A Academia Brasileira de Cinema (ABC) confirmou que se acha genial e muitíssimo relevante. A mesma entidade responsável pela escolha de “Bingo – O Rei das Manhãs” para representar o Brasil no Oscar 2018 escolheu o próprio filme como o Melhor do Ano, na premiação ouroboros auto-intitulada Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.
Pode ser mais óbvio? Pode. “Bingo” venceu 8 prêmios, mais que qualquer outro filme, para escancarar como a ABC considera o longa de Daniel Rezende melhor que todos os outros.
O filme é bacaninha. Mas. Não disputou nenhum festival e suas maiores consagrações foram todas da ABC.
Por outro lado, os acadêmicos do abecedário não reconheceram com um trofeuzinho sequer “Gabriel e a Montanha”, dirigido por Felipe Barbosa, que venceu o prêmio Revelação na Semana da Crítica em Cannes e o prêmio da Fundação Gan, e “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, vencedor dos prêmios do público no Festival de San Sebastián (Espanha), na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio.
Já “Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, que venceu o Festival de Gramado 2017, ficou com apenas dois Oscaritos, ops, troféus Grande Otelo (o outro nome do Oscar brasileiro): Melhor Direção e Atriz (Maria Ribeiro). Pouco, considerando que era, disparado, o mais premiado e elogiado candidato da lista de indicados.
Para se ter ideia dos critérios adotados, a ABC também premiu duas vezes o roteirista Mikael de Albuquerque, por Melhor Roteiro Original e Melhor Roteiro Adaptado. O adaptado foi “Real – O Plano por Trás da História”, um dos piores filmes do ano passado.
Talvez esta seja a explicação para a ABC realizar sua premiação sempre tão tarde. É o segredo para que a cobertura do evento não seja retrucada com a lembrança dos filmes lançados nos cinemas há mais de um ano atrás.
A verdade é que, ao contrário do Oscar-Oscar, o Oscarito-Grande Otelo privilegia lançamentos de maior apelo popular, que por isso ficam mais frescos na memória, com direito até aos que viram minissérie da Globo. Sinal desse critério é que o vencedor do Prêmio do Público foi exatamente o mesmo premiado pelos acadêmicos.
Já os filmes de reconhecida repercussão artística, selecionados por curadorias de festivais internacionais, não parecem merecer a mesma reverência do abecedário. Tanto é que alguns dos longas de maior prestígio do ano passado nem sequer ganharam indicação ao tal Grande Otelo do Cinema Brasileiro, o prêmio Oscarito nacional. “Elon Não Acredita na Morte”, “Não Devore Meu Coração”, “Mulher do Pai”, “Antes o Tempo Não Acabava”, “Lamparina da Aurora”, “Corpo Elétrico”, “A Cidade Onde Envelheço”, “Pendular”, com passagens por festivais como Sundance, Berlim, Rotterdã, Cartagena e outros, não existiram segundo a seleção da ABC.
Atente, ainda, que “A Cidade onde Envelheço” venceu, entre outros, o prêmio de Melhor Filme do Festival de Brasília 2016, “Mulher do Pai” o de Melhor Direção (Cristiane Oliveira) no Festival do Rio 2016, e “Eden”, mais um ignorado, consagrou Leandra Leal como Melhor Atriz no Festival do Rio 2012 e o de Gramado 2013. As datas são antigas? É que nem as premiações convenceram o circuito a lhes dar espaço nos cinemas, o que só aconteceu no ano passado.
O legítimo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro é da distribuidora Vitrine Filmes, que presta um serviço inestimável ao levar esse tipo de filme ignorado pela ABC a um circuito de resistência no Brasil.
Até então uma brincadeira inofensiva de amiguinhos, que colocavam black tie para fingir que faziam um Oscar, a ABC cruzou limites de tolerância quando sua ilusão de grandeza ganhou legitimidade do Ministério da Cultura, que lhe repassou a função de selecionar o representante brasileiro ao Oscar-Oscar. Assim, neste ano, o escolhido foi o filme do amiguinho da turma, “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, numa reprise descabida da falta de critérios anteriormente vista em “Bingo – O Rei das Manhas”, passando por cima de obras consagradas em festivais.
No ano que vem, já se sabe qual será o vencedor do Grande Prêmio de Fórmula 1 do Cinema Brasileiro.
Veja abaixo o que os amiguinhos premiaram neste ano e que a Grande Imprensa Brasileira noticiou como feito muito importante.
Longa-Metragem de Ficção: “Bingo – O Rei das Manhãs”
Longa-Metragem Documentário: “Divinas Divas”
Longa-Metragem Comédia: “Divórcio”
Longa-Metragem Animação: “Historietas Assombradas – O Filme”
Longa-Metragem Infantil: “Detetives do Prédio Azul”
Direção: Laís Bodanzky (“Como Nossos Pais”)
Atriz: Maria Ribeiro (“Como Nossos Pais”)
Ator: Vladimir Brichta (“Bingo – O Rei das Manhãs” )
Atriz Coadjuvante: Sandra Corveloni (“A Glória e a Graça”)
Ator Coadjuvante: Augusto Madeira (“Bingo – O Rei das Manhãs”)
Direção de Fotografia: Gustavo Hadba (“A Glória e a Graça”)
Roteiro Original: Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre (“A Glória e a Graça”)
Roteiro Adaptado: Mikael de Albuquerque (“Real – O Plano por Trás da História”)
Direção de Arte: Cássio Amarante (“Bingo – O Rei das Manhãs”)
Figurino: Verônica Julian (“Bingo – O Rei das Manhãs”)
Maquiagem: Anna Van Steen (“Bingo – O Rei das Manhãs”)
Efeito Visuais: Ricardo Bardal (“Malasartes e o Duelo com a Morte”)
Montagem Ficção: Márcio Hashimoto (“Bingo – O Rei das Manhãs”)
Montagem Documentário: Natara Ney (“Divinas Divas”)
Som: George Saldanha, François Wolf e Armando Torres Jr (“João, O Maestro”)
Trilha Sonora Original: Plínio Profeta (“O Filme da Minha Vida”)
Trilha Sonora: Mauro Lima, Fael Mondego e Fábio Mondego (“João, O Maestro”)
Longa-Metragem Estrangeiro: “Uma Mulher Fantástica”
Curta-Metragem de Animação: “Vênus-Filó, a Fadinha Lésbica”
Curta-Metragem Documentário: “Ocupação do Hotel Cambridge”
Melhor Curta-metragem Ficção: “A Passagem do Cometa”
Voto Popular – Longa Brasileiro: “Bingo – O Rei das Manhãs”
Voto Popular – Longa Estrangeiro: “La La Land”
Voto Popular – Longa Documentário: “Cora Coralina”