Não bastassem os conservadores americanos, agora a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) quer que a Netflix cancele o lançamento da animação “Super Drags”, que mostrará drag queens super-heroínas. A alegação, acreditem, é que a produção adulta seria imprópria para o público infantil.
Em nota destinada “a médicos e à sociedade”, publicada em seu site oficial, a SBP ataca o que chama de “linguagem infantil” usada pela série inédita: “A SBP respeita a diversidade e defende a liberdade de expressão e artística no país, no entanto, alerta para os riscos de se utilizar uma linguagem iminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto, o que exige maior capacidade cognitiva e de elaboração por parte dos espectadores”.
Sem mencionar a Netflix ou o nome da série, a entidade diz que “vê com preocupação o anúncio de estreia, no segundo semestre de 2018, de um desenho animado, a ser exibido em plataforma de streaming, cuja trama gira ao redor de jovens que se transformam em drag queens super-heroínas”. E “apela à plataforma que cancele esse lançamento, como expressão de compromisso do desenvolvimento de futuras gerações”.
O comunicado ainda critica o fim da Classificação Indicativa, decretado em sentença do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece multa e suspensão às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa.
“Super Drags” foi anunciada no fim de maio pela Netflix e será a primeira animação brasileira a ser produzida pela empresa, com cinco episódios. E, por enquanto, o único material da produção revelado foi um teaser, de 27 segundos.
Segundo a sinopse oficial, a trama conta a história de três jovens que trabalham em uma loja de departamentos durante o dia e, durante a noite, se transformam nas Super Drags, “prontas para salvar o mundo da maldade e da caretice, enfrentando um vilão desaplaudido a cada episódio”.
Isto tem sido considerado suficiente para a emissão de notas de repúdio.
A Christian Film and Television Commission (Comissão Cristã de Filmes e Televisão) também está atacando a produção, e iniciou uma petição online para impedir que a Netflix exiba a série brasileira nos Estados Unidos. Sua alegação para atacar a produção é que ela quer “forçar uma agenda LGBT politicamente correta”.
Ao menos, o preconceito do grupo cristão americano é assumido e justificado por cultura religiosa.
Já os médicos brasileiros apelam para discurso científico, embora o subtexto seja o mesmo. Neste caso, a preocupação teria maior legitimidade se listasse outras séries animadas adultas do serviço de streaming, como “Bojack Horseman”, “Big Mouth” e “F Is for Family”. Estas lidam com sexo e drogas, algo que “Super Drags” não parece tocar, ao menos nos 27 segundos que tanto “preocuparam”.
Considerar que toda animação é feita para crianças também é presunção antiquada, da época que os bichinhos falantes, drogados e sexualmente ativos de “O Gato Fritz” ainda causavam polêmica – lá em 1972 – , e não tem sido usado mais em argumentos desde a estreia da faixa Adult Swim, com desenhos adultos, no canal de animação Cartoon Network, no “raiar” do século 21.
Neste século tão cheio de inovações, empresas de streaming como a Netflix disponibilizam para seus usuários a opção de controle parental, que permite aos pais controlar quais títulos seus filhos têm acesso. É bem mais simples, na verdade, que bula de remédio e não precisa de receita. Além disso, como animação adulta, “Super Drags” não será disponibilizada na seção Netflix Kids da plataforma.
Mesmo assim, vale observar que “Super Drags” ainda não foi finalizada e, por isso, não se sabe até o momento qual será sua classificação indicativa.
Precipitação é um sintoma característico de preconceito, uma doença social da qual, infelizmente, nem médicos são imunes.