Desde que a Disney comprou a 21st Century Fox, as especulações a respeito do destino do espólio adquirido pelo CEO Robert Iger tem sido alvo de muita boataria. No Brasil, pitonisas vem alimentado profecias apocalípticas sobre o final dos canais Fox no Brasil. Um blogue de prestígio chegou a trazer declarações fulminantes de sacerdotes do deus mercado, para comprovar como o fim está próximo para o mundo Fox. Sete anos, previram os abutres, como numa maldição de terror japonês. E o terror se espalhou como praga em vários outros sites que resolveram alimentar o pânico.
Toda essa fumaça trata-se, na verdade, de estratégia da oposição. Várias empresas rivais, da Globosat à Warner Media, entraram como partes interessadas no processo de fusão da Disney e Fox, chamado Ato de Concentração, que corre no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Para a Globosat, dona da Sportv, a provável fusão dos canais ESPN (da Disney) e Fox Sports é a maior ameaça já vista à sua hegemonia no segmento de esportes da TV paga. Empresas que vendem pacotes de TV, como Vivo, Claro e Sky, também receiam perder canais, o que geraria problemas com assinantes e, por isso, também torcem pela manutenção do status quo. Quem menos tem poder de interferência nesse negócio são as distribuidoras de cinema, como Warner e UIP, uma vez que a fusão dos estúdios não deve alterar a forma como os filmes chegam ao mercado, mas igualmente torcem contra o crescimento de um rival.
Portanto, considere toda e qualquer profecia impressa ou blogada, especialmente com frases de “especialistas” anônimos, como campanha de parte interessada. Manipular a opinião pública com medo e paranoia é uma estratégia clássica para se influenciar rumos desejados. E são, como se pode reparar, muitos e poderosos os interesses contrários a esse negócio.
O que existe, até o momento, é o processo aberto em 20 de julho junto ao CADE. Em sua apresentação, o documento do representante jurídico da fusão pede aprovação sem restrição, usando os seguintes argumentos:
“A Operação não reduzirá a concorrência no setor, não criará ou reforçará posição dominante e nem acarretará a criação de monopólio no Brasil ou no exterior. A dinâmica concorrencial dos mercados relevantes não será afetada de maneira significativa em razão da Operação Proposta. Os mercados permanecerão altamente competitivos com ou sem a fusão das atividades das Partes.
Na verdade, a Operação Proposta deverá ser benéfica aos consumidores em razão das esperadas sinergias que serão criadas com a melhora da habilidade das Partes na produção de conteúdo e na oferta de novas formas de distribuição aos consumidores (por exemplo, serviços direct-to-consumer), além das eficiências que deverão ser geradas com a redução dos custos”.
O texto, por sinal, praticamente confirma o lançamento no Brasil de serviços de streaming planejados pela Disney.
A questão dos canais esportivos Fox Sports e ESPN é um caso a parte, uma vez que esta fusão não ocorrerá nos Estados Unidos, onde a Fox Sports permanecerá no grupo da provisoriamente chamada New Fox, ao lado da Fox News e da própria rede Fox. Entretanto, o mesmo não parece estar previsto para o mercado internacional.
Assim sendo, não faz sentido a Disney preservar o canal Fox Sports, que pertence a um rival nos Estados Unidos. A ESPN tende mesmo a virar a marca dominante dos esportes, inclusive com o lançamento de seu serviço de streaming no Brasil. Ele já existe nos Estados Unidos e mantém completamente separadas as ofertas de esportes das demais atrações da Disney.
Esta é a única parte com fundo de verdade nas profecias, mas não configura o cenário apocalíptico desenhado.
O CEO da Disney já disse que pretende manter os canais FX e Nat Geo nos Estados Unidos. Isto porque a Disney não tem equivalentes em seu portfólio de canais. A empresa comprou a Fox justamente para ampliar sua oferta de conteúdo.
E este é exatamente o caso do canal pago Fox no Brasil. A Disney não tem uma rede ABC brasileira. Tanto que as séries exibidas na ABC acabam indo para o canal pago Sony.
A verdade é que não há, entre o Disney Channel, Disney XD e Disney Junior, um canal para abrigar as séries da Fox. A emissora até poderia mudar de nome – o que nunca aconteceu com as empresas compradas pela Disney, da Pixar à Lucasfilm – , mas seu conteúdo continuará a ser abrigado em algum lugar. A menos que ingênuos acreditem que a Disney investiu US$$ 71,3 bilhões na Fox só para jogar fora o que comprou.
Tem mais. Além de todas as produções da 21st Century Fox, o negócio de Iger também inclui percentagens no serviço de streaming Hulu e na rede britânica de canais pagos Sky. Ambos também produzem séries. Conteúdo que chegava ao Brasil via Fox Premium. E que deverá continuar chegando por algum lugar.
Só não chegará pelo futuro serviço de streaming da Disney. Embora o projeto esteja sendo mantido em relativo sigilo, os primeiros produtos anunciados revelam que se trata de uma plataforma para público juvenil. Até “Os Simpsons” parecem ousados perto de séries de “Star Wars”, “Monstros S.A.” e telefilme de “A Dama e o Vagabundo”.
Assim, duvide bastante de quem escrever ou usar aspas de alguém “de peso” do mercado sobre o final da Fox no Brasil. É (muito provavelmente) mentira.
Entretanto, se algum executivo da Sony disser que o canal pago pode acabar, caso a Disney decida tirar suas séries de lá para colocar na Fox, bem… pode acreditar.