Gena Rowlands, estrela do cinema independente americano, morreu na quarta-feira (14/8) aos 94 anos. Um porta-voz da WME, agência que representa seu filho, o diretor Nick Cassavetes, confirmou o falecimento da atriz, que lutava contra o Alzheimer desde 2019.
Com a carreira ligada à filmografia do marido, o cineasta John Cassavetes, ela protagonizou alguns dos filmes independentes mais notáveis dos Estados Unidos, recebendo duas indicações ao Oscar: por “Uma Mulher Sob Influência” (1974), onde interpretou uma dona de casa vulnerável que cai na loucura, e “Gloria” (1980), onde brilhou como uma justiceira protetora de crianças capaz de enfrentar a máfia.
Início da carreira
Virginia Cathryn Rowlands nasceu em 19 de junho de 1930 em Madison, Wisconsin. Seu pai era banqueiro e senador, e sua mãe, embora convidada para ser uma dançarina dos musicais de Ziegfeld, seguiu carreira nas artes. Rowlands frequentou a Universidade de Wisconsin, mas deixou os estudos para atuar na Academia Americana de Artes Dramáticas em Nova York, onde conheceu Cassavetes. Em 1954, os dois se casaram e permaneceram juntos até a morte dele em 1989.
Rowlands estreou no cinema em 1958, quando apareceu no primeiro filme de Cassavetes, “Sombras”, e viveu a esposa confiante de José Ferrer em “Amor Também Subiu de Preço”. Em 1962, voltou às telas como coadjuvante no western “Sua Última Façanha”, com Kirk Douglas, e na aventura “Labirinto de Paixões”, de Robert Mulligan, onde atuou ao lado do galã Rock Hudson. Ela retomou a parceria com Cassavetes no ano seguinte, coadjuvando em “Minha Esperança é Você”, um drama sobre um instituto de saúde mental para crianças, estrelado por Burt Lancaster e Judy Garland, e posteriormente contracenou com Frank Sinatra no neo-noir “Tony Rome” (1967).
Mas sua carreira não deslanchou e ela acabou mergulhando na televisão, onde apareceu em dezenas de episódios de séries clássicas, como “Bonanza”, “O Homem de Virgínia”, “Dr. Kildare”, “A Garota da U.N.C.L.E.” e “A Caldeira do Diabo”.
A parceria consagradora
Em 1968, a atriz integrou o elenco de “Faces”, considerado um divisor de águas tanto na sua trajetória quanto na de seu marido. Indicado a três Oscars, o longa-metragem é amplamente reconhecido por seu estilo inovador e por sua abordagem íntima e realista dos dramas humanos, características que viriam a definir o movimento de cinema independente nos Estados Unidos dali para frente.
“Faces” explorou a história de um casal em crise conjugal. O filme começa com Richard (John Marley) anunciando seu desejo de se divorciar da esposa Maria Forst (Lynn Carlin), o que desencadeia uma série de eventos. Em busca de sentido e conexão, ambos se envolvem com outras pessoas – Richard com a jovem Jeannie Rapp (Gena Rowlands), uma acompanhante de luxo, e Maria com Chet (Seymour Cassel), um jovem bon vivant. Para contar esta história, Cassavetes adotou um estilo de filmagem quase documental, utilizando câmeras portáteis, iluminação natural e longas tomadas para capturar performances autênticas e espontâneas dos atores. Esse método permitiu uma exploração profunda das emoções e das nuances dos personagens, criando uma sensação de intimidade rara no cinema da época. Além disso, o roteiro do próprio Cassavetes marcou época por seu diálogo naturalista e sua estrutura fragmentada, que refletia a confusão e a incerteza dos personagens. “Faces” não seguia uma narrativa linear tradicional, optando por uma abordagem mais episódica que enfatizava os momentos de interação humana genuína.
Foi uma revolução. “Faces” foi aclamado pela crítica e se tornou um marco do cinema independente, frequentemente citado como uma influência crucial para cineastas que buscam contar histórias pessoais e autênticas fora do sistema de estúdios de Hollywood.
O filme seguinte da parceria foi “”Assim Falou o Amor” (1971), um drama romântico mais convencional, que ainda assim usava as técnicas de improviso que Cassavetes introduziu em “Sombras” e aprimorou em “Faces”. Até que em 1974 veio outra revelação.
Performances de Oscar
“Uma Mulher Sob Influência” tornou-se um dos filmes mais aclamados de Cassavetes e uma das performances mais memoráveis de Rowland. A atriz foi indicada ao Oscar pelo papel de Mabel Longhetti, uma dona de casa e mãe que sofre de problemas mentais. O enredo focava a deterioração mental de Mabel e o impacto devastador que isso tinha sobre seu marido Nick (Peter Falk), um operário da construção civil que lutava para lidar com a instabilidade emocional da esposa, contribuindo para agravar a situação com a sua falta de compreensão e paciência. As performances intensas foram capturadas através de longas tomadas e close-ups, permitindo que o público sentisse a crueza e a autenticidade visceral das emoções dos personagens.
Rowlands perdeu o Oscar para Ellen Burstyn, por “Alice Não Mora Mais Aqui”, o que foi considerado uma grande injustiça. Mas sua atuação como Mabel é citada desde então como uma das maiores da história do cinema.
O casal retomou a parceria com “Noite de Estreia” (1977), com Rowlands no papel de uma atriz veterana que enfrenta uma crise emocional e profissional enquanto ensaia para a estreia de sua nova peça. E em 1980, eletrizaram as telas com “Gloria”, um filme de máfia que rendeu à atriz sua segunda indicação ao troféu da Academia. O longa narra a história de Glória Swenson, uma ex-showgirl e namorada de um mafioso que se vê jogada numa situação perigosa a contragosto, assumindo a missão de proteger um jovem garoto, que testemunhou sua família ser assassinada pela máfia. Glória e a criança precisam fugir e se esconder enquanto ela usa sua astúcia e coragem para manterem-se vivos e fora do alcance dos criminosos.
A atriz entregou mais uma performance memorável como a mulher durona e independente que, apesar de suas reservas iniciais, desenvolve um forte vínculo com o menino. Sua Gloria foi um show de complexidade, mostrando um exterior implacável, mas também uma profunda capacidade de empatia. A história foi contada com maior foco que o habitual nos filmes de Cassavetes, graças a elementos de suspense e ação, que o tornam um dos filmes mais acessíveis do diretor. Mas o cineasta evita os clichês dos thrillers convencionais, focando mais nas interações humanas e nas motivações dos personagens, com os diálogos naturais e as cenas improvisadas que caracterizam sua filmografia.
“Gloria” também foi pioneiro na inversão de papéis no gênero da ação, com uma protagonista feminina forte que assume a função de protetora e heroína. A representação de Glória como uma mulher que não apenas sobrevive, mas também luta ativamente contra seus adversários, foi inovadora para a época e refletiu a forma como as personagens femininas iriam ser tratadas nos próximos filmes de ação e suspense. Mas Rowlands perdeu o Oscar novamente, desta vez para Sissy Spacek em “O Destino Mudou Sua Vida”.
Seu talento só foi formalmente reconhecido pela Academia em 2015, quando recebeu um Oscar honorário no Governors Awards.
Refletindo sobre a carreira ao lado do marido, ela disse naquele ano que Cassavetes “amava atores, e ele tinha um interesse particular por mulheres. Mulheres no cinema, quero dizer! Ele se interessava pelos problemas das mulheres e onde elas estão na sociedade e o que precisam superar. Ele me ofereceu alguns papéis realmente maravilhosos.”
Carreira além de Cassavetes
Rowlands também trabalhou no segundo drama da carreira de Woody Allen, “A Outra” (1988), como uma professora de filosofia que, ao alugar um apartamento para escrever em paz, começa a ouvir as sessões de terapia de uma mulher grávida (Mia Farrow) no consultório ao lado, levando a uma jornada de auto-reflexão e reavaliação de sua própria vida.
Após a morte de John Cassavetes em 1989, aos 59 anos, devido à complicações causadas por cirrose hepática, ela seguiu filmando com outros cineastas renomados, como Jim Jarmusch (“Uma Noite Sobre a Terra”), Lasse Hallström (“Meu Querido Intruso” e “O Poder do Amor”) e Terence Davis (“Memórias”). Mas acabou se destacando mais em obras de outro diretor da família, seu filho Nick Cassavetes.
A parceria com um novo Cassavetes teve início na estreia de seu filho na direção, “De Bem com a Vida” (1996), em que ela interpretou uma viúva confrontada com a saída do filho mais novo de casa e o início de um novo capítulo em sua vida. A dupla seguiu junto em “Loucos de Amor” (1997), um roteiro do próprio John Cassavetes. E explodiu em popularidade com “Diário de uma Paixão” (2004), um dos dramas românticos mais adorados de Hollywood. O longa narra a história de amor entre Allie Hamilton (Rachel McAdams) e Noah Calhoun (Ryan Gosling). Rowlands interpretou Allie na velhice, agora sofrendo de Alzheimer, enquanto seu marido Noah (James Garner) lê para ela o diário de sua vida juntos, na esperança de despertar suas memórias. A narrativa deixou milhões de espectadores chorando diante das telas – de cinema e de TV, já que o filme também virou um fenômeno em vídeo.
Mãe e filho trabalharam juntos pela última vez em “Yellow” (2012). Rowlands interpretou a avó da protagonista (Heather Wahlquist), uma professora do ensino médio que luta contra a dependência de medicamentos prescritos enquanto enfrenta problemas em sua vida pessoal.
Além do filho Nick, suas filhas Zoe e Xan Cassavetes também são cineastas. Rowlands trabalhou com Zoe em “Uma Americana em Paris” (2007), mas não com Zoe (diretora de “O Beijo do Vampiro”).
Ela ainda fez par romântico com Sean Connery em “Corações Apaixonados” (1998), teve um papel sinistro no terror “A Chave Mestra” (2006), foi dirigida por Gerard Depardieu na antologia “Paris, Te Amo” (2006) e atuou em várias produções independentes nos últimos anos, até “Six Dance Lessons in Six Weeks” (2014). Em seu último longa, ela mostrou energia como uma viúva de espírito forte e independente que contrata um instrutor de dança (Cheyenne Jackson) para lhe dar aulas particulares em sua casa. Até o fim, Rowlands foi notável em subverter expectativas, minimizando sua beleza no começo da carreira e demonstrando vivacidade em sua velhice.
Para completar, Rowlands também venceu três prêmios Emmy por seu trabalho na TV: por “A História de Betty Ford” (1987), onde interpretou a ex-primeira dama dos Estados Unidos, “Face a Face com a Vida” (1991) e “Hysterical Blindness” (2012), em que contracenou com Uma Thurman e Juliette Lewis.