Confirmando os temores sobre o “projeto cultural” do governo Bolsonaro, a Petrobras revelou que não renovará o patrocínio de 13 eventos neste ano, o que inclui a Mostra de Cinema de São Paulo, o Festival do Rio, o Festival de Brasília e o Anima Mundi, entre outros projetos.
A estatal divulgou a lista dos projetos cortados após receber um requerimento de informação feito pelos deputados federais Áurea Carolina (PSOL-PA) e Ivan Valente (PSOL-SP). No mesmo documento, a petroleira informa que seus programas de patrocínio estão em revisão e que, a partir de agora, deve focar em projetos de ciência, tecnologia e educação. A empresa não vai mais patrocinar cultura no Brasil.
Além dos eventos de cinema, também foram atingidos o Festival de Teatro de Curitiba, o Prêmio da Música Brasileira e o Teatro Poeira, no Rio de Janeiro.
A medida foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter em fevereiro. “O Estado tem maiores prioridades”, escreveu o presidente, que também extinguiu o Ministério da Cultura e planeja mexer na Lei Rouanet de incentivo cultural. Paralelamente, o TCU paralisou a Ancine, proibindo-a a investir no cinema nacional.
Já está claro: o cinema brasileiro vai entrar em uma de suas piores crises financeiras.
Mas vale lembrar que, em release divulgado em dezembro passado, dias antes de Bolsonaro assumir o poder, a Petrobras se dizia orgulhosa de sua atuação como incentivadora do cinema nacional.
“São 22 anos e mais de 500 títulos entre longas e curtas metragens que fizeram da Petrobras a principal parceira da Retomada do Cinema Brasileiro, atuando em todos os elos da cadeia produtiva do setor audiovisual”, disse o texto, que ainda acrescentou: “Acreditamos em especial na importância do apoio aos festivais de cinema por promoverem o lançamento e circulação de novos filmes, estimularem a formação de plateia e constituírem espaços privilegiados de debate e reflexão sobre o audiovisual”.
“Carlota Joaquina, a Princesa do Brasil” e “O Quatrilho”, indicado ao Oscar, foram as primeiras produções cinematográficas que contaram com patrocínio da Petrobras. Com seu sucesso e repercussão internacional, os dois filmes de 1995 mudaram os rumos do cinema brasileiro, que estava quebrado devido ao desmantelamento de políticas culturais de um antigo presidente que também achava que o Brasil devia ter outras prioridades, Fernando Collor de Mello, impichado por corrupção.
Antes de Bolsonaro, um dos slogans da Petrobras era: “Para nós, Cultura é uma energia poderosa que movimenta a sociedade”.
A Petrobras, claro, não é a única estatal que cortou seus programas culturais. Na semana passada, em audiência pública na Câmara dos Deputados, o BNDES confirmou o corte de 40% da sua verba para patrocínio cultural. E a Caixa Econômica Federal também anunciou que não irá mais ajudar a manter o tradicional Cine Belas Artes aberto em São Paulo.
“Quando ouço alguém falar em cultura, saco o meu revólver”, dizia o texto de uma peça antinazista de Hanns Jost, encenada em 1933, ano em que Hitler assumiu o poder. Recontextualizada para o Brasil atual, a frase lembra um presidente que adora fazer revólveres com os dedos e reage com acusações de marxismo para menções de Cultura.
Mas Cultura não é inimiga de país nenhum. Ao contrário, é – cada vez mais no século 21 – aliada importante da Economia, já que a produção cultural é responsável por dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos e por injetar dezenas de bilhões de reais nas finanças do país. Tradicionalmente, o setor rende e emprega mais que outras indústrias, que costumam receber maiores incentivos e atenção de todos os governos.
Um relatório da Ancine demonstrou que só o setor audiovisual brasileiro foi responsável por injetar R$ 24,5 bilhões na Economia do país em 2014 – metade dos valores de toda a indústria automotiva (incluindo peças) no mesmo período. E em 2017 arrecadou para o governo R$ 2,13 bilhões somente com impostos diretos, segundo levantamento do Fundo Setorial Audiovisual (FSA).
Tudo isso vai acabar com o “projeto cultural” de Bolsonaro.
Recordar é viver: na época de Collor, o fim da Embrafilme, empresa estatal que concentrava o financiamento ao cinema brasileiro, foi acompanhado em 1990 de um dos piores períodos de recessão econômica da história do país.
Atualmente, a taxa de desemprego no Brasil é recorde, com 13,1 milhões de desempregados e 65,7 milhões de pessoas fora da força de trabalho, de acordo com dados oficiais do IBGE. Além disso, uma pesquisa da CUT-Vox Populi, realizada entre os dias 1º e 3 de abril, revelou que 62% dos que estão empregados têm medo de ficar desempregados.