Justiça nega tentativa de censura evangélica de Lindinhas no Brasil

O juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra rejeitou pedido feito pela organização evangélica Templo Planeta do Senhor para censurar o filme francês “Lindinhas” (Mignonnes), lançado na Netflix. Premiado no Festival de Sundance, “Lindinhas” […]

Divulgação/Bac Films

O juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra rejeitou pedido feito pela organização evangélica Templo Planeta do Senhor para censurar o filme francês “Lindinhas” (Mignonnes), lançado na Netflix.

Premiado no Festival de Sundance, “Lindinhas” ganhou repercussão entre os evangélicos brasileiros após deixar a ministra pastora Damares Alves “brava, Brasil”. Ela também tenta a censura do filme. “É interesse de todos nós botarmos freio” e “vamos tomar todas as medidas judiciais cabíveis”, chegou a afirmar sobre a produção. O motivo do protesto são “meninas em posições eróticas e com roupas de dançarinas adultas”, segundo a pastora que integra o governo Bolsonaro. “Quero deixar claro que não faremos concessões a nada que erotize ou normalize a pedofilia!”, ainda ameaçou.

Na ação em que pede censura ao filme da diretora Maïmouna Doucouré, a organização Templo Planeta do Senhor ecoa o ataque da ministra para dizer que as meninas do filme têm um comportamento inadequado para sua idade, com “vestimentas sensuais, blusas curtas e calças apertadas”, concluindo que a Netflix promove um “prato cheio para a pedofilia”.

Ao rejeitar o pedido de liminar, o juiz diz que a Netflix não violou a legislação e que o pedido de exclusão do filme é inconstitucional.

“É uma forma indefensável de censura, pois pretendia a supressão da liberdade de informação e, sobretudo, da liberdade de educação familiar”. De acordo com o magistrado, os pais e responsáveis têm o direito de decidir quais conteúdos seus filhos podem assistir, a despeito dos interesses religiosos da entidade.

A Templo Planeta do Senhor é a mesma organização evangélica que queria lucrar R$ 1 bilhão num processo contra a Netflix e o Porta dos Fundos, devido ao especial de Natal do grupo de humoristas, mas acabou punida com um prejuízo financeiro considerável.

A ação chegou ao fim sem que a Netflix e o Porta dos Fundos fossem sequer notificados oficialmente, porque a juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Patrícia Conceição, não deu o direito da Justiça gratuita ao caso – ou seja, como o Templo Planeta do Senhor pedia R$ 1 bilhão, os custos do processo chegaram a R$ 82 mil.

O templo tentou mudar o valor da indenização, mas foi impedido porque o caso já tinha avançado. Pensou em recorrer, mas aí o prejuízo seria em dobro, novamente em custos judiciais. Acabou desistindo do processo, mas ainda precisou pagar os custos.

Assim como fez com “Lindinhas”, o processo anterior também pedia a retirada do programa do ar e tinha pouca chance de prosperar, pois em janeiro o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado de forma favorável à liberdade de expressão dos humoristas e contra qualquer tentativa de censura.

Em contraste com a reação de Damares e outros evangélicos, o filme foi lançado sem provocar polêmicas na França em agosto. De fato, as autoridades de proteção infantil do governo francês acompanharam as filmagens durante a produção e aprovaram seu conteúdo integralmente.

A reação negativa contra o filme só começou após um pôster equivocado da própria Netflix, que apresentava as meninas em trajes colantes, tentando fazer poses sensuais. A imagem, por sinal, é exatamente o que o filme critica. No momento em que ela aparece no contexto do filme, as meninas são vaiadas por mães que se horrorizam com a performance sexualizada delas num concurso de danças. Isto serve de despertar para a protagonista, uma pré-adolescente que até então confundia sexualização com rebelião diante da cultura de submissão feminina de sua família religiosa.

O governo francês também defendeu o filme ao considerar que as críticas se baseiam numa série de imagens descontextualizadas e reducionistas. Afirma que as críticas imputam à diretora uma intenção que ela não teve e que vai “em total contradição com o que a obra propõe”.

A Netflix também se pronunciou sobre as críticas conservadoras ao longa.

“‘Lindinhas’ é uma crítica social à sexualização de crianças. É um filme premiado, com uma história poderosa sobre a pressão que jovens meninas sofrem das redes sociais e da sociedade em geral enquanto crescem — e encorajamos qualquer pessoa que se importa com este tema fundamental a assistir ao filme”, disse a plataforma.