A França, país que inventou o liberalismo e que se orgulha de sua tradição de liberdade, igualdade e fraternidade, chocou conservadores ao realizar a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris com muita inclusão e diversidade. O limite ultrapassado teria sido a participação de drag queens. As redes sociais chegaram a trazer ameaças de morte e desejos de que terroristas ataquem os jogos.
O que começou com intolerância pura e simples logo se tornou campanha de ódio organizada, ao focar toda a ira contra uma imagem de segundos na transmissão do evento. Drags acomodadas ao longo de uma passarela, onde logo aconteceria um desfile, foram confundidas com uma representação da Última Ceia na versão pintada por Leonardo Da Vinci – um artista que, de acordo com diversos biógrafos, também era gay. A palavra “blasfêmia” chegou a entrar nos tópicos mais comentados do X.
Extrema direita surta
“A todos os cristãos do mundo que se sentem insultados pela paródia de drag queen, saibam que não é a França que fala, mas uma minoria da esquerda pronta para toda provocação”, disse Marion Marechal, líder da extrema direita francesa. Até o ídolo bilionário da direita, Elon Musk, afirmou que a cena era “extremamente desrespeitoso para com os cristãos”.
“Parece que todo mundo se ofende”, disse David Aaronovitch, apresentador da BBC Radio 4 no X. “A Santa Ceia de Leonardo Da Vinci é uma das imagens mais famosas do mundo ocidental e foi copiada, parodiada e alterada dezenas de milhares de vezes”, ele lembrou. E, de fato, não faltam versões realmente ofensivas, como uma variação com os integrantes do elenco da franquia de ação “Os Mercenários” sentados à mesa cristã completamente armados.
O evangelho de São Dionísio
O que conservadores não comentaram é que a cena se completou com um detalhe divergente: a chegada de Dionísio/Baco, numa representação do deus greco-romano do vinho e das festas. Uma representação simbólica da França como país do vinho e das festas, e que realmente faz referência a outro famoso quadro: A Festa dos Deuses, do holandês Jan Van Bijlert. “A interpretação do deus grego Dionísio nos conscientiza do absurdo que é a violência entre seres humanos”, escreveu o perfil oficial dos Jogos Olímpicos no X, dissipando qualquer confusão com o cristianismo.
Acham que a presença de Dionísio, todo azul, mudou a percepção de quem protestava? Pelo contrário, ele foi confundido com Jesus Cristo e o evento acusado de cristofobia pelos mais radicais.
Philippe Katerine, o homem azul no centro da polêmica, achou engraçado. “Não seria divertido se não houvesse polêmica. Não seria chato se todos concordassem neste planeta?”, ele declarou à BFM TV neste sábado (22/7), um dia após a abertura.
O diretor artístico da cerimonia, Thomas Jolly, ainda acrescentou, lembrando a tradição liberal francesa: “Na França, as pessoas são livres para amar como quiserem, são livres para amar quem quiserem, são livres para acreditar ou não”.
Ataques também foram racistas
Ficou claro que o problema não era religioso quando as críticas também se estenderam para a diversidade racial, com ataques contra a presença da cantora Aya Nakamura, uma imigrante do Mali. Uma das bandeiras da extrema direita nas recentes eleições francesas foi combater os imigrantes no país, e aparentemente o ódio é maior quando eles tem pele escura.