O Festival de Veneza começa nesta quarta (28/8) em clima de tela quente. Em seu pronunciamento, Alberto Barbera, diretor artístico do festival, destacou a volta do erotismo ao cinema contemporâneo, um elemento que havia se tornado raro nas últimas décadas. “O sexo, em todas as suas expressões, está de volta ao cinema”, ele decretou à imprensa na abertura informal do evento. Ele observou que os filmes deste ano trouxeram uma abordagem mais aberta e direta sobre a sexualidade, refletindo uma mudança significativa na maneira como o tema é tratado na indústria cinematográfica.
Entre os filmes que refletem essa tendência está “Diva Futura”, dirigido por Giulia Louise Seigerwalt, que explora a história da famosa agência de atrizes pornográficas de Riccardo Schicchi, responsável por lançar figuras como Cicciolina nos anos 1980. A produção recria o impacto cultural dessa agência na Itália, destacando a influência que teve na produção de conteúdo adulto e na cultura pop.
Outro destaque é “Babygirl”, da diretora Halina Reijn. Neste thriller, Nicole Kidman interpreta uma empresária que, insatisfeita com seu casamento, se envolve em um relacionamento sadomasoquista com seu estagiário, vivido por Harris Dickinson. O filme aborda os limites entre o poder e a submissão, explorando as complexidades das relações de poder no ambiente de trabalho.
Também há Daniel Craig, que protagoniza “Queer”, de Luca Guadagnino, como um expatriado americano envolvido em uma vida de sexo, drogas e perigo na Cidade do México dos anos 1950. Craig, conhecido por seu papel como James Bond, assume um papel ousado e desafiador, rompendo com sua imagem de herói tradicional na adaptação do romance polêmico de William Burroughs.
Continuações de Hollywood no tapete vermelho
Por outro lado, Veneza também celebra o lado mais convencional de Hollywood, com a exibição de duas continuações e grandes estrelas no tapete vermelho, ausentes desde a pandemia e o impacto da greve dos atores e roteiristas em 2023. “Os Fantasmas Ainda Se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice”, dirigido por Tim Burton, foi escolhido para abrir o festival. A sequência do clássico “Os Fantasmas se Divertem” traz de volta os personagens dos anos 1980, misturando humor e horror de maneira singular, marca registrada de Burton. E entre as estreias mais aguardadas está “Coringa: Delírio a Dois”, a continuação do sucesso de 2019 dirigido por Todd Phillips. O filme, estrelado por Joaquin Phoenix e Lady Gaga, deve atrair os holofotes, explorando a conturbada relação entre Coringa e Arlequina.
Presença brasileira
O cinema brasileiro tem uma presença significativa no festival deste ano, com Walter Salles apresentando seu novo longa-metragem, “Ainda Estou Aqui”. O filme, estrelado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, narra a história de Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, que foi morto pela ditadura militar brasileira. Barbera destacou a importância do filme, afirmando que é “o trabalho mais maduro e pessoal de Salles até hoje”. O longa é um retrato poderoso de uma mulher que luta para reconstruir sua vida após a perda de seu marido.
Além de “Ainda Estou Aqui”, outras produções brasileiras se destacam em diferentes seções do festival. O documentário “Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, será exibido fora de competição, enquanto “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (1956), de Roberto Santos, terá uma exibição especial na seção Venice Classics. A mostra paralela Jornada dos Autores contará com “Manas”, de Marianna Brennand, e o curta-metragem “Minha Mãe é uma Vaca”, de Moara Passoni, será exibido na mostra Horizontes.
Foco na extrema direita
Na corrida pelo Leão de Ouro, filmes de alto calibre e relevância política dominam a competição, com foco nos perigos da ascensão da extrema direita. “The Order”, de Justin Kurzel, estrelado por Jude Law, explora crimes cometidos por supremacistas brancos no estado americano de Idaho, nos anos 1980. A trama tensa e o desempenho de Law têm atraído a atenção dos críticos, que apontam o filme como um dos principais concorrentes.
“Jouer avec le Feu”, dirigido por Delphine e Muriel Coulin, acompanha Pierre, um ferroviário vivido por Vincent Lindon, que percebe a crescente influência de grupos de extrema direita sobre seus filhos. O filme aborda a ascensão do extremismo na França contemporânea, oferecendo uma narrativa intensa e atual.
Outros destaques
Entre os filmes que prometem marcar a competição, destaca-se “Maria”, de Pablo Larraín, estrelado por Angelina Jolie. A produção explora os últimos dias de Maria Callas, a icônica cantora de ópera, em uma Paris dos anos 1970. Larraín, que já havia dramatizado a vida de figuras públicas em “Jackie” e “Spencer”, retorna com outra narrativa trágica que examina a vida privada de uma mulher famosa, interpretada por uma atriz igualmente famosa. Jolie estava afastada das telas desde “Eternos”, em 2021.
Cate Blanchett também é destaque no festival, estrelando “Disclaimer”, a nova minissérie de Alfonso Cuarón. No projeto, Blanchett vive uma jornalista que construiu sua carreira expondo segredos alheios, mas que se vê ameaçada quando seus próprios segredos começam a ser revelados. O projeto marca o retorno de Cuarón após o sucesso de “Roma” (2018) e, apesar de ser uma série, é um dos títulos mais aguardados da mostra.
Pedro Almodóvar é outro que retorna ao festival com “The Room Next Door”, seu primeiro longa-metragem falado em inglês. Protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore, o filme explora a relação entre duas mulheres que tentam reconstruir os laços familiares após uma briga turbulenta. Com o lançamento, o diretor conhecido por suas narrativas profundas e emocionalmente carregadas volta a explorar as complexidades das relações humanas.
O festival ainda celebra a presença de outros importantes cineastas latinos, como Luis Ortega, com seu novo filme “Kill the Jockey”. Além disso, Wang Bing, um dos mais renomados documentaristas chineses, apresenta “Youth (Homecoming)”, concluindo sua trilogia sobre os efeitos da economia nas relações sociais. A narrativa segue a vida de jovens trabalhadores que retornam ao campo após fracassarem na busca por oportunidades na indústria têxtil.
Barbera reforça o compromisso do Festival de Veneza em manter um equilíbrio entre produções de veteranos e novos talentos ao ressaltar que 12 dos 21 diretores em competição disputam o Leão de Ouro pela primeira vez, o que traz uma nova energia e frescor ao festival. Entre os novos talentos, destacam-se produções da Geórgia, como “April”, de Dea Kulumbegashvili, e de Cingapura, como “Stranger Eyes”, de Yeo Siew Hua.
Homenagens
O Festival de Veneza ainda vai prestar homenagens a grandes nomes do cinema. O veterano cineasta francês Claude Lelouch será agraciado com o prêmio Gloria por sua contribuição à indústria cinematográfica, exibindo seu novo filme “Finalement” fora de competição. A atriz americana Sigourney Weaver e o diretor australiano Peter Weir também serão homenageados com o Leão de Ouro pelo conjunto de suas carreiras.