O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou a condenação da produtora e gravadora Furacão 2000, especializada em funk, relacionada à música “Tapinha”, também conhecida como “Funk do Tapinha” e “Um Tapinha Não Dói”. A empresa havia sido condenada em primeira e segunda instâncias por ofensa à dignidade das mulheres, com uma multa de R$ 500 mil estabelecida por danos morais coletivos.
Contexto e controvérsia
A música “Tapinha”, que se tornou um sucesso no início dos anos 2000, foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) por incitar violência contra as mulheres com a frase “um tapinha não dói”. No entanto, Barroso defendeu que a canção não ultrapassa os limites da liberdade de expressão. “Se houver alguma forma de interpretar a produção artística de modo a preservar sua dimensão de legítima manifestação cultural, sua veiculação não deve ensejar a responsabilidade civil de seu titular”, afirmou o ministro.
Barroso também ressaltou que a música pode ser interpretada de diferentes formas. “Se alguns interpretam a música como ‘ofensiva’, outros veem a letra como ‘expressão de afronta à repressão sexual e defesa do empoderamento feminino'”, escreveu. O ministro ainda mencionou que a canção já foi interpretada por outros artistas renomados, como Caetano Veloso e Fernanda Abreu.
O presidente do STF argumentou que a música, lançada em 2000, deve ser avaliada dentro do contexto de sua época. “Não podemos avaliar com os olhos de hoje uma música que foi composta há mais de vinte anos atrás”, disse Barroso. Ele também destacou que o funk, originado nas favelas do Rio de Janeiro, é “constantemente alvo de preconceito, repressão e censura”.
Na decisão, Barroso afirmou que, embora as letras de funk possam ser controversas e sexualizadas, o respeito à liberdade artística é parte do movimento de combate ao racismo e preservação da cultura afro-brasileira. “Ainda que se possa considerar que as letras são controversas e sexualizadas, não se pode negar que o respeito à liberdade artística no funk é parte do movimento de combate ao racismo e preservação da cultura do povo negro no País”, concluiu.
O legado de MC Naldinho
MC Naldinho, autor da canção, não viveu para ver essa reviravolta. Ele morreu em 2018, de insuficiência renal, aos 41 anos.
“Tapinha” foi gravada por MC Naldinho e MC Beth e lançada pela produtora Furacão 2000 na coletânea “Tornado Muito Nervoso”, que foi responsável pela explosão do “funk carioca” no Brasil.
A música se tornou um dos primeiros hits de funk a sair das favelas para tocar em todo o país e acabou regravada em 2003, numa versão mais profissional, por MC Naldinho e Bella Furacão, que até chegaram a apresentá-la ao vivo no programa “Superpop” (veja abaixo). Foi nessa época que o MPF passou a considerar a gravação ofensiva e abriu processo contra a produtora.
A ação foi ajuizada pelo MPF e pela ONG Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero contra a música, por considerarem que a música “banaliza a violência contra a mulher, transmite uma visão preconceituosa contra a imagem da mesma, além de dividir as mulheres em boas ou más conforme sua conduta sexual”. Em 2010, depois de sete anos de tramitação na Justiça Federal, a empresa detentora dos direitos da música (Furacão 2000 Produções Artísticas Ltda), foi condenada, em primeira instância, a pagar uma multa no valor de R$ 500 mil.