Larissa e Fred salvaram “BBB 23”, mas só ela ficou sem reconhecimento da produção

Larissa Santos saiu do “BBB 23” na noite de domingo (24/4) com a sensação de dever cumprido. Ela não salvou apenas o grupo Deserto da extinção nas mãos do Fundo do Mar. […]

Divulgação/Globo

Larissa Santos saiu do “BBB 23” na noite de domingo (24/4) com a sensação de dever cumprido. Ela não salvou apenas o grupo Deserto da extinção nas mãos do Fundo do Mar. Ela salvou o programa. Ela e Fred Nicácio.

Muitos que votaram na professora catarinense por acreditar que ela merecia menos, por ter vindo de uma repescagem, ignoram que a narrativa do “BBB 23” só surgiu após sua volta e de Fredão. Assim como as maiores audiências do programa.

Antes da dupla voltar, o reality não tinha história. Tinha polêmicas, atritos, mas não um roteiro coeso, tanto que a toda semana havia um favorito diferente. Ela e Fred chegaram num momento em que os próprios conflitos entre quartos já estavam em clima de apaziguamento, levando o jogo para uma etapa individual. A chegada da dupla, porém, voltou a dividir os times. Mas embora seguissem se chamando Deserto e Fundo do Mar, as divisões a partir daquele momento ganharam outras configurações.

Fred e Larissa voltaram magoados, após sofrerem preconceito no programa. Ele foi vítima de racismo, ela de machismo. E curiosamente esta dor os aproximou na Casa do Reencontro, sugerindo uma amizade criada a partir da compreensão mútua, que entretanto não teve sequência após seus retornos, já que ambos viraram os generais de suas equipes – e, portanto, rivais.

A vítima de machismo trouxe a questão da sororidade para as sisters, de como elas eram mais fortes juntas e poderiam enfrentar tudo, da subestimação de suas inteligências por rivais que as objetificavam até a inferioridade numérica, empoderando as aliadas. Ela se provou uma feminista natural, usando sua liderança para transformar amizade feminina numa arma capaz de enfrentar a maioria masculina do outro time e realizar mudanças no jogo rumo à vitória.

A vítima de racismo enfatizou a questão racial, tentando transformar o Fundo do Mar numa Wakanda. Ele fez discursos fortes e importantes de valorização racial, mostrou para todos que, pela primeira vez, os negros eram maioria no reality, e também propôs uma final apenas com confinados pretos. Chamou a iniciativa de Big Brother Preto e tentou unir os aliados em torno dessa meta. Mas mesmo arrastando-os para fotos coletivas com punho erguido, poucos compraram sua ideia ou aceitaram sua liderança.

Esta foi a grande diferença entre os dois grupos. As desérticas realmente se uniram pela meta de colocar quatro mulheres na final do programa. Já os integrantes do Fundo do Mar não formaram fileiras em torno da proposta de transformar o BBB num projeto de justiça racial. Aquela foto, tão repetida na edição e nas redes sociais, nunca representou a realidade.

As páginas de fofoca e os colunistas que passaram a atacar as desérticas não perceberam esse detalhe. Ignoraram como a união das confinadas era inspiradora para o público feminino, enquanto tentavam fazer a narrativa de Wakanda prevalecer à qualquer custo. Tiveram reforço da edição do programa e de comentários de funcionários da produção, que buscaram transformar Larissa e as desérticas em vilãs. Como a professora não teve embate com Fred, que também praticou machismo contra ela, mas pediu desculpas e os dois passaram a se respeitar, a vaga de heroína da edição foi reservada para Domitila, com quem a professora seguiu tendo conflitos justamente em cima da pauta do machismo.

Uma edição tendenciosa tentou desvalorizar Larissa e seus embates. O momento mais emocionante de todo o “BBB 23” nunca foi ao ar, justamente por conta da agenda da produção: o momento em que Larissa desabafa seus sentimentos para Domitila durante o intervalo de um Jogo da Discórdia. As duas terminaram chorando abraçadas, mas os produtores esconderam.

De um “BBB” sem história, Boninho ganhou, de uma hora para outra, duas narrativas importantes, mas sua equipe se dedicou à sabotagem, querendo que apenas a versão Wakanda do reality fosse ressaltada. A acusação de machismo contra Cezar Black e Domitila atrapalhava a trajetória dos heróis negros. E isso “precisou” ser cortado.

Houve uma diferença de ênfase brutal, e essa manipulação também se refletiu numa divisão de percepções. De um lado, a cobertura midiática do programa ficou totalmente alinhada à versão oficial, reclamando de perseguição de Domitila e Cezar Black. Do outro, a audiência do Globoplay percebeu que algo estava errado, que estavam batendo muito forte nas “meninas”, e o artificialismo da narrativa favorecida lhes pareceu injustiça com a preterida.

Como a edição não questionava Domitila e Black, mas apontava perseguição das sisters, as páginas de fofoca e colunistas se sentiram incentivados a ver “racismo” nos atos das desérticas, tornando-se paladinos antirracistas contra Aline Wirley, uma omissa por não ter se juntado a Wakanda, preferindo em vez disso ficar em Themyscira com as mulheres. Bruna Griphao passou do ponto? Várias vezes, mas as outras três foram generalizadas no mesmo embrulho – Aline até virou branca – de forma cruel pela mídia, perdendo sua voz numa programa que buscou diminui-las para levar ao ar a final idealizada por Fredão – que, ressalte-se, não tem culpa nenhuma nisso.

O problema é que produtores, famosos e mídia escolheram como favoritos Domitila, Cezar Black e Ricardo Alface, e os dois últimos não tinham o menor interesse em servir à “causa”. Alface foi logo dizendo que estava fora do projeto Big Brother Preto, afinal tinha planos de jogar com as sisters mais adiante. E Black se mostrou contra a pauta racial em vários momentos, chegando a criticar o sermão de Tiago Leifert contra os comentários de Rodolfo sobre o cabelo de João – um marco da discussão racial no “BBB”.

Curiosamente, a edição não apostou tanto em Sarah Aline, tratada como planta durante boa parte do programa, mas que tinha tudo para estar no Top 4 se recebesse o tratamento reservado para Domitila. Sarah não cometeu um erro sequer em sua participação e foi uma das competidoras mais inteligentes que já passou pelo “BBB”.

Domitila, por outro lado, era uma ativista de currículo extenso. Só que não praticou o que prega diante das câmeras, antagonizando de cara com Tina, a primeira africana da História do “BBB”, e tendo várias falas machistas contra Larissa. A solução, nesse caso, foi criar VT de campeã – que Larissa nunca recebeu – e fazer as desérticas sumirem, terem suas estratégias brilhantes minimizadas – só ficam no Big Fone, são plantas – , editar ou esconder as falas de Larissa e até escrever de forma clara na tela (via tuiteiro utilitário) que ela era chata.

As páginas de fofoca adoraram como a Globo facilitou seus trabalhos. Mas o público que viu pelo Globoplay percebeu a diferença entre o que acontecia na transmissão em tempo real e a edição da TV aberta, sensibilizando-se com a perseguição contra as desérticas. E uma vez instalada, essa sensação não teve mais volta, fazendo o sofá se juntar às torcidas organizadas.

A Globo tinha duas histórias para contar, mas escolheu contar só uma. Errou a mão e não deu matizes para os jogadores. Escondeu sim, coisas da Bruna, por ela ser Camarote, assim como Domitila. Mas principalmente quis fazer de Larissa vilã, Aline de omissa e Amanda de planta, sem valorizar suas qualidades. Amandinha, que reclamava de não ser ouvida pelos homens na casa, também não foi ouvida pela produção do “BBB 23”. Se ouvissem e vissem, perceberiam que ela é tão inteligente quando Sarah Aline.

Mas a emissora não omitiu apenas. Quando o público começou a eliminar o Fundo do Mar, entrou em desespero, escancarando a manipulação para criar um clima de ódio contra as desérticas, numa edição de viés extremamente machista. Na reta final, o “BBB 23” passou a apresentá-las como histéricas, maldosas, quem sabe até racistas, e calou todas as suas vozes. Ao mesmo tempo, tratou de endeusar ainda mais os heróis de Wakanda.

Mas Wakanda nunca existiu fora da idealização de Fred, que, inclusive, assumiu sua frustração (escondida pela edição). Domitila fez muitas intrigas contra Cezar Black, a ponto de fazê-lo mudar de quarto, e ainda se aproximou de Alface, que também tinha treta com Black. Além disso, Alface, que nunca embarcou no projeto “Pantera Negra”, em sua primeira liderança despachou Fredão para o paredão.

Para completar, ainda teve a participação de Domitila, Black e Sarah no programa de Ana Clara no Multishow. Perguntados a respeito de quem das Top 4 sairia no paredão final, os três apontaram Aline, a única mulher negra do grupo.

A Globo tentou esconder a inexistência de Wakanda mesmo quando a realidade já atropelava a edição, o que só escancarou o artificialismo da causa. Optando por ser como Key Alves e acreditar no mito que ela própria criou, seguiu massacrando as sisters até onde deu. Na verdade, até ser tarde demais.

Um exemplo de como a edição radicalizou: se a Globo mostrava Black vítima de perseguição de mulheres enraivecidas, a Globoplay mostrava a sororidade do momento seguinte, quando Larissa teve um colapso nervoso durante uma discussão com o enfermeiro e chorou pela primeira vez no programa. Copiosamente. E recebeu apoio de todas as mulheres da casa, inclusive das rivais. Ela chegou a desmaiar no dia seguinte por causa daquela discussão. Mas quem viu na Globo, tem certeza que ela e Bruna é que foram cruéis.

Foi assim que os produtores criaram a armadilha em que eles próprios caíram. Quiseram mostrar meninas malvadas, não mulheres fortes que, ao contrário do Fundo do Mar, uniram-se de verdade e conquistaram os objetivos traçados a partir da volta de Larissa. A grande personagem do “BBB 23” foi minimizada até o fim, permitindo sua eliminação antes da hora, apesar de toda sua contribuição ao jogo.

E foi assim que a equipe de Boninho terminou com as pessoas que nunca quis e realizará uma final de rejeitadas. Não é à toa que os colunistas reclamam e parte do público abandona a sintonia. Elas nunca tiveram o VT de Campeã da Domitila. Nunca tiveram suas vozes ouvidas, suas histórias contadas na TV aberta. E a maioria delas tem histórias lindas de superação, tão bonitas como a de qualquer integrante do Fundo do Mar.

Fica a lição: o melhor que Boninho pode fazer em relação ao “BBB 24” é proibir sua equipe de tomar lados. Na era do streaming com cobertura 24 horas, não dá para esconder fatos ou vender ilusão. Afinal, se é para premiar quem realizou mais projetos sociais, nem façam o programa, deem logo o prêmio para a próxima Domitila. Mas se for para valorizar e incentivar os melhores jogadores, não escondam seus momentos brilhantes e sensíveis para que a próxima Larissa possa ser reconhecida como merece.