O ator Donald Sutherland, conhecido por sua versatilidade em filmes como “M*A*S*H”, “Gente como a Gente” e “Jogos Vorazes”, faleceu aos 88 anos na quinta-feira (20/6), em Miami, após uma longa doença. A notícia foi confirmada por seu filho, Kiefer Sutherland, em suas redes sociais. “É com o coração pesado que informo que meu pai, Donald Sutherland, faleceu. Pessoalmente, o considero um dos atores mais importantes da história do cinema”, escreveu o intérprete de Jack Bauer na série “24 Horas”.
Início da carreira
Donald McNichol Sutherland nasceu em Saint John, no Canadá, em 17 de julho de 1935. Superando desafios de saúde na infância, como poliomielite e febre reumática, ele se tornou um dos atores mais prolíficos de Hollywood, participando de até cinco filmes por ano em alguns períodos de sua carreira.
Sutherland iniciou sua carreira no teatro regional em Ontário, Canadá, antes de estudar na London Academy of Music and Dramatic Art. Seu primeiro papel no cinema foi em “O Castelo dos Mortos-Vivos” (1964), um filme de terror italiano onde interpretou múltiplos personagens. Ele ainda atuou em mais dois terrores britânicos “As Profecias do Dr. Terror” (1965) e “Os Herdeiros do Medo” (1967), antes de conquistar seu primeiro grande papel de destaque.
O primeiro desempenho como coadjuvante de peso foi em “Os Doze Condenados” (1967), de Robert Aldrich, um clássico de guerra sobre soldados condenados, que ganham uma chance de se livrar da cadeira ao participar de uma missão suicida contra nazistas. A premissa inspirou os quadrinhos do Esquadrão Suicida. O personagem de Sutherland era o soldado Vernon Pinkley, um dos membros mais excêntricos da missão suicida comandada por Lee Marvin, e o primeiro de uma longa trajetória de tipos anárquicos, que teve seu auge nos anos 1970.
Consagração nos anos 1970
A consagração veio logo em seguida, em “M*A*S*H” (1970), em que ele interpretou o irreverente cirurgião do Exército Benjamin Franklin “Hawkeye” Pierce, ao lado de Elliott Gould como “Trapper” John McIntyre. O papel de protagonista lhe trouxe reconhecimento internacional, ao ilustrar os absurdos da guerra com humor ácido, a partir da rotina de médicos no campo de batalha da Coreia. O filme de Robert Altman venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e inspirou uma série de TV que durou 11 anos, de 1972 a 1983.
Outro destaque em sua carreira foi “Klute, o Passado Condena” (1971), de Alan J. Pakula, onde Sutherland interpretou um detetive particular que se apaixona por uma prostituta, vivida por Jane Fonda. A química entre os dois e a tensão sexual nas cenas arrancaram elogios da crítica. O ator voltou a chamar atenção em novo thriller, “Não Olhe Agora” (1973), de Nicolas Roeg, em que contracenou com Julie Christie. O filme é lembrado por suas sequências de suspense e uma cena de amor altamente comentada, considerada uma das mais realistas e intensas do cinema.
Em “O Dia do Gafanhoto” (1975), de John Schlesinger, ele interpretou um personagem complexo em uma mordaz crítica a Hollywood, e a sucessão de papéis em filmes memoráveis o levou a ser convidado a voltar à Itália para novos filmes. Desta vez, porém, não eram terrores baratos, mas superproduções dos maiores diretores do país. No filme “Casanova” (1976), dirigido por Federico Fellini, Sutherland deu vida ao famoso amante italiano com uma interpretação única e cativante, e em “1900” (1976), de Bernardo Bertolucci, interpretou Attila, em um épico que traça a história da Itália no século 20.
A partir daí, passou a brilhar até em pequenos papéis, como em “Clube dos Cafajestes” (1978), de John Landis, uma comédia anárquica de grande sucesso onde interpretou um professor maconheiro, que tem um relacionamento impróprio com uma estudante (Karen Allen), e “Assassinato Por Decreto” (1979), um mistério de Sherlock Holmes (interpretado por Christopher Plummer). Ele também voltou ao terror numa performance magistral em “Invasores de Corpos” (1978), de Philip Kaufman, um dos mais celebrados remakes de filmes do gênero, consolidando sua reputação como ator versátil.
Ele iniciou os anos 1980 em obras altamente elogiadas. No melodrama “Gente como a Gente” (1980), dirigido por Robert Redford, Sutherland interpretou um pai que tenta manter sua família unida após o filho (Timothy Huttom) tentar se matar. O longa ganhou o Oscar de Melhor Filme e foi aclamado pela crítica pelas performances emocionantes. Em “O Buraco da Agulha” (1981), mudou radicalmente a chave para viver um vilão frio, Henry Faber, um espião nazista tentando retornar à Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial, impressionando em sua atuação no thriller de espionagem pela intensidade do personagem.
A parte final da carreira
Entretanto, as comédias que fez em seguida não tiveram o mesmo impacto, incluindo “Alta Incompetência” (1984) do cineasta francês Lois Malle, e ele acabou se voltando para produções televisivas, destacando-se no cinema apenas eventualmente como um piromaníaco em “Cortina de Fogo” (1991), o patriarca da família Bennet em “Orgulho & Preconceito” (2005), um juiz no drama “Reine Sobre Mim” (2007) com Adam Sandler, um nobre romano em “A Legião Perdida” (2011) e o despótico Presidente Snow em quatro filmes da franquia “Jogos Vorazes” (2012-2015).
Um dos vilões mais emblemáticos da década passada, Snow era o ditador autoritário de Panem, um país distópico onde adolescentes são forçados a lutar até a morte nos Jogos Vorazes. A performance de Sutherland como o frio e calculista Snow lhe rendeu o troféu de Melhor Vilão no MTV Movie Awards e solidificou sua interpretação como uma das mais marcantes de sua carreira, atingindo uma nova geração de fãs que não acompanhou seu sucesso anterior.
Sutherland explicou que se interessou pelo papel por considerar os filmes importantes para despertar uma nova geração de eleitores. Ele mesmo procurou os produtores para se candidatar ao papel, escrevendo uma carta apaixonada ao diretor Gary Ross, que resultou em cenas memoráveis, incluindo os encontros tensos entre Snow e a protagonista Katniss Everdeen, interpretada por Jennifer Lawrence. “Achei que era um filme incrivelmente importante e queria fazer parte dele”, disse o ator.
Seus últimos filmes foram as superproduções de ficção científica “Ad Astra: Rumo às Estrelas” (2019) e “Moonfall: Ameaça Lunar” (2022), e o terror “O Telefone do Sr. Harrigan” (2022), da Netflix. Ele também protagonizou as atrações televisivas “Commander in Chief” (2005-2006) e “Dirty Sexy Money” (2007-2009), e sua despedida das telas foi como o juiz Parker na série “Homens da Lei: Bass Reeves” (2023), da Paramount+.
Reconhecimento e prêmios
Embora nunca tenha sido indicado a um Oscar competitivo, Sutherland recebeu um Oscar honorário em 2017 por sua contribuição ao cinema. Além disso, ele ganhou um Emmy e um Globo de Ouro por sua performance como um policial soviético no telefilme “Cidadão X” (1995), e outro Globo de Ouro por interpretar o Secretário de Defesa Clark Clifford na minissérie “Bastidores da Guerra” (2002).
Vida pessoal e legado familiar
Donald Sutherland foi casado três vezes, mais recentemente com a atriz Francine Racette, com quem teve três filhos. Ele também teve um relacionamento significativo com a atriz Jane Fonda no início dos anos 1970. Seus filhos, Kiefer, Rossif, Angus, Roeg, e sua filha Rachel, todos seguiram carreiras no cinema e na televisão.