O presidente Jair Bolsonaro vetou, na sexta-feira (27/12), o projeto de lei que prorrogaria até 2024 benefícios fiscais voltados ao audiovisual por meio do Recine (Regime Especial de Tributação para Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica) e a renovação da Lei do Audiovisual.
A lei destinava incentivos fiscais à modernização e expansão de salas de cinema pelo país e também à produção cinematográfica e televisiva brasileira.
De acordo com a Presidência, o veto ocorreu por uma questão técnica: faltou ao projeto esclarecer a fonte de custeio e os impactos orçamentários dos incentivos.
O secretário do Audiovisual André Sturm afirma que o veto não tem relação com a guerra cultural levada adiante por Bolsonaro contra o audiovisual visual brasileiro, que se reflete em vários outros bloqueios que ele já realizou no setor, como a proibição de apoios estatais a festivais de cinema, suspensão de edital de produção de séries, eliminação de programas voltados à exportação de filmes e o congelamento total das verbas do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), que não foram liberadas durante todo o ano de 2019. Para ele, o veto foi “técnico”.
“Garanto que não tem nada nisso”, disse Sturm para a imprensa. “Quando o Congresso aprova um benefício fiscal, ele tem que apontar de onde vem o dinheiro para custeá-lo, porque é uma receita a menos. Infelizmente, isso não foi feito, então o que acontece agora é que o projeto tem que voltar para o Congresso”, explicou.
O projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados no começo de dezembro e votado no último dia 12 pelo Senado, que também deu sinal verde para a prorrogação dos benefícios. O veto de Bolsonaro será agora analisado pelo Congresso, que pode derrubá-lo.
Curiosamente, o veto acontece dois dias após Bolsonaro declarar que não poderia ficar vetando tudo que vem do Congresso. “Na elaboração de leis quem dá a última palavra sempre é o Congresso, ‘derrubando’ possíveis vetos. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimento”, falou o presidente na quarta-feira (25/12), como justificativa para aprovar vários pontos polêmicos do pacote anticrime, contrariando o ministro da Justiça Sergio Moro e, inclusive, criando despesa obrigatória (não discricionária) com a invenção do “juiz de garantias”.
Na quinta (26/12), Bolsonaro também adiantou que pretende acabar com a Lei de Cota, que protege o cinema nacional da distribuição predadora dos blockbusters americanos, e que vai proibir que determinados filmes recebam verba do FSA, dinheiro que vem do próprio mercado audiovisual.
Entre os alvos citados estariam filmes que contem “mentiras” sobre a ditadura. Mas também devem entrar na lista de censura federal as produções com temática LGBTQ+, que foram atacadas em oportunidades anteriores por Bolsonaro, e as produções da Globo, que o presidente considera sua inimiga pessoal.
Para realizar esse controle, que ele já chamou de “filtros”, Bolsonaro colocou algumas peças importantes em lugares estratégicos, contando com a participação de um diretor da rede Record, braço televisivo da Igreja Universal, no comitê que administra o caixa do FSA, e de um pastor nomeado como diretor da Ancine, justamente na outra ponta da liberação da verba.
Vale lembrar que, ao tomar conhecimento desse projeto em agosto passado, o então secretário da Cultura, Henrique Pires, demitiu-se e acusou o governo de planejar impor censura à expressão artística no Brasil por meio da implantação de “filtros” para a liberação de verbas e incentivos fiscais.
Caso o Congresso derrube o novo veto, tornará mais difícil para Bolsonaro exercer seu desejo imperial de censurar veladamente o audiovisual do país, prejudicar a Globo e trocar a atual produção premiada brasileira por filmes evangélicos e de “educação moral e cívica”.