Bolsonaro usa técnica de lavagem cerebral de Laranja Mecânica em vídeo contra Cultura

Para justificar sua política de cerco ao “setor que alguns dizem ser de cultura”, a partir da ordem de corte de patrocínios culturais da Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo […]

Para justificar sua política de cerco ao “setor que alguns dizem ser de cultura”, a partir da ordem de corte de patrocínios culturais da Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo no mínimo questionável em seu Twitter e YouTube oficiais.

O material, sem fonte clara – como tem sido praxe na comunicação do governo – , é uma versão editada de um noticiário da Globo News, submetida à tática de choque “golden shower” do presidente. Ele incorpora flashes aleatórios, alguns escatológicos, outros “apenas” preconceituosos, para forçar generalização contra o conceito de incentivo cultural.

Entre os exemplos subliminares está um pôster do filme “Lula, o Filho do Brasil”, que apesar de ser um vexame, não foi feito com dinheiro da Petrobras – ao menos, não diretamente – nem usou qualquer lei de incentivo fiscal federal, estadual ou municipal.

Outro exemplo é um flash de cartaz do Encontro Nacional de Arte e Cultura LGBT de 2014, com destaque para o fato de que ele ocorreu no Centro Petrobras de Cinema. A imagem entrou no momento em que a cineasta Lais Bodanzky (“Como Nossos Pais”), presidente da Spcine, falava sobre a importância do Festival do Rio, que é dos eventos ameaçados após os cortes da Petrobras. Tendo em vista que todas as imagens aleatórias tem o objetivo de “negativar” as falas apresentadas, o uso do cartaz trata a cultura LGBT como se fosse uma perversão.

O vídeo editado segue incorporando fake news, preconceito e generalizações de modo subliminar, para formar opiniões a partir de presunções completamente equivocadas. É uma técnica de lavagem cerebral, popularizada durante a Guerra Fria, para fomentar ódio contra aquilo que é mostrado.

Uma das cenas mais icônicas do clássico filme “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick, lança mão de projeções de filmes para fazer lavagem cerebral no protagonista. O objetivo é recondicionar Alex (Malcolm McDowell) a reagir com repulsa à determinadas situações exemplificadas nas imagens.

O condicionamento pela repulsa se alia a outra tática de lavagem cerebral. Você conhece o ditado que diz que “uma mentira contada mil vezes se transforma em uma verdade”? Pois o cérebro humano funciona mais ou menos dessa maneira e, quando não está preparado, cai nas armadilhas da repetição e do reforço de falsidades, passando a acreditar numa visão de mundo completamente mentirosa.

Contrariando a visão de mundo do presidente, a Petrobras foi responsável por salvar o cinema brasileiro, junto da Lei Rouanet, do caos criado por Fernando Collor de Mello ao extinguir a Embrafilme – isto e a popularização da música sertaneja foram os maiores legados culturais de Collor, ao passo que a destruição da Cultura nacional parece ser o projeto de Bolsonoro.

Em release divulgado em dezembro passado, dias antes de Bolsonaro assumir o poder, a Petrobras ainda se dizia orgulhosa de sua atuação como incentivadora do cinema nacional.

“São 22 anos e mais de 500 títulos entre longas e curtas metragens que fizeram da Petrobras a principal parceira da Retomada do Cinema Brasileiro, atuando em todos os elos da cadeia produtiva do setor audiovisual”, diz o texto, que ainda acrescenta: “Acreditamos em especial na importância do apoio aos festivais de cinema por promoverem o lançamento e circulação de novos filmes, estimularem a formação de plateia e constituírem espaços privilegiados de debate e reflexão sobre o audiovisual”.

“Carlota Joaquina, a Princesa do Brasil” e “O Quatrilho”, indicado ao Oscar, foram as primeiras produções cinematográficas que contaram com patrocínio da Petrobras. Com seu sucesso e repercussão internacional, os dois filmes de 1995 mudaram os rumos do cinema brasileiro, que foi quebrado por Collor, impichado por corrupção.

Um dos slogans da Petrobras até o ano passado celebrava: “Para nós, Cultura é uma energia poderosa que movimenta a sociedade”.

Entretanto, com Bolsonaro, a Petrobras passou a pensar ou pelo menos fazer o oposto, anunciando que não renovará o patrocínio de 13 eventos neste ano, o que inclui a Mostra de Cinema de São Paulo, o Festival do Rio, o Festival de Brasília e o Anima Mundi, entre outros projetos.

Em fevereiro, Bolsonaro já tinha anunciado seu espanto com o investimento da Petrobras em Cultura, ao expor números não fundamentados no Twitter. “A soma dos patrocínios dos últimos anos passa de R$ 3 BILHÕES”, tuitou o presidente, aproveitando para afirmar que o Estado “tem maiores prioridades”.

Vale lembrar que, com um único telefonema no começo de abril, em que mandou reverter aumento no preço do diesel, Bolsonaro deu prejuízo de R$ 32 BILHÕES (para usar a mesma grafia inflamada do presidente) para a Petrobras. O suficiente para décadas de investimento de Cultura, segundo cálculos dele mesmo.

Bolsonaro também extinguiu o Ministério da Cultura e congelou a aprovação de novos projetos na Lei Rouanet desde que assumiu a Presidência em janeiro. Nenhum projeto foi aprovado para receber incentivo em quase cinco meses de governo. E não há prazo para o descongelamento, que só deve acontecer quando forem aprovadas mudanças na Lei.

O presidente pretende estabelecer o teto de R$ 1 milhão por projeto, o que também acerta os festivais de cinema do Brasil.

​Paralelamente, o TCU paralisou a Ancine, proibindo-a de investir em novos projetos de cinema e séries nacionais.

É uma tempestade perfeita, que tende a culminar na maior catástrofe sofrida pela indústria cultural do país, com resultados já vistos sob o governo Collor: estagnação da produção cultural, aumento no índice de desempregados, quebradeira de empresas, impacto no consumo e na economia (recessão) e queda na arrecadação dos impostos que o governo deixará de receber do setor.

Caso o pior aconteça, a equipe que prepara os vídeos de lavagem cerebral de Bolsonaro precisará trabalhar dobrado. Uma dica é acrescentar as técnicas do filme “Sob o Domínio do Mal” (1962).