A exibição de “Megalopolis” no Festival de Cannes foi marcada por quase 10 minutos de aplausos. Mas a reflexão sobre a superprodução independente de US$ 120 milhões de Francis Ford Coppola não refletiu a aparente boa impressão inicial. Os críticos se dividiram em campos radicalmente opostos, entre os que consideraram uma obra-prima e os que viram um desastre épico nas telas. A maioria ficou no segundo time.
Um desastre
As reclamações se centraram na falta de coerência da história, no roteiro cheio de diálogos discursivos e impenetráveis, na diferença de tom de interpretações entre os atores, na aparência por vezes barata da produção caríssima. Elas explicam porque o filme não conseguiu distribuidor até o momento.
“Coppola não conseguiu encontrar um estúdio comprador para o filme e está claro o porquê: ‘Megalópolis’ provavelmente confundirá e dividirá o grande público. Não há dois atores neste filme que estejam na mesma página sobre como interpretá-lo, e o resultado é uma mistura de estilos de atuação e escolhas grandiosas e equivocadas que fizeram alguns jornalistas no festival rirem, incrédulos. O diálogo é francamente declarativo ou totalmente impenetrável, e Coppola frequentemente interrompe a ação com cenas de extras tão prolongadas que você pode dizer com certeza que está olhando para um dos parentes do cineasta”, humilhou o jornal americano The New York Times.
“A obra de Francis Ford Coppola é o motivo de chacota que todos temiam”, rotulou o site The Daily Beast.
“Francis Ford Coppola levou 40 anos para fazer ‘Megalópolis’, e enquanto saía de sua primeira exibição em Cannes ontem, senti que poderia levar mais 40 anos para descobrir o que é isso”, descreveu o crítico do jornal britânico Telegraph.
O também britânico The Guardian bateu pesado, descrevendo “Megalopolis” como “um projeto de paixão sem paixão: um filme inchado, chato e desconcertantemente superficial, cheio de verdades de oradores do ensino médio sobre o futuro da humanidade. É ao mesmo tempo hiperativo e sem vida, sobrecarregado com atuações terríveis e efeitos visuais desinteressantes e de aparência barata”.
“É um bom filme? Nem de perto. Mas também não é algo que possa ser facilmente descartado!”, contemporizou a revista The Hollywood Reporter.
Uma obra-prima
Mas há quem defenda o filme com paixão, por suas ideias febris, visual de encher os olhos, abordagem surreal, direção visionária e temas atemporais. “O sonho febril e delirante de Francis Ford Coppola inspira uma nova esperança para o futuro do cinema”, declarou o site IndieWire. “A obra-prima moderna e insana de Francis Ford Coppola reinventa as possibilidades do cinema”, ecoou o site Deadline.
Dependendo do ponto de vista, seria a obra mais amadora ou a mais madura de um cineasta que criou verdadeiros clássicos cinematográficos. Ou como avaliou o site The Wrap: “‘Megalopolis’ é um caso frustrante e paradoxal. O filme é habilmente montado e ao mesmo tempo feito de forma preguiçosa; ele impressiona com sua imaginação e erudição, ao mesmo tempo que deixa você mais do que confuso”.
“‘Megalópolis’ chega até nós como o testamento (talvez final) de um artista agora com 80 anos, mas às vezes parece os pensamentos febris de uma criança precoce, deslumbrada e talvez um pouco perdida em todas as possibilidades que tem diante de si”, contemplou o site Vulture.
Um filme
O lendário diretor por trás de “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now” investiu seu próprio dinheiro no filme, após décadas de obsessão, tendo começado a trabalhar no roteiro ainda nos anos 1980.
A obra assume várias referências anacrônicas ao Império Romano no cotidiano de uma grande metrópole futurista. O visual impressionante ajuda a dar sentido à sinopse oficial, que definiu “Megalópolis” de forma até então enigmática, como “uma fábula épica romana ambientada em uma América Moderna imaginada”.
A história se passa na cidade de Nova Roma, entre o conflito entre Cesar Catilina (Adam Driver, de “Star Wars: A Ascensão Skywalker”), um arquiteto genial que busca levar o local para um futuro utópico e idealista, e o prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito, de “Better Call Saul”), comprometido com uma política conservadora, perpetuando a ganância, os interesses especiais e a guerra partidária. Entre eles está a socialite Julia Cicero (Nathalie Emmanuel, de “Velozes e Furiosos 9”), filha do prefeito, cujo amor por Cesar dividiu sua lealdade, forçando-a a descobrir o que ela realmente acredita que a humanidade merece.
O elenco grandioso ainda inclui Aubrey Plaza (“The White Lotus”), Shia LaBeouf (“O Preço do Talento”), Jon Voight (“Ray Donovan”), Jason Schwartzman (“Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”), Laurence Fishburne (“John Wick 4: Baba Yaga”), Dustin Hoffman (“O Caso Meyerowitz: Família Não Se Escolhe”), Grace VanderWaal (“A Extraordinária Garota Chamada Estrela”), DB Sweeney (“B Positive”), James Remar (“Dexter”) e muitos outros.
Sem distribuidora definida, o cineasta apostava numa boa repercussão em Cannes para fazer o filme chegar aos cinemas. Com certeza, ele deu o que falar após sua première. Mas não mudou a impressão de que dificilmente “Megalopolis”será um sucesso comercial.
A crítica da revista Variety ponderou: “‘Megalópolis’ é tudo menos preguiçoso e, embora muitas das ideias não deem certo como planejado, esse é o tipo de declaração de final de carreira que os devotos queriam do cineasta dissidente, que nunca perdeu a fé no cinema. Mas agora que ele construiu, eles virão?”