Guerra Cultural: Servidores da Cultura divulgam carta aberta contra política de Bolsonaro para o setor

A Associação dos Servidores do Ministério da Cultura, que mantém o nome original apesar do Ministério ter virado Secretaria da Cultura, divulgou uma carta aberta em protesto contra a “política cultural” do […]

A Associação dos Servidores do Ministério da Cultura, que mantém o nome original apesar do Ministério ter virado Secretaria da Cultura, divulgou uma carta aberta em protesto contra a “política cultural” do governo Bolsonaro após uma assembleia de seus integrantes realizada nesta semana, que também contou com funcionários do Iphan e da Fundação Palmares.

O documento, endereçado à sociedade, critica o “esvaziamento e o desmonte do setor” que vem ocorrendo “desde o início de 2019”, e também o “comprometimento ideológico autoritário e fascista” de dirigentes da área, que ameaçam as políticas públicas de Cultura.

“A área da Cultura do Governo Federal (…) tem vivido um momento de turbulência política e administrativa. O reflexo pode ser visto na extinção do Ministério da Cultura, na diminuição do orçamento e consequente estagnação na execução de ações; na falta de diretrizes para o setor; na descontinuidade de políticas de estado como o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura, entre outros”, diz o documento, que segue.

“Como se não bastasse, o envolvimento dos dirigentes das instituições de cultura com atos de censura, perseguição, comprometimento ideológico autoritário e fascista vem ameaçando o propósito de uma política pública em consonância com o disposto na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216”.

O desmonte do setor, que vem ocorrendo desde o início de 2019, teria começado com a transformação “desastrosa” do antigo Ministério da Cultura em pasta do Ministério da Cidadania, alegando que, desde então, “os recursos são priorizados para projetos de assistência social, e as políticas de Cultura acabam ficando em segundo plano”.

Segundo o documento, nos mais de 30 anos de existência do Ministério da Cultura, as políticas culturais fomentaram a valorização da identidade nacional por meio do apoio de diversas áreas, como o cinema e às artes, por exemplo. Entretanto, atualmente há uma “tentativa de transformar a área da Cultura em um espaço de doutrinação e censura pelos recentes gestores nos últimos meses” e que isso deve ser combatido, afirmando que os funcionários da área da Cultura não admitirão esse tipo de atuação.

Leia a carta na íntegra:

Prezado Cidadão,

A área da Cultura do Governo Federal, a qual inclui as políticas públicas para os museus, o patrimônio cultural, as manifestações artísticas, cênicas, literárias, audiovisuais, além de acervos bibliográficos de extrema importância para a história e a memória do Brasil, tem vivido um momento de turbulência política e administrativa. O reflexo pode ser visto na extinção do Ministério da Cultura, na diminuição do orçamento e consequente estagnação na execução de ações; na falta de diretrizes para o setor; na descontinuidade de políticas de estado como o Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura, entre outros. Como se não bastasse, o envolvimento dos dirigentes das instituições de cultura com atos de censura, perseguição, comprometimento ideológico autoritário e fascista vem ameaçando o propósito de uma política pública em consonância com o disposto na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216.

No mundo contemporâneo, a área da Cultura é responsável por metas do desenvolvimento socioeconômico dos países, tendo um papel significativo em setores como o turismo e a educação. No Brasil, nos mais de 30 anos de existência do Ministério da Cultura, as políticas culturais fomentaram a valorização da identidade nacional por meio do apoio às expressões da cultura popular, ao cinema, às artes, à formação de público, à ampliação de equipamentos culturais, à apropriação social do patrimônio cultural, ao incentivo da iniciativa privada às produções artísticas – são estes alguns exemplos.

O Ministério da Cultura, desde sua criação em 1985, primou pela liberdade de expressão e criação fora e dentro da instituição. Aqui é importante destacar que, ao longo das décadas, o estabelecimento de quadro de servidores qualificados tecnicamente, que ingressaram por meio de concurso público, possibilitou a defesa e a execução de projetos e ações voltados a todos os públicos, sendo movidos pela riqueza dos saberes e práticas culturais que conectam os diversos grupos e comunidades que configuram a sociedade brasileira.

Ressaltamos que a área da Cultura, em todas as suas dimensões, tem por obrigação o desenvolvimento de políticas que se destinem a toda a população, e que não estejam contaminadas por interesses particulares, credos específicos ou ideologia que suprima as liberdades e os direitos culturais. E nós, como prestadores do serviço público nesta área, devemos cumprir com as atribuições do estado democrático de direito e assegurar à sociedade uma oferta de projetos e programas que seja ampla e diversa como é o Brasil, sem filtros religiosos, filosóficos ou políticos.

A desastrosa alocação do setor no Ministério da Cidadania demonstrou que políticas culturais não cabem no arcabouço assistencialista daquela pasta. A forma de organização e implementação das políticas diferem de tal maneira que inviabilizam qualquer tipo de atuação conjunta. Os recursos são priorizados para projetos de assistência social, e as políticas de cultura acabam ficando em segundo plano. Os servidores já haviam se posicionado da seguinte forma:

“A junção da pasta da Cultura com outras políticas que diferem essencialmente na forma de implantação, princípios, modelos e atuação tem impedido a continuidade /de uma proposta efetivamente cidadã, voltada para processos mais humanos nas suas relações políticas e sociais.” Fonte: AsMinC: Os Servidores da Cultura e o Papel na Construção de Uma Dimensão Ampla para o Setor Cultura, Desmonte do Estado e Desenvolvimento: AFIPEA-2019.

Não devemos retroceder! A pouco expressiva economia em despesas administrativas e de custeio, ou na insignificante redução de cargos, não é argumento suficiente para a extinção do Ministério da Cultura sob a forma da Secretaria Especial da Cultura: são perdas irreparáveis o esvaziamento e o desmonte do setor, que vêm ocorrendo paulatinamente desde o início de 2019. Além disso, a tentativa de transformar a área da Cultura em um espaço de doutrinação e censura pelos recentes gestores nos últimos meses deve ser combatida. Os servidores da Cultura não admitem esse tipo de atuação, conclamando a sociedade a se juntar na defesa das instituições públicas e na formação de um quadro de gestores que estejam preparados técnica e eticamente para os cargos.

Acreditamos que é possível retomar a construção de uma política de estado no setor e nos colocamos à disposição para apoiar o trabalho, utilizando os critérios técnicos e administrativos que fazem parte da prática do quadro de servidores da Cultura.

Assembléia da Associação dos Servidores do Ministério da Cultura de 19/2/2020