O romancista tcheco Milan Kundera faleceu na última terça-feira (11/7) em Paris, na França, aos 94 anos. A notícia foi divulgada pela editora francesa Gallimard nesta quarta-feira (12/7). O veículo informou que a morte do autor veio em decorrência de uma doença prolongada, que não foi especificada.
Ao longo da carreira, Kundera ficou conhecido pelas suas sátiras de regimes totalitários e ironias sombrias misturadas com reflexões filosóficas que exploraram a condição humana. Sua primeira obra, intitulada “A Brincadeira”, foi publicada no ano de 1967 em meio ao regime comunista da Tchecoslováquia. O livro criticava a política do país e foi banido diante da repressão.
Ele encontrou na escrita uma forma de enfrentar as autoridades de sua terra natal com suas visões reformistas. Já no ano de 1979, ele teve sua cidadania tchecoslovaca revogada, e ela só foi recuperada em 2019 na atual República Tcheca. Com isso, o autor se exilou na França em 1975, onde permaneceu até sua morte.
Seu maior sucesso editorial foi “A Insustentável Leveza do Ser”, publicado em 1984. A obra oi um sucesso global e ganhou traduções em diversos países. O livro contava a história de um cirurgião que tem sua vida afetada pela invasão soviética na Tchecoslováquia, durante a Primavera de Praga. Diante do prestígio, a história chegou a ganhar uma versão nos cinemas em 1988.
Com mais de dez romances publicados, seu último lançamento foi feito em 2014, o livro “A Festa da Insignificância”. Outras obras de destaque do autor foram “A Valsa dos Adeus” (1976), “O Livro do Riso e do Esquecimento” (1978), “A Imortalidade” (1990), “A Lentidão” (1995), “A Identidade” (1997) e “A Ignorância” (2000).
Exílio na França
Nascido na cidade de Brno em 1929, Kundera despertou seu interesse pela literatura ainda no colégio, onde começou a escrever poemas. Após o fim da 2ª Guerra Mundial, ele ingressou na Charles University em Praga. Não demorou muito e também entrou para o Partido Comunista, mas foi expulso logo em seguida pela sua perspectiva reformista.
Na década de 1960, ele lecionou em uma escola de cinema e lançou o polêmico “A Brincadeira” (1967). Com a repressão sobre o seu retrato contundente do regime comunista da Tchecoslováquia, o autor partiu para a França. Durante o exílio, manteve uma relação fria com sua nacionalidade, escrevendo suas novas obras em francês e até impedindo que alguns de seus romances fossem traduzidos para o tcheco.
Em 1979, publicou seu primeiro romance como emigrado, intitulado “O Livro do Riso e do Esquecimento”. A obra é uma história escrita em sete partes que mostrava o poder dos regimes totalitários de apagar partes da história e criar um passado alternativo. A partir daí, ele começou a ganhar mais notoriedade internacional.
Apesar disso, ele nunca cortou completamente o vínculo com sua herança tcheca, já que grande parte de suas histórias se passavam no país. Após o fim do regime comunista em 1989, ele entrou poucas vezes às escondidas no país para visitar amigos e familiares. Com poucos pronunciamentos ao longo da carreira, ele se manteve longe do olhar público e defendia que os escritores deveriam se expressar através de suas obras.
Obras de destaque e adaptações no cinema
Publicado pela primeira vez em 1984, o livro “A Insustentável Leveza do Ser” foi um sucesso global imediato e reimpresso em dezenas de idiomas. A trama acompanha Tomas, um cirurgião checo e mulherengo dividido entre sua esposa, que deseja um relacionamento monogâmico, e uma sedutora pintora com quem ele se encontra regularmente para sexo. Após a invasão soviética, o protagonista politicamente tagarela é proibido de trabalhar como médico e se torna um lavador de janelas.
A obra ganhou uma versão cinematográfica em 1988, dirigida por Philip Kaufman e estrelada por Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin. O longa foi um grande sucesso e recebeu duas indicações ao Oscar, por roteiro adaptado e cinematografia. Dentre as vitórias, Kaufman ganhou um BAFTA pelo roteiro da adaptação.
Antes disso, outras obras do autor também ganharam adaptações nos cinemas e na televisão tcheca. Dentre estas, “A Brincadeira” (1969), de Jaromil Jires, e que Kundera ajudou a adaptar. Ele também contribuiu com roteiros para os longas-metragens como “Nobody Will Laugh” (1965), dirigido por Hynek Bocan, e “Já, truchlivý buh” (1969), de Antonín Kachlík. Tudo isso antes de ser forçado a abandonar o país.
Prêmios e reconhecimentos
Aclamado pela crítica e pelo público, os contextos progressistas de suas obras foram reconhecidos em premiações da literatura ao longo dos anos. O grande destaque vai para as diversas indicações que recebeu ao prêmio Nobel de Literatura, embora nunca tenha conseguido ganhar. Por outro lado, conquistou o Prix Europa-Litterature pelo conjunto de sua obra.
Em 1973, seu livro “Life Is Elsewhere” ganhou o cobiçado Prix Medicis da França de Melhor Romance Estrangeiro, enquanto “The Farewell Party”, uma farsa sexual moderna ambientada em um spa do leste europeu, ganhou o Premio Mondello da Itália em 1978.