E segue firme o projeto de destruição da indústria cinematográfica e da volta escamoteada da censura no Brasil. Entre as vítimas da vez encontra-se “Pacarrete”, filme vencedor do Festival de Gramado deste ano. Dirigido por Allan Deberton, produtor de uma das séries LGBTQ+ de um edital de TVs públicas polemicamente cancelado pelo governo Bolsonaro no final de agosto, o filme teve o pedido de apoio para ser exibido no Festival de Bogotá, na Colômbia, negado.
A decisão é parte de uma deliberação da diretoria da Ancine, que atualmente está reduzida a duas pessoas após afastamentos e pela imobilidade transformada em método de governo. A dupla precisou suspender todos os programas de apoio por falta de verba.
Além de Deberton, cineastas de outras cinco produções, entre curtas e longas-metragens, dizem ter sido lesados pela decisão, porque tiveram seus pedidos de apoio aprovados pela Ancine, compraram passagens aéreas para os respectivos festivais de que participariam, e só depois receberam o aviso de suspensão do programa.
A mineira Juliana Antunes contava com o apoio da agência para levar seu curta “Plano Controle” ao Festival de Nova York, com início em 27 de setembro, daqui a duas semanas. Ela também negociava participar da Viennale, que acontece no final de outubro em Viena, e para o Festival de Mar del Plata, na Argentina, em novembro. “Como virar dinheiro da noite pro dia e arcar com uma viagem para a qual não tenho a menor condição financeira?”, questionou a diretora em entrevista à Folha de S. Paulo.
Já Ana Carolina Marinho Dantas apelou para uma vaquinha virtual para conseguir apresentar o curta “Entre” no Festival de Londres, e articula uma ação jurídica contra o órgão junto com outros cineastas prejudicados.
A verdade, porém, é que o problema é maior que o vislumbrado pelas reportagens da grande imprensa e manifestações de cineastas pontualmente prejudicados.
Não falta dinheiro apenas para o programa de apoio à participação em festivais internacionais. O governo de Jair Bolsonaro congelou todo o investimento federal na indústria audiovisual brasileira.
É importante lembrar, de novo, que a mesma portaria que derrubou o edital das séries LGBTQ+ decretou a paralisia completa do investimento no setor ao congelar o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual).
Para não fazer as séries que Bolsonaro atacou numa live por considerar “impróprias”, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, encontrou uma brecha. Ele mandou suspender tudo alegando falta de nomeação dos membros do Comitê Gestor do FSA, responsável por direcionar as verbas arrecadadas com o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, taxa cobrada da indústria de cinema, TV e telefonia) para seus respectivos programas de fomento. O detalhe é que a formação do comitê depende das indicações do governo. E, passados nove meses de sua posse, Bolsonaro ainda não indicou nenhum representante.
O decreto apocalíptico prevê a suspensão do edital por 180 dias, podendo prorrogar o prazo caso o comitê gestor continue sem as indicações dos membros do governo. Trata-se, portanto, de uma inação intencional, como estratégia para censurar obras, cujo efeito colateral, pela justificativa apresentada, travou o financiamento de todo o setor.
Como (apenas) a Pipoca Moderna vem alertando, isto não afeta apenas as séries que tiveram seu edital suspenso. Todos os projetos audiovisuais estão impedidos de receber financiamento, com base na justificativa apresentada.
Apesar do impacto desse congelamento, a “grande imprensa” segue perceber a abrangência nem dar a devida importância para o assunto, assim como deixou de repercutir o anúncio do ministro Osmar Terra sobre seus planos para acabar com as cotas do cinema nacional e a produção de filmes de arte – os que vencem festivais – , no Brasil.