Roger Corman, renomado produtor e diretor conhecido como o “Rei dos Filmes B”, faleceu na quinta-feira (9/5) em sua residência em Santa Monica, aos 98 anos.
Ele foi o cineasta independente mais celebrado dos Estados Unidos, que se tornou famoso por seu ritmo acelerado na produção de filmes de baixo orçamento e por lançar as carreiras de novos talentos, não só atores como Jack Nicholson, Peter Fonda, Bruce Dern, Dennis Hopper, Pam Grier e até Sylvester Stallone, mas também diretores que se tornaram os grandes mestres de Hollywood. Entre seus pupilos estão nomes como Ron Howard, Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, Jonathan Demme, Martin Scorsese, Curtis Hanson, Joe Dante e James Cameron, todos orgulhosos membros da “Escola de Cinema de Roger Corman”.
O começo da carreira
Nascido em Detroit em 5 de abril de 1926, ele mudou-se com a família para Beverly Hills aos 14 anos. Após concluir o ensino médio na Beverly Hills High School, graduou-se em engenharia industrial pela Stanford University em 1947 e serviu na Marinha dos EUA por quase três anos antes de ingressar no mundo do cinema.
Corman começou sua carreira cinematográfica de maneira bastante singular, motivado tanto por oportunidade quanto por frustração com Hollywood. Antes de se tornar produtor, trabalhou na 20th Century Fox como office boy e, posteriormente, como analista de roteiros. Insatisfeito com a falta de oportunidades para ascender e com o material que lia, decidiu que poderia fazer filmes melhores do que muitos dos roteiros que estava analisando. Assim, decidiu investir todo o seu dinheiro na produção de um filme que achava que faria sucesso.
Com um orçamento extremamente limitado, ele produziu “Monster from the Ocean Floor” em 1954, um filme de ficção científica e terror, com direção do obscuro Wyott Ordung (um diretor de séries). Um fato curioso sobre a obra é que ela destaca um monstro marinho ameaçador, que foi representado de uma forma bastante rudimentar. Para capturar as cenas submarinas, a produção utilizou um aquário comum, colocado à frente da câmera, para criar a ilusão de filmagem no fundo do mar, um exemplo clássico da engenhosidade de baixo custo que Corman continuaria a empregar em seus futuros projetos. Este uso inventivo de recursos limitados não apenas ajudou a manter o filme dentro do orçamento, propiciando lucro para o jovem produtor, mas também estabeleceu uma marca registrada do estilo de produção do cineasta nos anos seguintes.
Logo, Corman percebeu que economizaria ainda mais se ele próprio dirigisse seus filmes. Ele começou sua filmografia, curiosamente, com westerns – “Cinco Revólveres Mercenários” (1955), “Pistoleiro Solitário” (1955), “A Mulher de Oklahoma” (1956) e “A Lei dos Brutos” (1956). Mas foi se encontrar no terror sci-fi, em clássicos trash como “O Dia Do Fim do Mundo” (1955) e “Ameaça Espacial” (1956) – este ficou conhecido pela aparência inusitada de seu monstro, apelidado de “cabeça de pepino”. Ele também inovou ao colocar assassinos foragidos contra adolescentes num clube de rock em “Rock All Night” (1957), mostrando sua habilidade para explorar tendências da moda (no caso, o rock) em gêneros inusitados.
Obras-primas de baixo orçamento
Embora as produções não fossem conhecidas por suas qualidades artísticas, Corman foi se aprimorando. E acabou criando obras-primas dentro se seu estilo. A primeira foi “A Pequena Loja dos Horrores” (1960), que se tornou um clássico cult do gênero de comédia de terror. A história gira em torno de uma floricultura decadente e um funcionário desajeitado chamado Seymour, que cultiva uma planta que se alimenta de sangue humano.
O filme foi produzido com um orçamento muito baixo e filmado em um curto período de tempo — incrivelmente, em apenas dois dias, segundo relatos. Corman utilizou um cenário que já estava montado para outro filme, maximizando assim os recursos disponíveis, e ainda contou com Jack Nicholson em uma participação memorável como um dentista sádico. Mas foi a história que chamou atenção, não apenas pelo seu humor sombrio e peculiar, que satirizava o sonho americano, a exploração comercial e o consumismo, mas também pelo seu impacto duradouro na cultura pop. A planta, chamada Audrey II, acabou se tornando uma das criaturas mais icônicas do cinema de terror e comédia. Fez tanto sucesso que inspirou uma versão musical off-Broadway nos anos 1980, que foi posteriormente adaptada em um filme musical de sucesso em 1986, ironicamente com grande orçamento.
O diretor atingiu seu auge nos anos 1960 ao se dedicar de vez ao terror, realizando diversas adaptações de Edgar Allan Poe estreladas por Vincent Price e Boris Karloff. “O Solar dos Malditos” (1960), adaptação de “A Queda da Casa de Usher”, é considerada até hoje uma das melhores interpretações dos contos de Poe. Ao capturar a essência gótica da história original, Corman também definiu o visual e o tom de todos os filmes de terror que se seguiram.
É desta época um dos exemplos mais fascinantes da habilidade de Corman para a improvisação. Ao fim da produção de “O Corvo” (1963), ele percebeu que tinha economizado muitos rolos de filme e terminado antes do período coberto pelo aluguel do estúdio, e decidiu aproveitar ao máximo esses recursos. Com o mesmo elenco do filme recém-concluído, que incluía Boris Karloff e Jack Nicholson, e os cenários de “O Corvo”, que estavam sendo demolidos, Corman concebeu e dirigiu “O Terror” (1963) em apenas sete dias. Este filme, realizado sob circunstâncias improváveis, destacou-se pela capacidade do diretor de criar uma narrativa envolvente e visualmente atraente em um período extremamente curto, e ainda fez mais sucesso que “O Corvo”.
Corman também foi pioneiro em abordar temas como drogas e rebeldia juvenil em filmes como “Os Anjos Selvagens” (1966), sobre gangues de motoqueiros, e “Viagem ao Mundo da Alucinação” (1967), inspirado pelo consumo da droga psicodélica LSD. Os dois filmes estrelados por Peter Fonda geraram controvérsias, que Corman, visionário, buscou propositalmente como uma forma de explorar o poder da publicidade negativa.
Ele ainda fez denúncias sociais, sendo um dos primeiros a abordar o preconceito racial de maneira direta em “O Intruso” (1962). A produção trazia William Shatner, que ficou famoso por seu papel posterior como Capitão Kirk em “Jornada nas Estrelas” (Star Trek), no papel de um agitador racista que chega a uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos para incitar os brancos a se revoltarem contra a integração racial ordenada pela Suprema Corte. O personagem de Shatner provocava tensão e violência na comunidade, explorando os preconceitos raciais para atingir seus próprios objetivos. Com sua abordagem direta e sem concessões ao tema do racismo, o longa enfrentou resistência considerável dos distribuidores, fazendo que não obtivesse sucesso comercial. Ainda assim, foi muito elogiado por sua coragem por críticos influentes da época.
Produtor de filmes cults
Após se aposentar da direção em 1970, Corman decidiu fundar uma nova empresa, a New World Pictures, dedicando-se à produção e distribuição de filmes de baixo orçamento voltados ao público jovem. Nesta fase, ele lançou vários clássicos cult. Entre eles, “Corrida da Morte 2000” (1975), que combinava ficção científica, ação e sátira social em uma narrativa sobre uma corrida transcontinental mortal no futuro. Outro título notável foi “Piranha” (1978), dirigido por Joe Dante. Concebido como uma resposta ao sucesso de “Tubarão”, a obra transcendeu a referência com uma abordagem ácida e efeitos especiais inventivos, que satirizaram os filmes de terror animal populares na época.
Corman também abriu as portas para o punk rock. “Rock’n’Roll High School”, uma comédia musical de 1979 estrelada pelos Ramones, tornou-se outro exemplo do espírito irreverente da New World. Na verdade, ele explorou quase todos os subgêneros existentes, incluindo filmes de presidiárias, como “As Condenadas da Prisão do Inferno” (1971) e “The Big Bird Cage” (1972), que foram cruciais para estabelecer a fama de Pam Grier como a maior atriz negra de ação dos anos 1970.
Apesar disso, a produtora se notabilizou especialmente por obras de sci-fi, como “Galáxia do Terror” (1981), “XB: Galáxia Proibida” (1982) e principalmente “Mercenários das Galáxias” (1980), uma aventura espacial que ecoava a trama de “Os Sete Samurais” para a geração de “Guerra nas Estrelas” (Star Wars) – décadas antes de “Rebel Moon”. Este filme é particularmente notável pelos seus efeitos especiais, que foram supervisionados por um jovem James Cameron, o futuro diretor de “Avatar” que começou sua carreira em Hollywood trabalhando para Corman.
A empresa de Corman ainda teve uma fase de distribuição de filmes estrangeiros aclamados, incluindo “Gritos e Sussurros” (1972) de Ingmar Bergman e “Amarcord” (1974) de Federico Fellini.
Homenagens em vida
Ao longo da carreira, o cineasta fez muitas aparições como ator, principalmente em pequenos papéis ou cameos em projetos que ele produziu. Mas também foi convidado a participar de obras famosas de alguns de seus ex-alunos, como homenagem por sua influência em suas carreiras. Por exemplo, ele apareceu em “O Poderoso Chefão II” (1974), dirigido por Francis Ford Coppola, um de seus ex-pupilos, como um dos senadores numa comissão de investigação, e também viveu um congressista numa participação especial em “Apollo 13” (1995), dirigido por Ron Howard, outro dos diretores que começaram suas carreiras com Corman. Além disso, viveu um diretor do FBI em “O Silêncio dos Inocentes” (1991), dirigido por Jonathan Demme, mais um dos muitos cineastas cuja trajetória Corman ajudou a impulsionar, e um executivo de Hollywood em “Pânico 3” (2000), do fã Wes Craven, num papel que brincava com sua reputação.
O diretor apareceu em muitos outros filmes e projetos televisivos, frequentemente em papéis que aludiam a seu status icônico no mundo do cinema. Essas figurações não só destacam sua disposição para se envolver de forma divertida com a indústria cinematográfica, mas também refletiam o respeito e a admiração que muitos na indústria tinham por ele.
Em reconhecimento ao seu impacto no cinema, Corman recebeu um Oscar honorário em 2009. Em seu discurso de aceitação, ele exaltou aqueles que “têm coragem de assumir riscos”, destacando a importância da inovação e da originalidade no cinema, independente do dinheiro disponível.
Roger Corman deixa sua esposa, Julie, com quem se casou em 1970, e duas filhas.