No belíssimo plano final de “Os Últimos Jedi”, o diretor Rian Johnson estabelecia três pontos muito claros: a Força não era mais apenas exclusiva de uma família, mas sim estava em toda a galáxia, em todas as pessoas – isso, por si só, definia que qualquer pessoa poderia almejar se tornar um herói. O segundo ponto era de que a esperança havia retornado à galáxia, visto que o sacrifício de Luke Skywalker o transformara em uma lenda ainda maior, o homem capaz de reconhecer seus erros e usá-los a seu favor. O terceiro, e talvez principal ponto, era o de que a saga apontava finalmente para o futuro: o olhar do garoto para um espaço infinito abria também infinitas possibilidades de avanço. O recado era claro: vamos deixar o passado para trás. Deixar de viver eternamente presos a um nome, mas acreditar em uma ideia, em um ideal, em um futuro brilhante no qual todos podemos fazer a nossa parte.
Pois é.
Pena que nem tudo é perfeito. A ousadia e a coragem de Rian Johson foram vistas por uma pequena – mas barulhenta – parte dos fãs de “Star Wars” como uma heresia. Muitos foram – e ainda são – incapazes de aceitar que Luke Skywalker talvez não fosse o mesmo personagem de 35 anos atrás. Afinal, quem muda em 35 anos?? Como era possível que o herói idealizado por décadas de repente se tornasse um velho ermitão ranzinza que em determinado momento da vida cometeu uma falha que o maculou para sempre (vale aqui lembrar que a ideia de que Luke fosse um sujeito isolado a la Coronel Kurtz veio de ninguém menos que George Lucas)? Como era possível que uma garota qualquer tivesse familiaridade com a Força? Como era possível que o Snoke morresse daquela forma sem sabermos mais sobre ele (um personagem cujo hype foi criado única e exclusivamente pelos fãs)?
Tudo isso, alinhado a uma necessidade quase infantil de atender expectativas fez com que J.J Abrams – que havia feito um trabalho dos mais consistentes em “O Despertar da Força”, mesmo remakeando sem firulas o “Episódio IV” – transformasse este “A Ascensão Skywalker” em uma salada indigesta de fan service mesclada com uma trama digna de fanfic com a pior inspiração possível.
Desta vez, a história começa com o retorno[!] do Imperador Palpatine, que aparentemente está fazendo um podcast em algum lugar da galáxia e avisando que construiu em segredo ao longo dos últimos 35 anos uma esquadra maligna com centenas de naves para dominar a galáxia. Sim, é isso mesmo. Os rebeldes, cientes dessa ameaça, precisam ir para um lugar achar uma adaga que precisa ser traduzida em outro lugar para que esta indique outro lugar onde estará o sinalizador que indicará o lugar onde está Palpatine. Ou algo assim. Nesse meio tempo, Kylo Ren é orientado por Palpatine a destruir Rey por motivos de ‘porque sim’ mas que no fundo não é bem isso porque ele tem outros planos para a garota. Este roteiro é de J.J escrito em parceria com Chris Terrio, o cara por trás de “Batman v Superman”. O que diz muita coisa.
Nitidamente com o objetivo de disfarçar a fragilidade dessa história, J.J. faz uma escolha criativa que se mostra fatal para a trama, criando um filme acelerado, com uma montagem que parece saída de alguma obra de Michael Bay. Não há tempo para que o espectador possa apreciar ou mesmo ser tocado por certas passagens. Nem mesmo os money shots são aproveitados. Pra piorar, o filme usa um recurso vagabundo de morre/não morre várias vezes, o que enfraquece completamente o envolvimento do espectador, tanto que na hora da morte real de uma personagem realmente importante, esta acaba não tendo o menor impacto. As sequências de ação são eficientes, como sempre, mas não há sequer UM momento capaz de maravilhar o público, seja por conta de obviedade de suas escolhas (há um momento em que só faltou Lando Calrissian dizer “on your left” para Poe Dameron) como por uma mis en scène trôpega (como na sequência do sequestro de Chewbacca, em que todo mundo parece perder a visão periférica) e a completa falta de criatividade na criação de novos mundo (sim, temos novamente uma floresta, um deserto e um oceano). Nem mesmo o humor funcional de J.J. dá certo aqui, com C3-PO fazendo o possível para dar um mínimo de alma a essa obra planejada por comitê.
A decisão de “esquecer” o que havia sido estabelecido em “Os Últimos Jedi” afeta o próprio desenvolvimento do trio principal de heróis [aqui vamos entrar na área de SPOILERS]. Se no último filme Rey havia finalmente se livrado do peso do passado ao descobrir que seus pais não eram ninguém e estava finalmente pronta para desenvolver seus dons naturais da Força, aqui J.J. dá uma marcha a ré indigna e a coloca como NETA de Palpatine – deixando pelo menos felizes todos os que a acusavam de ser uma Mary Sue, algo que nunca ninguém questionou em Anakin ou Luke.
Na visão de Rian Johnson, qualquer pessoa pode ser um herói. Na de J.J. não, apenas quem for descendente de UMA única família. Finn, do mesmo modo, retorna ao seu personagem em busca de um caminho do primeiro filme. Se em “Os Últimos Jedi” ele havia finalmente compreendido – sim, lá em Canto Bight – que sua luta deveria ser em prol de um bem maior e não apenas “cadê a Rey”, aqui ele volta a ser o cara que passa o filme inteiro atrás da Rey. Já Poe Dameron, que, pelo sacrifício da General Holdo, finalmente compreendera a força e a necessidade de uma liderança carismática, aqui volta a ser o aventureiro engraçadão – e o filme ainda inventa um link com Han Solo ao informar aleatoriamente que ele havia sido um contrabandista no passado. Pelo menos, mas pelo menos, Kylo Ren consegue finalizar seu arco de forma digna, ainda que obviamente dentro das expectativas.
Nada porém bate a covardia feita com a atriz Kelly Marie Tran e sua personagem Rose Tico, que aqui vira uma coadjuvante irrelevante com menos falas do que Greg Gunberg, amigão de J.J. O mesmo pode ser dito do General Hux, presenteado com um plot twist (mais um) vergonhoso. Maz Kanata (o dinheiro mais fácil ganho por Lupita N´yongo esse ano) entra apenas para explicar ao público o que está acontecendo – “Veja, Leia vai se conectar com seu filho, isso vai sugar toda sua energia vital”… Carrie Fischer, por sua vez, é inserida no filme com sobras de sua participação nos dois filmes anteriores, o que soa tristemente artificial, pois é nítido que os diálogos são adaptados para suas respostas – que na maioria das vezes, porém, não correspondem ao que está sendo conversado.
Com truques baratos e soluções facilitadas para os protagonistas (como o fato deles caírem numa areia movediça que – nossa, olha só – leva eles diretamente para o objeto que estão procurando), “A Ascensão Skywalker” poderia se redimir por conta de uma conclusão poderosa – caso de “Retorno de Jedi”, um filme medíocre em seus dois terços iniciais mas com uma conclusão antológica. Nem isso. J.J. cria um clímax que parece saído de alguma produção genérica, que chupa – conscientemente ou não – momentos recentes de “Vingadores: Ultimato” (não falta nem um “Eu sou …. todos os Jedi”), o famigerado raio azul da morte de 90% dos filmes de ação desta década e uma conclusão basicamente igual a de “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II”. E nem vamos citar aqui a claque de personagens obscuros que fica observando tudo isso em uma arena sem iluminação e sem noção de espaço, dando a impressão de que Palpatine passou os últimos 30 anos criando uma armada invencível e clones para ficarem aplaudindo seus gritos de vilão de terceira.
Há momentos emocionantes? Sim, há. Confesso que chorei duas ou três vezes ao longo do filme – ver Chewbacca finalmente ganhar a sua medalha é um fan service muito bacana. A conclusão, em que heróis confraternizam por sua vitória emociona, mas fica claro que essa emoção não vem por causa deste filme em especial, mas por toda a conexão estabelecida há anos pelo público com a saga. O plano final, ainda que lindo, é tão evidente que qualquer pessoa poderia imaginá-lo assim que o filme começa. Talvez seja este o grande problema de “Ascensão Skywalker”: com medo de desagradar o público, J.J. entrega um filme sem surpresas, sem imaginação, com plot twists que variam entre vergonhosos e inconsequentes e com um triste retrocesso nas possibilidades estabelecidas por Rian Johnson no filme anterior.
Não é o pior filme de “Star Wars”. “Ataque dos Clones”, “Ameaça Fantasma” e “Han Solo” ainda tem seu lugar cativo. Não é um filme chato ou entediante. Há aqui e ali muito da magia que fez e faz “Star Wars” ser uma das sagas mais amadas de todos os tempos. Mas é triste perceber que a equipe criativa por trás deste novo filme pareceu muito mais preocupada em não ofender um público sensível do que em avançar a história, olhar para a frente. “Star Wars” – ou pelo menos esta saga – termina com um gosto amargo, em um filme que no afã de agradar todo mundo, acabou virando uma obra sem um pingo de personalidade, incapaz de reconhecer seus próprios erros e aprender com eles. Algo que até um personagem fictício como Luke Skywalker aprendeu.