A plataforma de áudio Spotify virou tema de debate político nesta semana, após enfrentar um ultimato do roqueiro Neil Young para tirar do ar um podcast negacionista da pandemia de covid-19. O Spotify preferiu tirar as músicas de Neil Young do ar do que perder a audiência do “Joe Rogan Experience”, um dos podcasts mais perigosos e mais lucrativos da empresa nos EUA.
Ao responder a Neil Young, o Spotify disse ter uma “grande responsabilidade em balancear a segurança dos ouvintes com a liberdade dos criadores” e que tinha excluído 20 mil episódios de podcasts relacionados à covid-19 desde o início da pandemia.
Infelizmente, nenhum destes supostos 20 mil episódios excluídos parece ter sido produzido no Brasil, onde o Spotify virou o paraíso dos negacionistas mais delirantes.
Um levantamento do jornalista Edoardo Ghirotto para a Coluna de Guilherme Amado chamou atenção para a existência de vários podcasts que difundem fake news e desinformações que podem levar à morte de brasileiros, em plena atividade e sem o menor controle no Spotify Brasil.
Os podcasts de bolsonaristas radicais são disponibilizados sem que a plataforma forneça um alerta de fake news ou um botão para denunciar seu conteúdo.
Em 28 de outubro de 2020, o site bolsonarista Senso Incomum publicou um episódio no podcast “Guten Morgen” com o título “A vachina não é uma vacina”. No programa, Flavio Morgenstern chegou a dizer que a “vacina chinesa” da Sinovac é um “veneno”. “Eu sou contra a vacina chinesa, a vacina de Oxford, sobretudo porque elas não são vacinas”, disse o escritor, que em certo momento chamou as pessoas que aceitariam o imunizante de “cobaias”.
No dia 21 de abril de 2021, o apresentador Gilberto Barros, do podcast “Rugido do Leão”, fez uma defesa de tratamentos que são comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. No programa, ele ensinou falsamente que “inalação de bicarbonato [serve] para tornar a região do pulmão salinizada”. “Ela fica mais alcalina, insuportável para que sobreviva o Sars Cov 2, a praga da China, se é que ela existe”, declarou.
Na edição de 28 de outubro do podcast “4talkcast”, a deputada federal Bia Kicis mentiu descaradamente que imunizantes são responsáveis pelo surgimento de variantes da Covid-19. “[O vírus] vai para uma mutação porque está tendo muitas pessoas vacinadas”, disse a deputada, que admitiu não estar vacinada.
O campeão de divulgação de mentiras perigosas para a saúde dos brasileiros, segundo o levantamento publicado por Guilherme Amado, é “Fábio Sousa Com Você”, do pastor e ex-deputado Fábio Sousa. Em 7 de dezembro, ele trouxe a médica Raíssa Soares para horrorizar os ouvintes. Na ocasião, ela revelou que costuma dizer aos pais de crianças que vacinas podem causar efeitos colaterais, como miocardite. A médica também fez campanha contra o passaporte vacinal e a falta de necessidade das pessoas se vacinarem. “Por que eu vou obrigar as pessoas a tomarem uma vacina que não impede a doença?”, afirmou. “Quem não quer vacinar, não vacine. Não precisa se vacinar.”
Demitido da CNN por insistir na propagação de mentiras negacionistas, o jornalista Alexandre Garcia foi convidado do programa poucos dias depois, em 16 de dezembro, onde indicou que o cantor Maurílio havia sofrido um tromboembolismo pulmonar por ter se vacinado. O sertanejo morreu no dia 29 de dezembro. “Não estou atribuindo à vacina, mas estou falando que temos casos de meninos recebendo massagem cardíaca nas escolas. Nunca tantos jovens tiveram AVC e problemas de trombose pulmonar e ataque cardíaco. Tenho muito medo e acho que isso é uma responsabilidade gigantesca da Anvisa”, afirmou Garcia, sem apresentar provas sobre o que estava falando. Mais de 150 milhões de brasileiros já foram vacinados contra a covid sem registros de efeitos colaterais graves.
Garcia declarou que não se vacinará e criou teorias conspiratórias sobre a campanha de imunização infantil. “Mexeram na genética dessas crianças, já que essa vacina tem essa influência. Você não sabe o que vai acontecer quando chegar a idade de procriação”, ele mentiu.
O levantamento aponta ainda uma participação do infectologista Francisco Cardoso em 27 de dezembro, para dizer a maior barbaridade de todas: de que o governo de Israel vacinou sua população à força, fazendo uma comparação com o Holocausto e relativizando a barbárie praticado pelos nazistas. “Imagina que incoerência? Israel propondo isolar em guetos [os não vacinados], ou sei lá, eles vão trocar o nome para não ter lembranças históricas, mas na prática é isso”, declarou.
Cardoso também desinformou ao ser questionado por Fábio Sousa sobre a necessidade de vacinar pessoas que contraíram a covid-19. “Não precisa. Isso é mentira, é uma narrativa política que está sendo imposta para forçar todo mundo a tomar a vacina”, disse. Para completar, o médico mentiu que as vacinas para crianças estão “sob suspeita”. As vacinas infantis estão aprovadas pela Anvisa e por agências de saúde dos principais países do mundo.