A argelina Imane Khelif conquistou a medalha de ouro ao vencer a chinesa Yang Liu na final do boxe feminino na categoria até 66kg, nesta sexta-feira (8/12). Desde o início dos jogos, Khelif ganhou destaque ao ser alvo de uma onda de discurso de ódio, baseado na fake news de que ela era um homem transexual.
A luta foi marcada por grande expectativa, especialmente da torcida argelina, que lotou as arquibancadas do ginásio. O anúncio do nome de Khelif foi ovacionado, e durante a luta, a torcida não parou de entoar gritos e cantos de apoio à boxeadora. A polêmica a transformou em ídolo nacional.
Desempenho na luta
O primeiro round foi equilibrado, com trocas intensas entre as atletas, mas a vitória foi para Khelif, na avaliação dos árbitros. A argelina cresceu no segundo round e dominou a luta. No terceiro round, administrou a vantagem para vencer por decisão unânime dos juízes.
Entenda a polêmica
A participação de Imane Khelif nos Jogos de Paris foi envolvida em polêmica desde o início, devido à decisão da Associação Internacional de Boxe (IBA) de bani-la do Mundial amador de 2023. A entidade alegou que a atleta não cumpria os requisitos de elegibilidade para competir entre mulheres. A IBA não deu explicações, não disse qual teste foi realizado e mantém o caso sob sigilo. Por ironia, com Khelif proibida de lutar a final, a vencedora do campeonato foi justamente a chinesa Yang Liu.
O detalhe é que na mesma época a IBA foi expulsa das Olimpíadas pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), devido a denúncias de corrupção, manipulação de resultados e falta de ética em geral. O COI, que organizou o torneio de boxe olímpico após descertificar a IBA, permitiu que Khelif competisse, seguindo os protocolos de Tóquio 2020 – onde a argelina lutou sem levantar polêmica ou conseguir medalhas. Khelif, de fato, lutou em várias competições da IBA antes da polêmica.
Na estreia de Khelif nos Jogos Olímpicos de Paris, a italiana Angela Carini abandonou a luta em 46 segundos, alegando dor intensa no nariz após sofrer dois golpes no rosto. A desistência motivou uma onda de discurso de ódio e boatos de que Khelif, nascida e criada mulher cisgênero, seria transgênero. Várias personalidades conservadoras, como a escritora J.K. Rowling, criadora de “Harry Potter”, o ex-presidente Donald Trump, o ex-juiz Sergio Moro e os suspeitos habituais, escreveram na internet que Khelif era homem e espalharam sua indignação para seus seguidores, que repercutiram a infâmia milhares, senão milhões de vezes.
A rival seguinte de Khelif, a húngara Anna Luca Hamori, também republicou uma postagem nas redes sociais que rotulava Khelif como um homem, além de uma imagem de uma pequena boxeadora enfrentando uma “fera musculosa” com luvas de boxe. A argelina chorou no ringue após vencer a húngara.
Ser LGBTQ+ é crime na Argélia
Imane Khelif é uma mulher que nunca passou por transição de gênero e representa um país, a Argélia, onde ser homossexual dá cadeia. Influenciada pela religião muçulmana, a sociedade argelina reprime as pessoas LGBTQ+ com penas que variam de meses a anos de prisão. Elas sofrem discriminação e estigmatização tanto do governo quanto da sociedade. Essa situação força muitos a viverem de forma clandestina e impede que se exibam com segurança no país. A Argélia jamais admitiria uma atleta transexual, nem mesmo uma atleta lésbica, como representante do país nos Jogos Olímpicos.
Preocupado com a repercussão da difamação, o pai de Imane Khelif defendeu a filha: “Minha filha é uma mulher, temos todas as provas, inclusive a certidão de nascimento. Minha filha era mais forte que a boxeadora italiana. Ela apenas trabalha muito duro”, ele explicou à imprensa local.
Apoio dos fãs
Autoridades e o povo argelino saíram em defesa da lutadora, demonstrando apoio nas esferas políticas, nas arquibancadas e nas ruas de Paris, e comemoraram muito seu título. Após a luta que lhe rendeu o ouro, Khelif também foi saudada pela rival chinesa, que a abraçou sorridente como os demais torcedores diante de sua conquista.
Um perfil de esportes da Argélia a elogiou nas redes sociais enaltecendo as “mulheres argelinas”, que deixam o país “orgulhoso”. Mas um fã resumiu de forma mais precisa o sentimento do público: “Imane Khelif vendeu sucata para pagar seu treinamento de boxe, é embaixadora da UNICEF, lutou contra um bullying horrível e agora é campeã olímpica”.
When Imane Khelif received the gold medal in the women's 66kg 🥶 pic.twitter.com/vKbf08XUhV
— ESPN Africa (@ESPNAfrica) August 9, 2024