Regina Duarte dá chilique em sua entrevista mais conturbada

A secretaria especial da Cultura, Regina Duarte, resolveu se alinhar totalmente com o governo Bolsonaro. Um dia após ter sido supostamente enquadrada pelo presidente, ela deu sua entrevista mais conturbada, com direito […]

Divulgação/CNN Brasil

A secretaria especial da Cultura, Regina Duarte, resolveu se alinhar totalmente com o governo Bolsonaro. Um dia após ter sido supostamente enquadrada pelo presidente, ela deu sua entrevista mais conturbada, com direito a imitar Bolsonaro até no modo de ficar indignada com a imprensa. A guinada (ainda mais) para a direita busca garantir sua permanência no cargo, apesar da campanha #ForaRegina, impulsionada por bolsonaristas mais radicais, permanecer firme nas redes sociais.

Na entrevista ao jornalista Daniel Adjuto, da CNN, em seu gabinete em Brasília, a ex-atriz demonstrou ter adentrado de vez o mundo paralelo que só existe entre os bolsonaristas. O desempenho surreal pode até ter revertido a rejeição da minoria fanática, mas às custas de um provável aumento na rejeição entre profissionais da classe artística e principalmente dos brasileiros preocupados com a realidade, que ainda são maioria no país.

“Demissão? Que demissão?”, chegou a dizer, teatralmente. “Lá fora, pelo menos, as pessoas parecem ter uma ansiedade em me verem fora. Falam ‘agora ela cai, agora ela cai’. Está um clima super bom, ele estava leve”, disse Regina, tratando como “ele” o peso-pesado do Planalto.

Assim como fez o agora ex-Ministro da Saúde, ela descartou se demitir do governo de Jair Bolsonaro e anunciou que continua no cargo.

Depois de 60 dias à frente da secretaria de Cultura, onde não fez nada, nem sequer emitiu notas sobre talentos brasileiros perdidos nos últimos dias, Regina Duarte finalmente disse o “sim” que Jair Bolsonaro queria ouvir.

Como prova do alinhamento, a ex-atriz de 73 anos minimizou até as mortes causadas pela ditadura militar (1964-1985).

“A humanidade não para de morrer. Se você fala em vida, tem morte. Stalin, quantas mortes? Hitler, quantas mortes? Não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas. Não desejo isso para ninguém. Sou leve, viva, estamos vivos, vamos ficar vivos”, afirmou.

Regina repercutia uma crítica do ator Paulo Betti, que classificou como uma “perda muito grande” para a carreira profissional dela ter entrado no governo – que a revista científica britânica The Lancet acaba de definir como “maior ameaça” para a saúde do Brasil.

“Acho essa coisa de esquerda e direita tão abaixo do patamar da Cultura. Apoio o governo porque acho que ele era e continua sendo o melhor. Se olhar pro retrovisor, vou dar trombada, olhar pra frente, ser construtivo e amar o país. Ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80? Vamos embora pra frente? Pra frente Brasil… salve a seleção”. E começou a cantar a música que embalou a campanha da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970, contradizendo justamente o que acabara de dizer. Uma volta pra trás. Uma música da ditadura.

O comentário superficial, que a trilha improvisada pendeu para esquizofrenia, ainda foi completado por uma analogia de aprovação da ditadura. “Não era gostoso cantar isso?”

Constrangido, o entrevistador tentou argumentar que, no período da ditadura, muitas pessoas foram torturadas, censuradas e até mortas. “Se você falar vida, do lado tem a morte. Sempre houve tortura, censura. Sou leve, estou viva. Estamos vivo, vamos ficar vivos? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”, ela retrucou.

Até o âncora Reinaldo Gottino se manifestou diante da relativização das torturas. “Acho que a gente não pode minimizar a questão da ditadura, isso tem que ficar claro”, interferiu ele.

Recusando-se a “carregar um cemitério”, ela também disse que a covid-19, que já matou mais de 8 mil pessoas no país, tem trazido “morbidez” aos brasileiros, que só falam sobre isso.

Assim como Bolsonaro já tinha dito que não era coveiro, Regina afirmou que não era “obituário”, ao ser cobrada pela falta de pronunciamentos sobre os falecimentos de artistas ilustres. “Será que eu vou ter que virar obituário? Quantas pessoas a gente está perdendo? Teve uma semana que foram três. Tem pessoas que eu não conheço. Aldir Blanc eu admiro, mas não conheci.”

“O país está cultuando a memória deles, não precisa da Secretaria de Cultura. Pode ser que eu esteja errando, vou me corrigir. Não fiz por mal, peço desculpas, falei com as famílias, lamentei a perda… Nessa hora a pessoa que está mais constrangida pela perda é a família, e eu queria falar com elas diretamente, não por um papel timbrado da Secretaria”, justificou a ex-atriz.

Cobrada pela âncora Daniela Lima, ela afirmou: “Se eu estiver sendo cobrada significativamente por uma população que quer ser informada por cada óbito, eu abro um obituário. Não tem nenhum problema”.

Em vários países, não só secretários de Cultura, mas presidentes e primeiros-ministros se manifestam publicamente diante de perdas importantes. O registro público também é uma satisfação para as famílias, além de deixar claro o reconhecimento aos grandes artistas. A opção de fazer isso de forma privada sugere o contrário, que se trata de um reconhecimento envergonhado, escondido, nunca às claras, como se houvesse perseguição do governo até na morte a certas personalidades da arte.

Minimizando os problemas que enfrenta para nomear quem quer que seja para qualquer função, Regina disse que não sente “resistência do governo”. “Sinto resistência da burocracia, a dificuldade das coisas andarem. Uma nomeação leva quatro semanas, tem que passar por filtros, e filtros burocráticos, não é o que estão pensando”, ressaltou ela.

Ao contrário da afirmação, há duas semanas Bolsonaro mandou demitir o pesquisador Aquiles Brayner, indicado por Regina para a diretoria do Departamento de Livro, Literatura e Bibliotecas. Ele caiu apenas três dias após sua nomeação, por não ter passado pelo filtro dos perfis radicais das redes sociais.

Regina Duarte tampouco conseguiu nomear seu favorito ao posto de número dois da secretaria, o gestor público e produtor Humberto Braga, que igualmente foi alvo de uma campanha nas redes sociais com acusações de ser um “esquerdista” tentando se infiltrar no governo.

Ela enfrenta resistência até às suas demissões. Afastado no dia da posse de Regina, o olavista Dante Mantovani, que acredita que rock é coisa do diabo, foi readmitido como presidente da Funarte por algumas horas na terça-feira (5/5). De manhã, virou novamente chefe da fundação, mas no fim do dia voltou a ser exonerado. Nenhum dos dois atos teve maiores explicações. Entre um e outro, um ex-assessor de Carlos Bolsonaro virou vice-presidente da Funarte sem que Regina soubesse. Na prática, Luciano da Silva Barbosa Querido agora é o presidente interino do órgão.

A ex-atriz relativizou até seus problemas com olavistas, que diariamente pedem sua cabeça nas redes. “Eu evito me contaminar com as redes sociais. O presidente me avisou. Ele disse: ‘Tem certeza que você quer aceitar isso que eu estou te propondo? O jogo é muito pesado, você vai virar vidraça, vai levar muita pedrada’. Mas eu tenho minha consciência limpa. Se eu ficar longe, essas pedradas não vão me atingir. Eu tenho uma história, estou tranquila”, minimizou.

Poliana, ela chega a ignorar até as críticas diretas do filósofo Olavo de Carvalho, consigliere de Bolsonaro, que já a atacou diversas vezes em seu Facebook. “Se existe, não chega até mim. Li dois livros [dele], no terceiro achei que tinha muito palavrão e parei de ler, não li mais. Não perdi o respeito. Mas não me interessei pelas coisas dele, fala muito palavrão, nomes feios”, rebateu, mostrando-se mais conservadora que o guru dos conservadores tupiniquins.

Este método de fingir que não vê, não lê, não ouve e não quer saber foi colocado à prova durante a entrevista, com uma participação por vídeo de uma colega de Regina, a atriz Maitê Proença, que lhe dirigiu críticas à forma como estava conduzindo a pasta da Cultura.

“Ai, eu não quero ouvir isso. Acho isso baixo nível. Vai botar uma fala dela?”, reclamou a secretária, que continuou falando durante toda a mensagem e teve o seu áudio cortado. Ela tirou o fone de ouvido com seu retorno e começou a sacudi-lo no ar, em protesto.

“Eu não queria ouvir. Vocês estão me obrigando?”, brigou ela assim que seu áudio voltou. “Agora nós estamos ouvindo a senhora”, informou Daniela. “Obrigada! Precisei dar um chilique aqui”, ironizou Regina.

“Pra quê [ver o vídeo]? Vai ficar desenterrando mensagem da Maitê Proença de dois meses atrás? Pra que isso? Quem é você? Desculpe, eu não quero ouvir! Ela tem meu telefone, ela fala comigo!”, protestou a secretária. “A Maitê enviou a mensagem pra gente hoje”, rebateu a apresentadora Daniela Lima.

“Eu tinha tanta coisa bacana pra falar. Vocês estão desenterrando mortos, vocês estão carregando um cemitério nas costas. Vocês devem estar cansados. Pensei que a entrevista seria com você [Adjuto], mas aí começo a ouvir vozes no meu ouvido. Não foi combinado nada disso”, reclamou.

Informado que Regina não falaria mais, Adjuto anunciou que estava encerrando a entrevista, e a mão de um auxiliar da secretária tentou tapar a câmera enquanto ela persistia em falar, reclamando de tudo. Ao retomarem a programação, os âncoras ainda comentaram o fato surreal que se desenrolou ao vivo para todo o Brasil.

Veja abaixo o vídeo completo da entrevista bizarra.