos por chuva. A chuva continua a não vir e a aldeia se depara com a realidade de não ter um chefe para liderar a oração. O gado começa a sofrer e o comprometimento de Adama com o plano de Banel para suas vidas é testado por sua lealdade a uma aldeia que está lentamente definhando.
Coproduzido por França, Mali e Senegal, o filme é visualmente impactante, com uma cinematografia que destaca as paisagens deslumbrantes da região e reforça a sensação de isolamento e sufocamento vivida por Banel. A obra ganhou destaque internacional por sua estética apurada e pelo mergulho em questões sociais africanas, explorando as tensões entre o individualismo e o coletivo em uma sociedade patriarcal.