“Dogman”, o novo filme de Matteo Garrone (de “Gomorra”), não é fácil de se ver. É tenso, sofrido, violento, passa-se numa ambientação feia, suja. As escolhas estéticas não visam a produzir belezas, embora haja belas tomadas cinematográficas. A intenção é nos colocar numa vida dos infernos, em que predominam a opressão e a impotência.
Como o filme é contado do ponto de vista de Marcelo (Marcello Fonte), o Dogman do título, e ele é o homem pequeno e gentil que é oprimido, o que vivemos junto com ele é a impotência. E por mais pacíficos que sejamos, torcemos pela vingança. Nas condições apresentadas, aparentemente não há outro caminho possível. O que é complicado e, até certo ponto, assustador. Quem quer que se coloque a favor da justiça pelas próprias mãos está rejeitando o caminho da democracia e da lei. Convalidando a barbárie, portanto.
Em “Dogman”, estamos na periferia suspensa entre a metrópole e o deserto, em que a lei do mais forte predomina. Marcelo tem uma oficina de higiene e beleza para cães e está em contato harmônico com sua comunidade pobre e sem perspectivas naquele beco do mundo. A opressão que ele sofre se expressa por meio do personagem Simoncino (Edoardo Pesce), um brutamontes, ex-boxeador, que aterroriza todo o bairro, mas coloca Marcelo nas piores situações à base da intimidação e da força. Marcelo está acomodado nessa situação absurda, a ponto de até proteger ou cuidar dos ferimentos de seu algoz. Mas tudo só se agrava, a explosão da bestialidade humana acontece. E, consequentemente, a vingança inspirada nos cães presos nas gaiolas.
Em um contexto em que a simples sobrevivência envolve riscos tão altos e escolhas muito complicadas de se fazer, realmente o que fica é a sensação de impotência. Quando tal sentimento prevalece, é fácil aprovar o caminho da violência como solução, quando, na verdade, ela é sempre um problema a mais.
O diretor Matteo Garrone tem firmeza e intensidade nesse trabalho, que conta com um ator excepcional, como Marcello Fonte, merecidamente premiado no Festival de Cannes e pela Academia Europeia. Seu desempenho nos faz ficar em suspenso durante toda a projeção, atentos aos menores movimentos e expressões do personagem, sofrendo com ele e torcendo por ele.
“Dogman” exige muito do espectador, mas tem muito a dar, também. Encarar uma realidade tão dura, insuportável, obriga a refletir sobre ela e a ter um posicionamento consistente diante do que a vida pode nos apresentar, gostemos disso ou não.