“Som da Liberdade” lidera bilheterias com farra de ingressos gratuitos

“Som da Liberdade” liderou as bilheterias do Brasil pela segunda semana consecutiva com R$ 7,2 milhões arrecadados entre quinta e domingo (1/10), superando as estreias de “Jogos Mortais X” (R$ 4,6 milhões) […]

Divulgação/Angel Studios

“Som da Liberdade” liderou as bilheterias do Brasil pela segunda semana consecutiva com R$ 7,2 milhões arrecadados entre quinta e domingo (1/10), superando as estreias de “Jogos Mortais X” (R$ 4,6 milhões) e “Resistência” (R$ 2 milhões), graças a uma verdadeira farra de ingressos “gratuitos”. Entidades ligadas a igrejas evangélicas e policiais, a produtora Brasil Paralelo e a produtora americana responsável pelo filme, Angel Studios, têm dado entradas para assistir ao longa. Só a Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal teria distribuído milhares de ingressos.

Algumas entidades alegam que os ingressos doados são resultado de uma “colaboração” da própria Angel e da distribuidora Paris Filmes, o que gera considerações. Seria “Som da Liberdade” o primeiro filme lançado no Brasil com o propósito explícito de dar prejuízo milionário aos que deveriam lucrar com ele? Ou a “colaboração” indica que as entidades compraram os ingressos a preço promocional com fundos não explicados? A hipótese de se tratar de “lavagem de dinheiro” não deve ser levantada levianamente, mas o financiamento de terceiros na bondade alheia é um detalhe que merece ser melhor aprofundado.

Afinal, embora sejam gratuitos para o público, esses ingressos foram cobrados pelas salas de cinema. Isto significa que alguém pagou.

Anteriormente, filmes ligados à Igreja Universal, como “Os Dez Mandamentos” e “Nada a Perder”, também distribuídos pela Paris, foram acusados de seguir a mesma tática, após denúncias de distribuição de entradas por pastores e sessões vazias, em que todos os ingressos tinham sido vendidos. A diferença é que, agora, tudo é feito de forma explícita e às claras, com organizações dando ingressos publicamente pela internet.

 

Sucesso polêmico

Assim como nos EUA, o sucesso de “Som da Liberdade”, que retrata a vida de Tim Ballard, é impulsionado por grupos da direita no país. Originalmente, o filme foi bancado por investidores individuais simpáticos à direita, e ganhou impulso quando recebeu apoio de figuras como o ex-presidente Donald Trump. Mesmo sem o suporte de grandes estúdios, a produção conseguiu fazer sucesso por apelar a esse segmento, em parte devido ao seu alinhamento com visões de mundo propagadas por teorias da conspiração como QAnon – o principal delírio da extrema direita dos EUA.

A trama se concentra na busca implacável de Ballard para reunir uma família separada pelo tráfico de pessoas. Inicialmente, ele resgata um menino chamado Miguel na fronteira entre os EUA e o México e, posteriormente, descobre que a irmã de Miguel ainda está desaparecida. Isso o leva a Cartagena, onde ele planeja uma operação ousada para resgatar a menina. O filme inclui uma cena de epílogo com imagens em preto e branco da operação real de Ballard, embora ele seja seguida por uma controversa cena de créditos intermediários que tem sido criticada por seu caráter manipulativo, com o objetivo de alimentar questões de guerra cultural.

Como cinema, trata-se de um thriller convencional de ação ao estilo dos longas dos anos 1990, quando americanos heroicos invadiam repúblicas de bananas da América do Sul para fazer Justiça com as próprias mãos. É basicamente a premissa do primeiro filme da franquia “Os Mercenários” e do último filme de Rambo. O que há de diferente é a questão do tráfico de crianças, mostrada de forma apelativa e relacionada às teorias da direita extrema, que acusam a esquerda de liderar um cartel internacional de pedófilos. Trata-se de uma fantasia derivada do clichê de que “comunistas comem criancinhas”.

 

Denúncias contra o filme

Há algumas ironias na tese defendida pelo filme, já que um de seus financiadores, Fabian Marta, provou-se um pedófilo de direita, preso por, justamente, participar do tráfico de crianças. Defensores do filme alegam que foi só um entre vários financiadores coletivos, argumentando isso no mesmo fôlego com que generalizam toda a esquerda como pedófila.

Mas tem mais. Logo após o lançamento da produção, sete mulheres denunciaram o verdadeiro Tim Ballard por abuso sexual. Elas afirmaram que Ballard usava a desculpa de combate ao tráfico infantil para convencê-las a se passar por suas esposas em missões de infiltração, obrigando-as a ter relações sexuais.

Sob essa ótica, “Som da Liberdade” poderia ser encarado como um filme financiado por pedófilo para glorificar um predador sexual.