O dilema entre o real mercado financeiro e a forma como ele é retratado na indústria cinematográfica

É interessante pensar na relação do grande público com o mercado financeiro em tempos em que ele está em grande destaque devido à volatilidade das bolsas de valores e das taxas de […]

Divulgação/Paramount

É interessante pensar na relação do grande público com o mercado financeiro em tempos em que ele está em grande destaque devido à volatilidade das bolsas de valores e das taxas de câmbio mundo afora. Muitas vezes, essa esfera do mundo econômico – que se mostra altamente influente no rumo da sociedade – se apresenta como algo “místico” para aqueles que não estão familiarizados com o meio.

Claramente, a indústria do cinema não ajuda muito nessa desmistificação. Em seus retratos do mundo financeiro, as produções não costumam mostrar com a devida frequência investidores prudentes ou situações que denotem investimentos cautelosos, como a possibilidade de investir em ouro, considerado um dos investimentos mais seguros do mundo, ou a compra de títulos de dívida pública nacional, que dão segurança a milhões de investidores no Brasil e no resto do mundo. Em vez disso, dá-se espaço muitas vezes às atitudes insensatas realizadas pelos especuladores de Wall Street em tempos de bonança, cuja contraparte são as crises quase cíclicas do sistema econômico-financeiro.

As representações menos positivas, por assim dizer, do mercado financeiro tiveram início nos cinemas com o filme “Wall Street”, dirigido por Oliver Stone e lançado em 1987. O vilão da história, Gordon Gekko, retratado brilhantemente pelo ator Michael Douglas, é uma amálgama de várias personalidades da época que criaram fama e fortuna por meio das trocas de ativos nos mercados de ação.

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Happy 75th birthday to Michael Douglas, pictured here in Wall Street (1987) as ruthless businessman Gordon Gekko, a role that won Douglas @theAcademy Award for Best Actor. Costume designer Ellen Mirojnick worked with @AlanFlusser to dress Gekko, establishing an iconic ‘80s look of power suits with dramatic pleated trousers, bold suspenders, and contrast-collar shirts. On Gekko’s left wrist, Douglas wears a gold @Cartier Santos watch, epitomizing a decade where luxury timepieces boomed as status symbols as Gekko himself declared that “greed…is good.” #hbd, @michaelkirkdouglas! . . #michaeldouglas #gordongekko #wallstreet #classicmovies #1980s #1980sfashion #mensfashion #mensstyle #menswear #suit #suits #suitandtie #suspenders #cartier #cartiersantos #watch #greedisgood #badass #bamf #bamfstyle

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Gekko é retratado como uma pessoa sem escrúpulos, que fará de tudo para alcançar seu objetivo último de juntar cada vez mais dinheiro em seus bolsos e poder em suas mãos. Sua frase mais célebre, “a ganância é boa”, é repetida como alerta (ou como conselho, dependendo do caráter do interlocutor) mundo afora desde que o filme foi lançado.

A tendência de “pintar” o mercado financeiro como um mundo além da nossa imaginação continua com filmes posteriores, principalmente os lançados após a crise de 2008. “O Lobo de Wall Street”, dirigido por Martin Scorcese, é a biografia de Jordan Belfort, que lançou mão de táticas escusas para crescer no mundo de especulações. Ironicamente, uma das empresas que financiaram o filme se envolveu em imbróglio semelhante em 2016. Outro retrato desse mundo é feito em “A Grande Aposta”, filme inspirado no livro homônimo de Michael Lewis, que conta a história de um grupo de investidores que ganhou bilhões de dólares ao apostar contra os grandes bancos americanos em meio à crise das hipotecas que atingiu o mundo na década passada.

Não há de se reclamar de representações fidedignas de Wall Street em si e dos exageros deste mundo em específico. Entretanto, o mercado financeiro não é apenas um mundo de especulações e esquemas insanos gerados para se ganhar dinheiro em pouco tempo. Na verdade, um mercado financeiro bem utilizado e bem regulado executa a função oposta e ainda gera benefícios para a sociedade como um todo, em vez de premiar apenas alguns poucos indivíduos com intenções escusas.

O ponto central da questão é que talvez representações do funcionamento de uma agência de microcrédito numa comunidade carente do Rio de Janeiro financiando microempresários ou do que foi feito ao longo da história do Brasil graças aos financiamentos de bancos públicos como o BNDES na nossa infraestrutura não geram um roteiro tão “rentável” quanto as loucuras de Belfort reproduzidas na grande tela por Leonardo Di Caprio. Ainda assim, seria de muito bom grado ver os especialistas da arte mostrarem o lado mais positivo do mercado financeiro para o grande público.

Tal iniciativa ajudaria no processo de acabar com o mito de que as complicações inerentes ao mercado financeiro, que raramente envolvem pessoas que não estão totalmente imersas no meio, trazem à superfície. Além disso, faria com que a população em geral tivesse mais consciência da verdadeira importância do “sobe e desce” das bolsas de valores e das taxas de câmbio, o que daria às pessoas mais clareza em relação a como isso realmente afeta suas vidas.

Se bem utilizado, o mercado financeiro pode trazer benefícios para todos. Isso depende não só da boa regulação por parte de agências governamentais, mas também do envolvimento maior da população nesse meio. Não basta ter olhos para o mercado, é preciso também treiná-los para saber para onde eles devem olhar.