A cobertura da imprensa, de páginas de fofoca a grandes portais, nunca foi tão parcial quanto neste “BBB 23”. Longe de ser isenta, a mídia trocou jornalismo por torcida.
Não faltam exemplos de colunistas fazendo mutirões para tirar determinados integrantes do programa. Alguns tem essa iniciativa em seus próprios perfis, enquanto outros fazem isso em parceria com contas de participantes do reality. E levam a mesma torcida para suas colunas, páginas e participações na TV, reforçando seus ataques em quem querem eliminar, elogiando quem querem ver campeão e influenciando seguidores e audiência com opiniões tendenciosas. Mas quando não conseguem eliminar quem gostariam, gravam vídeos xingando o público.
Se parcialidade assumida chama atenção, a cobertura que se passa por isenta é ainda mais problemática.
Os textos publicados sobre o “BBB 23” são uma aula sobre a utilização de fake news em tempos de sensibilidade social. Replicando marketing político, páginas de fofoca e grandes portais viralizam trechos editados de vídeos para contar narrativas alinhadas a interesses não proclamados. Como forma de engajamento, elegem temas “do bem”, como racismo, para viralizar na carona de pautas extra jogo. Mas se não lhes convém, escondem situações tão ou mais relevantes, como machismo, para não beneficiar quem buscam prejudicar.
A manipulação chega ao cúmulo de usar a própria pauta do racismo para cometer racismo contra uma participante negra, manipulando o público a atacá-la por ser aliada de mulheres brancas que tem um alvo enorme nas costas, criado por toda a mídia falsamente engajada.
Usando a caixa de ressonância das redes sociais, as páginas destroem reputações sem sentir o menor remorso, mesmo sabendo que sua ação se dá por meio de informação inverídica. Vídeos editados, inclusive os que se apresentam falsamente como “cena completa”, são usados para levar ao público notícias distorcidas, com o objetivo de criar vilões e vítimas falsos no jogo, embora no streaming da Globoplay os papéis sejam claramente invertidos.
O público acredita e se engaja nessa narrativa, porque ela é apresentada como o lado correto, “do bem”, contra racistas, histéricas e mimadas. Mas esse mesmo público ignora que uma das sisters que ataca sofreu mais machismo no programa que qualquer outra integrante na História do BBB, porque a verdade sabotaria o plano.
A narrativa se fortalece graças a um detalhe peculiar dos dias atuais. A edição exibida na Globo também é pautada pela repercussão das páginas, com integrantes da produção inclusive interagindo com elas. Afinal, são pautas “politicamente corretas”. Se a seleção de cenas, especialmente pelo que esconde, deixa clara a sintonia com o esforço externo, a escolhe de tuites exibidos ao ar durante a transmissão escancara de vez a cumplicidade. Todos os tuites tem mira certa, fazendo comentários negativos contra um grupo (Deserto) e positivos a favor de outro (Fundo do Mar).
A estrutura complexa desse “business de fofocas” conta ainda com a sinergia de famosos. Celebridades alinhadas à narrativa única tem comentários repercutidos pelas páginas e portais, reforçando assim o discurso do ódio do bem. Usam influencers literalmente para influenciar mais e mais o público a fazer a escolha certa, ficar do lado certo e eliminar o outro.
Por isso é que, sem acompanhar a realidade, o público se assusta quando imagens de Larissa Santos passando mal surgem na internet. Vítima de ataques contínuos no programa, ela é apresentada como vilã pelas páginas, enquanto seus detratores surgem como os heróis politicamente corretos e favoritos para vencer a edição. Qualquer reclamação dela é minimizada (veio brifada) e vira chacota (é crente), porque se trata de alguém (uma professora de crianças) que tem que aceitar calada ser chamada de cachorra, piranha e periguete. Nesta hora, o feminismo não conta, nem quando as sisters mostram uma sororidade histórica, porque a narrativa só aceita uma feminista, a que é apresentada como injustamente perseguida pelas próprias falas machistas.
Detalhe: mesmo diante das imagens fortes da tarde desta quinta (13/4), as páginas continuaram ironizando Larissa – “sentimento de culpa”. São as mesmas páginas que, quando interessa, resolvem ser paladinas do feminismo.
O que está por trás disso?
A maioria das páginas de fofocas e alguns colunistas de grandes portais são agenciados pela mesma empresa, a Mynd8. Lançada por Preta Gil e sócios como uma iniciativa diferenciada, criada para dar voz a minorias, a empresa se notabilizou por contratar artistas e influencers negros, alimentando suas redes sociais com campanhas publicitárias. Entretanto, esse marketing positivo em algum momento virou ambição hegemonista. Ao passar a contratar páginas e colunistas, a empresa virou a eminência parda por trás de uma espécie de cartel de fofocas, de perfis que claramente têm discurso alinhado e até repetem os mesmos textos entre si.
A situação já foi denunciada por reportagens investigativas, que entretanto se prenderam mais à influência política do grupo. A manipulação do entretenimento não recebeu ainda a devida atenção.
Vale apontar que a Mynd8 não é a única agência a perceber a importância das páginas de fofocas no mundo da pós-verdade das redes sociais. Há outras agindo da mesma forma. Mas ela se destaca, no caso específico, por sua relação histórica com o “BBB”.
No “BBB 21”, as páginas alinhadas com a Mynd8 realizaram diversos ataques a Juliette e somente após o final do reality é que se soube que a agência tinha fechado com os classificados em 2º, 3º e 4º lugares. No “BBB 18”, a contratada foi a campeã Gleici Damaceno. No “BBB 20”, também foi a campeã Thelminha. E no “BBB 22” foram o 3º e o 7º colocados, Douglas Silva e Jessi Alves.
Por que é importante para uma agência ter vencedores e finalistas do “BBB” em seu catálogo?
A exposição do programa vale muito mais que o prêmio milionário. Gil do Vigor, contratado da Mynd8, faturou o equivalente à premiação de R$ 1,5 milhão conquistada por Juliette em apenas um mês. E a agência fica com parte desse dinheiro. Trata-se de um negócio milionário, que rende mais para quem chega mais longe no programa. Assim, vencer o “BBB” é, hoje em dia, uma disputa travada também no mercado de agências de talentos.
Neste “BBB” atual, Fred Nicácio, contratado da Solo, recebeu menos proteção das páginas de fofoca do que outros brothers, dos quais não se sabe a que agência pertencem. Dependendo da semana, e contra quem ele disputava a narrativa, seus erros e virtudes foram alternativamente exaltados e escondidos. Certos integrantes do reality, porém, jamais erraram na apresentação das páginas e colunistas, e já na metade do programa foram apontados como únicos campeões justos da edição. São os mesmos que recebem elogios de ex-BBBs e famosos contratados da Mynd8.
Essa agenda, porém, encontrou um obstáculo inesperado na torcida de Amanda Meirelles e na aliança dos fãs do quarto Deserto. Formada por jovens com tempo livre para acompanhar o que realmente acontece no BBB, vendo tudo ao vivo no Globoplay e não pelo filtro das páginas de fofocas, a torcida desértica se rebelou contra a manipulação “do bem”.
Incapaz de aceitar a pluralidade de opiniões, as páginas de fofocas passaram então a atacar o próprio público, numa iniciativa que também contou com o engajamento de colunistas. Nos últimos dias, dispararam as denúncias contra a torcida de Amanda, a maior e mais organizada do programa. A campanha negativa extrapolou as opiniões e se transformou em ataque cibernético, que derrubou o perfil da sister nesta semana, após 32 mil denúncias falsas de spam no Twitter.
Faltando menos de duas semanas para o fim da competição, a situação acirra-se cada vez mais. Acusações de racismo entram num combo com queixas de injustiça se as integrantes do Deserto forem para a final. Textos opinativos tentam forçar no público a ideia de que o BBB terá a pior final de sua História se Amanda, Bruna Briphao, Larissa e Aline Wirley não forem logo eliminadas, o que demonstra o desespero do grupo. Em tom de vigilantismo, conclamam o público a fazer justiça com as próprias mãos, ao votar por suas eliminações.
A verdade, no entanto, é muito diferente da que se expressa via domínio do discurso midiático. O fato incontestável é que a vitória das desérticas pode se configurar na mais importante da História do “BBB”, por representar uma vitória real do público contra a sabotagem explícita e manipulação acintosa realizada pelo grupo de opinião única. Um grupo que se prestigia entre si, convidando-se a participar de esforços virtuais compartilhados com foco em destruir quem ainda pode impedir o desfecho traçado pelo grande acordo.